Arquitetos
Emerson Vidigal, Eron Costin, Fabio Henrique Faria e João Gabriel Moura Rosa Cordeiro.Localização
Península KellerÁrea
3200.0 m2Ano do projeto
2013Fotografias
Cortesia de Estúdio 41
O Estúdio 41 compartilhou conosco o projeto vencedor do Concurso Internacional Estação Antártica Comandante Ferraz. Confira todos os detalhes na continuação.
Em certos lugares do planeta a natureza por vezes cria condições adversas para o corpo humano. Nestes locais, pensar um edifício é quase como construir uma vestimenta, um artefato que protege e conforta. Trata-se de um problema de desempenho tecnológico, mas que deve estar aliado à estética. Fazer o ser humano sentir-se bem é mais que trabalhar as noções de conforto e segurança, é também trabalhar os espaços nas suas dimensões simbólicas e perceptivas.
Um abrigo, um lugar seguro. A nova casa do Brasil na Antártica. Um lugar de proteção e reunião das pessoas para a produção do conhecimento científico. Assim é encarada a tarefa de projetar a nova Estação Antártica Comandante Ferraz.
O vazio deixado pelo incêndio ocorrido em 2012 carrega de simbolismo a importância dessa nova construção; ela representa a presença brasileira na Antártica como possibilidade de contribuição científica em conjunto com a comunidade internacional. Representa também uma oportunidade de desenvolvimento tecnológico para a arquitetura brasileira e para a indústria nacional.
De outro lado, o processo de projeto nos leva a entender aos poucos a fragilidade da vida humana e como se deve agir para resolver problemas construtivos, funcionais e sensoriais. Nesse sentido, as decisões são tomadas de modo cuidadoso, pois é preciso respeitar a natureza e entender que há desafios a serem superados antes de se chegar ao edifício construído.
A presente proposta para a Estação Ferraz parte da interpretação do território e das condições geográficas da região. Sendo assim, a implantação dos edifícios propostos leva em consideração a topografia da Península Keller e as necessidades de preservação das áreas de vida animal e vegetal do entorno, entre outros fatores. Diversas condições previstas pelo Zoneamento Ambiental de Uso são respeitadas de modo a minimizar os impactos na natureza.
Os setores funcionais estão organizados em blocos que distribuem os usos. O bloco superior, no nível +9,10, abriga os camarotes, áreas de serviço e o jantar/estar. Ao bloco inferior, no nível +5,95, foram incorporados os laboratórios e as áreas de operação e manutenção. Este mesmo bloco abriga as garagens e o paiol central, localizados no nível +2,50.
Um bloco transversal, também no nível +5,95, reúne os usos social e de convívio. Neste trecho estão posicionados a sala de vídeo/auditório, a lan house, a sala de reuniões/videoconferência, a biblioteca, e o estar.
Os edifícios são suspensos sobre pilares reguláveis de modo a adaptar-se às mudanças provocadas pela variação de temperatura e ao degelo.
Quando implantados, os blocos principais, em conjunto com cafangoria, heliponto, garagem e tanques de combustíveis, definirão um praça de logística ao norte do complexo principal. A implantação é completada com as plantas de painéis fotovoltaicos, também ao norte, e de turbinas eólicas VAWT a sudoeste.
Estratégias de Logística e Pré-fabricação
A Estação Ferraz foi projetada levando em consideração a necessidade de pré-fabricação e industrialização de componentes construtivos. Por conta disso optou-se pela utilização de uma seção construtiva contínua em grande parte do edifício. A estratégia central neste aspecto é a repetição dos componentes e sistemas construtivos permitindo alcançar níveis de excelência na montagem e garantir o auto desempenho do edifício, ao mesmo tempo racionalizando os processos de fabricação.
Estruturas e Materiais de Construção
Os materiais adotados preferencialmente foram aqueles que permitem atender aos diversos fatores de desempenho ambiental gerados pela implantação de um edifício na Antártica.
As estruturas principais são pensadas em aço de alta resistência à corrosão e ao clima frio, tratado de maneira à minimizar a necessidade de manutenção. A estrutura em aço de suporte aos pisos é constituída de treliças posicionadas em grelha e está modulada em painéis de 600x1200cm podendo ser pré-fabricadas antes de transportadas ao sítio de implantação.
O contraventamento das estruturas que sustentam as coberturas e paredes é realizado com paredes treliçadas transversais posicionadas a cada, no máximo, 12 metros de distância.
Internamente, diversos ambientes podem ser pré-fabricados em componentes modulares de madeira, como os camarotes e Unidades Isoladas, por exemplo. Desse modo é possível transportar estes habitáculos já montados a partir do Brasil, inclusive com seus mobiliários específicos.
Quanto ao comportamento dos solos para as fundações, a partir da interpretação dos ensaios triaxiais será possível definir qual a solução indicada. O que já se pode perceber é a necessidade de estabilização (contenção) das bordas das áreas das obras e a previsão de drenagens capazes de drenar a água infiltrada e superficial.
Estratégias para o Conforto Ambiental
A ênfase das estratégias de conforto ambiental foi trabalhar o desempenho da envoltória, prevenindo a perda de calor o máximo possível.
Outra questão relevante foi a definição dos perfis de temperaturas desejadas em cada ambiente interno da estação. Com estas definições, o programa de necessidades foi também agrupado segundo três fatores: 1- perfil de temperatura similar dos ambientes, 2- ocupação dos ambientes ao longo do dia, 3- sazonalidade de ocupação dos espaços da estação (diferença entre o verão e o restante do ano).
