Iremos publicar o livro de Nikos Salíngaros, Unified Architectural Theory, em uma série de trechos, tornando-o disponível digitalmente e gratuitamente a todos os estudantes e arquitetos. O capítulo a seguir, "A Estrutura das Teorias Arquitetônicas", postula que a arquitetura, se trabalha verdadeiramente com os ecossistemas naturais, deve adotar uma abordagem cientificamente informada e sistêmica. Se você perdeu a introdução, pode encontrá-la aqui.
A arquitetura é um ato humano que invade e substitui o ecossistema natural. A ordem biológica é destruída cada vez que limpamos as plantas nativas e erguemos edifícios e infraestruturas. O objetivo da arquitetura é a criação de estruturas para abrigar os homens e suas atividades e os seres humanos são parte do ecossistema da Terra, mesmo se tendemos a esquecer isso.
Logicamente, a arquitetura precisa ter uma base teórica que começa com o ecossistema natural. O ato de construir demanda materiais de maneiras muito específicas, e os seres humanos geram uma demanda artificial de materiais, que foram extraídos da natureza e transformados em variados graus. Alguns dos materiais mais utilizados da atualidade, como placas de vidro e aço, exigem processos de consumos intensivos de energia, sendo que contém quantidades elevadas de energia incorporada. Estes não podem ser a base para qualquer solução sustentável, apesar de toda a campanha das indústrias.
O esgotamento dos recursos e uma catástrofe ecológica iminente são consequências do distanciamento da natureza e de uma fé cega na tecnologia para resolver os problemas que a própria indústria criou.
A teoria da arquitetura, no sentido entendido aqui, é uma estrutura que estuda fenômenos arquitetônicos utilizando lógica científica e métodos de experimentação. Muitas experiências foram realizadas por outras pessoas, e vamos aplicá-las à arquitetura, sendo que a teoria fornece um modelo que explica as investigações e observações sobre formas e estruturas.
A teoria bem-sucedida nos ajudará a interpretar o que um arquiteto faz, mesmo que cada um provavelmente tenha suas próprias motivações ou explicações. No entanto, a teoria nos permite fazer a comparação entre diferentes tipos de edifícios, bem como avaliar quão bem eles se conectam aos usuários e à natureza. Podemos entender como um edifício surgiu, e como ele dialoga e interage com seu entorno.
Também seria bom se as pessoas comuns, e não apenas arquitetos, pudessem entender as teorias arquitetônicas e, portanto, estas devem ser formuladas com esse objetivo em mente. As vantagens são que as pessoas comuns são as que habitarão esses edifícios, enquanto que os arquitetos podem escolher viver e trabalhar onde quiserem. Outro ponto crucial é que a maioria das atividades de construção é, e sempre foi, a construção de assentamentos informais de auto construídos. Os próprios moradores, e não arquitetos, que criam essas estruturas.
Christopher Alexander desenvolveu uma teoria sobre a ordem do que é criado pelos humanos. Baseia-se diretamente sobre a ordem natural e, portanto, não há contradição ou confusão entre os dois tipos.
Alexander traçou cinco pressupostos principais que lhe permitiram prosseguir seu trabalho.
(1) As ordens naturais e artificiais contam com os mesmos mecanismos para o funcionamento.
(2) Ordem natural é auto-organizativa e auto-corretiva. O que observamos está lá pois funciona.
(3) A ordem artificial não é necessariamente auto-corretiva, ou talvez seja em uma escala de tempo geracional e por isso as pessoas não poderão notar. Como resultado, os seres humanos podem fazer coisas para o ambiente natural, construindo edifícios e estruturas que danificam o mundo. Não é fácil diagnosticar o que é bom e distingui-lo do que é ruim.
(4) É possível utilizar a ciência para criar ferramentas de diagnóstico para o que é bom e ruim em criações humanas -- em como elas afetam o meio ambiente natural, incluindo nós, humanos.
(5) Podemos usar o corpo humano como um instrumento de detecção para o que é bom e ruim na arquitetura. O pressuposto básico: os sentimentos humanos são universais e as pessoas compartilham 90% de suas respostas, mesmo vindas de diferentes culturas e contextos.