A partir destes parâmetros iniciais foi realizada um simulação testando comparativamente os desempenhos possíveis dos materiais de isolamento.
Para proporcionar baixa transmitância nos elementos opacos da envoltória optou-se pela utilização do PIR(poliisocianurato). A espessura desta camada foi definida em 25cm a partir de simulação específica e dados comparativos.
A EACF foi simulada com o software EnergyPlus a fim de se entender o comportamento do consumo do sistema de calefação. A intenção é saber a redução de consumo aplicando variações dos set points em ambientes de diferentes tipos de utilização, em relação a um set point (temperatura em que o sistema de climatização deve atingir) constante em todos ambientes da Estação.
O sistema de calefação utilizado foi: aquecimento ativo com placas convectivas/radiantes acionados por resistências elétricas. A redução de consumo do sistema foi comparada à um sistema com set point constante e igual a 21°C em todos os ambientes da estação.
Envoltório: Para os fechamentos externos foram utilizadas camadas de chapa metálica, painéis de PIR (Poliisocianurato), OSB (Oriented Strand Board). Nos fechamentos internos foram utilizadas camadas de OSB, PIR e OSB. Os vidros utilizados foram vidros clear com tripla camada.
Simulação Paramétrica
Para entender a influência de algumas variáveis importantes no comportamento da estação, foi realizado uma simulação paramétrica. Com o resultados das simulações pode-se perceber que a carga térmica mais severa é o ar externo, tanto como infiltração quanto como renovação de ar. A redução das taxas de renovação de ar externo proporciona uma diminuição muito grande no consumo energético com aquecimentos dos ambientes.
No entanto, a renovação de ar é extremamente necessária para manter a qualidade do ar interno. O impacto dessa carga será reduzido com algumas soluções do tipo: utilização de pré aquecimento do ar externo, utilização de materiais como forros e revestimentos que diminuam o número de partículas em suspensão, e utilização de sensor de concentração de CO2 (possibilidade de reduzir a taxa de renovação conforme a concentração de CO2 no ambiente).
Gestão de água, esgoto, resíduos e energia
Partindo do princípio que a água potável é um recurso escasso, os sistemas projetados levam em conta a necessidade de reaproveitamento das águas servidas, o tratamento das águas cinzas e do esgoto gerado, levando em conta os parâmetros solicitados pelo edital.
A central de tratamento de água e esgoto está posicionada abaixo do bloco superior, onde há maior demanda por água tratada, uma vez que foram concentrados nesse setor os sanitários e a cozinha.
Quanto à energia para manter o funcionamento da estação, está proposto um modelo de cogeração baseado em energias: fotovoltaicas, eólica (VAWT) e também proveniente da queima de etanol. A automação do sistema, através do DPMS, propicia um equilíbrio entre estas fontes, dependendo da oferta disponível de potência em cada sistema de geração. Somente se não houver oferta de energia eólica ou fotovoltaica, o sistema de geradores em etanol entra em potência total.
A adoção do sistema eólico VAWT leva em consideração as seguintes vantagens quando comparado a uma turbina eólica convencional: menor necessidade de fundações profundas (o sistema pode estar fixado a uma estrutura metálica superficial), capacidade do sistema ser modulado, menor ruído emitido.
Outra medida que pode significar redução significativa de consumo de energia é o "desligamento" programado de alguns ambientes como laboratórios e parte dos camarotes quando não ocupados. Estes setores podem ser mantidos durante o inverno numa temperatura interna por volta de 5°C apenas para prevenir o congelamento de tubulações.
Sistemas e Instalações
A demanda preliminar calculada de energia, levando em conta as estratégias e materiais isolantes adotados nesta proposta, é de aproximadamente 300kW. A maior parte desta demanda parte dos sistemas de aquecimento e calefação.
Para a calefação está previsto um sistema radiante, com radiadores instalados em cada ambiente interno. Os radiadores são conectados individualmente em sensores de presença e termostatos que, por sua vez, enviam informações ao sistema de automação.
São diversas as vantagens deste sistema em relação a um piso radiante, por exemplo. O sistema de radiadores é mais barato, mais fácil de instalar, com menor custo de operação além de permitir uma setorização otimizada por ambiente, ou seja, caso um radiador não esteja funcionando, ele pode ser desligado de forma independente do resto do sistema.
O aquecimento de água de consumo na caldeira pode funcionar complementado por um sistema de termoacumulação. Além disso, há previsão de recuperadores de calor nos geradores, incineradores e juntos à rede de coleta de água quente (chuveiros e torneiras).
Estratégias de Proteção e Combate à Incêndio
A estratégia prevista para a segurança da Estação Comandante Ferraz no que diz respeito à incêndio baseia-se nos seguintes princípios: a- setorização/isolamento de riscos, b- promoção de barreiras corta fogo, c- adoção de sistemas complementares de combate a incêndio.
O edifício está organizado segundo unidades autônomas que possuem sistemas individualizados de combate a incêndio. O sistema principal utilizado é de chuveiros automáticos (sprinklers) mas em alguns casos específicos (motores, caldeiras, geradores e controle) são utilizados sistemas do tipo "watermist" complementados com o uso de agentes limpos do tipo FM-200. Para o isolamento dos setores da estação são previstas paredes pré fabricadas em concreto celular com 10 cm de espessura, que podem resistir a até 380 minutos de fogo. Nestes pontos, onde também estão posicionadas as principais saídas de emergência, existem antecâmaras com portas corta fogo.