Para construir bons edifícios, precisamos de uma visão global, uma concepção sobre o mundo que é saudável e que nos permite entender as coisas profundamente. A visão de mundo saudável é baseada na conectividade com o mesmo: conexão direta com a ordem do universo e de processos naturais, já que estão ocorrendo continuamente.
O oposto -- a indiferença ou desconexão -- leva a uma condição perigosa onde as pessoas analisam a situação como um mecanismo isolado do mundo. Este é o modelo de um edifício ou de uma cidade como uma máquina. A ciência moderna é culpada em contribuir com esta desconexão com a natureza, uma vez que os modelos científicos são necessariamente auto-suficientes e de escopos limitados -- caso contrário eles seriam inúteis.
A ciência nos dá um excelente modelo de como algo funciona como um sistema mecânico. No entanto, esta não é uma descrição completa mesmo nos casos que compreendemos bem. E há um grande número de casos em que ignoramos qualquer descrição mecânica de todo de um fenômeno observado.
O que está completamente ausente de uma visão de mundo estritamente mecanicista é a consciência humana, a nossa ligação pessoal e emocional com o universo. Isto pode não importar quando pesquisamos alguns problemas técnicos, mas é muito importante para as coisas que nos afetam, como a arquitetura. Outra consequência importante é a falta de valor em uma visão de mundo mecanicista. Um ser humano conectado ao universo sabe a distinção entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio. Essas qualidades não são relativas, e não são questões de opinião. Um consumidor desconectado dos valores naturais, pelo contrário, pode ser alimentado com produtos tóxicos e ser levado a acreditar que estes são bons.
A maneira do presente, com uma visão altamente restrita do universo é desenvolver um estado imensamente mais ligado entre os seres humanos e seu meio ambiente. A atenção é dada ao que nos afeta mutuamente com o mundo, quando estamos fortemente conectados.
Seguindo este raciocínio, as pessoas têm uma base comum para o julgamento, e podem intuitivamente julgar se algo tem ordem ou vida, e pode-se esperar que sua reação instintiva seja de 90% compartilhada entre todas as culturas. Nesta nova visão de mundo, o ornamento desempenha um papel crítico para conectar os seres humanos com a ordem do mundo. Ornamento é, portanto, intimamente relacionado com a função, no sentido não-mecanicista.
Queremos considerar a arquitetura e a produção de artefatos humanos também como componentes essenciais dos ecossistemas naturais. Ordem e vida estão relacionados. As coisas naturais têm uma ordem intrínseca, e a vida como costumamos conhecê-la e compreendê-la é simplesmente uma extensão dessa ordem. Por esta razão, construções humanas não devem prejudicar ou contradizer a ordem natural.
Os ecossistemas terrestres (muitos dos quais estão ligados uns aos outros) contêm e estão contidos por outros componentes que não metabolizam ou se replicam. Mas cada camada do sistema é interdependente. Esta propriedade de vida em objetos inanimados e situações artificiais surge do grau de sua ordem natural, sendo que o corpo humano possui mecanismos evoluídos para sentir essa ordem. Assim, não é de estranhar a sensação de que algo está "vivo", devido às suas propriedades geométricas, mesmo que esse objeto não seja biológico.
Organismos biológicos têm os recursos adicionais do metabolismo e replicação. Uma conseqüência muito simples de pensamento de um edifício como um entidade "viva" é que ele necessita de manutenção e restauros. Esta analogia com o metabolismo leva-nos longe de um princípio central da arquitetura industrial do Século 20: a busca de materiais absolutamente permanentes e resistentes ao tempo. Esta procura tornou-se muito dispendiosa. Mas, o pior de tudo, é que ela nega as qualidades vivas. Materiais que envelhecem produzem, de fato, edifícios que estão mais de acordo com os organismos biológicos. Por exemplo, o Complexo Ise Shrine, no Japão, que é reconstruído a cada 20 anos.
Edifícios também se envolvem na replicação: se uma tipologia é adotada por outros construtores, então o edifício protótipo original é replicado em mais exemplares, não sendo exatamente o mesmo, mas contendo a mesma informação "genética".
Uma vez que a percepção de algo como sendo "viva" é através de uma ligação muito forte com a nossa mente e corpo, há um efeito recíproco: aquele objeto, lugar ou configuração nos faz sentir mais vivos. É possível encontrar uma infinidade de artefatos, edifícios, espaços urbanos com vitalidade, e que por sua vez nos fazem sentir "vivos". Eles invariavelmente vêm de tradições vernaculares e quase nunca de projeto.
A qualidade de vida percebida vem de configurações geométricas específicas, e é possível descobrir as regras que geram uma qualidade positiva de vida. Mesmo nos exemplos não tradicionais do século 20 de objetos e lugares em que se percebe "vida", esta decorre de sua geometria. Não é baseado em conceitos, ou imagens, ou tendências. Ao ligar-se à coisa, sentimos que estamos conectando-nos diretamente com seu criador, que, portanto, não se esconde atrás de quaisquer noções ou ideias que contaminem seu caráter genuíno.
Para chegar a uma verdadeira compreensão da arquitetura, é útil usar a abordagem que os cientistas utilizam para descobrir os segredos da natureza.
Edward Wilson descreve o que a ciência atinge:
(1) Levantamento sistemático de conhecimento sobre o mundo, que é organizado e condensado em princípios básicos, tanto quanto possível.
(2) Os resultados devem passar no teste de verificações independentes e repetidas.
(3) Isso ajuda a quantificar informações, para que então, os princípios possam utilizar modelos matemáticos.
(4) A condensação de informação através da sistematização e classificação ajuda na armazenagem.
(5) A salvaguarda da verdade vem da consiliência: as ligações horizontais através de diversas disciplinas.
A consiliência atua como um teste para a solidez de uma teoria. Dentro de si, uma teoria pode parecer boa, mesmo quando ela contém falhas fundamentais. A consistência interna pode ser enganosa, uma vez que poderia relacionar diversas premissas falsas, mas de uma forma muito convincente. Normalmente, devemos ser capazes de transitar de uma teoria a outra que atua sobre um domínio distinto. Se houver uma contradição, então algo está errado. Pode ser que não haja barreira, mas uma grande lacuna, que no caso deve ser preenchida.
As teorias da arquitetura podem ser formuladas e verificadas através do emprego de dois mecanismos: hipóteses internas, que são repetidamente verificadas, e conexões externas consilientes para outras disciplinas que tenham uma base verificável. Estas incluem as ciências exatas.
Uma boa arquitetura é menos de uma disciplina reducionista e deve ser necessariamente uma disciplina sintética. Se ela é aplicada de uma maneira reducionista, então provavelmente conterá erros graves que prejudicam o meio ambiente. Ser adaptável significa sintetizar muitas respostas diferentes para as necessidades humanas e a ordem natural.
O mais importante é a arquitetura ser diretamente ligada à evolução humana, às necessidades físicas do organismo, e usar as informações de acordo com a cultura evoluída. Negligenciar as origens biológicas das necessidades humanas e os comportamentos separam a arquitetura do mundo e da humanidade. O arquiteto deve projetar um edifício que faça com que as pessoas comuns sintam-se confortáveis, e não que sejam apreciados somente por arquitetos. Deve também adaptar-se à sua localidade, não sendo projetados para outro lugar, ou para lugar nenhum em particular.
Leituras Adicionais:
Christopher Alexander, The Phenomenon of Life, Prologue & Chapter 1, “The Phenomenon of Life” (Center for Environmental Structure, Berkeley, 2001).
Nikos Salingaros, “Architectural Theory”, extraído de Anti-Architecture and Deconstruction (Umbau-Verlag, Solingen, 2008). Agora é o Capítulo 5 do presente livro, que também está disponível em Chinês, Francês, Italiano, e Russo.
Edward O. Wilson, “Integrated Science and the Coming Century of the Environment”, Science, Volume 279, No. 5359 (27/03/1998), páginas 2048 - 2049.
Encomende a edição internacional de Unified Architectural Theory aqui, e a Versão dos Estados Unidos aqui.