A nossa compreensão de beleza, as nossas exigências quanto à mesma, fazem parte da ideologia humana e evoluem incessantemente com ela, o que faz com que cada época histórica tenha sua lógica de beleza. Assim, por exemplo, ao homem moderno, não acostumado às formas e linhas dos objetos pertencentes às épocas passadas, eles parecem obsoletos e às vezes ridículos.
Observando as máquinas do nosso tempo, automóveis, vapores, locomotivas, etc, nelas encontramos, a par da racionalidade da construção, também uma beleza de formas e linhas. Verdade é que o progresso é tão rápido que tipos de tais máquinas, criadas ainda ontem, já nos parecem imperfeitos e feios. Essas máquinas são construídas por engenheiros, os quais, ao concebê-las, são guiados apenas pelo princípio de economia e comodidade, nunca sonhando em imitar algum protótipo. Esta é a razão porque as nossas máquinas modernas trazem o verdadeiro cunho de nosso tempo.
A coisa é muito diferente quando examinamos as máquinas para habitação – edifícios. Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma distribuição racional da luz, calor, água fria e quente, etc. A construção desses edifícios é concebida por engenheiros, tomando-se em consideração o material de construção da nossa época, o cimento armado. Já o esqueleto de um tal edifício poderia ser um monumento característico da arquitetura moderna, como o são também pontes de cimento armado e outros trabalhos, puramente construtivos, do mesmo material. E esses edifícios, uma vez acabados, seriam realmente monumentos de arte da nossa época, se o trabalho do engenheiro construtor não se substituísse em seguida pelo arquiteto decorador. É aí que, em nome da ARTE, começa a ser sacrificada a arte. O arquiteto, educado no espírito das tradições clássicas, não compreendendo que o edifício é um organismo construtivo cuja fachada é sua cara, prega uma fachada postiça, imitação de algum velho estilo, e chega muitas vezes a sacrificar as nossas comodidades por uma beleza ilusória. Uma bela concepção do engenheiro, uma arrojada sacada de cimento armado, sem colunas ou consolos que a suportem, logo é disfarçada por meio de frágeis consolas postiças asseguradas com fios de arame, as quais aumentam inútil e estupidamente tanto o peso como o custo da construção.
Do mesmo modo cariátidas suspensas, numerosas decorações não construtivas, como também abundância de cornijas que atravessam o edifício, são coisas que se observam a cada passo na construção de casas nas cidades modernas. É uma imitação cega da técnica da arquitetura clássica, com essa diferença que o que era tão só uma necessidade construtiva ficou agora um detalhe inútil e absurdo. As consolas serviam antigamente de vigas para os balcões, as colunas e cariátidas suportavam realmente as sacadas de pedra. As cornijas serviam de meio estético preferido da arquitetura clássica para que o edifício, construído inteiramente de pedra de talho, pudesse parecer mais leve em virtude de proporções achadas entre linhas horizontais. Tudo isso era lógico e belo, mas não é mais.
O arquiteto moderno deve estudar a arquitetura clássica para desenvolver seu sentimento estético e para que suas composições reflitam o sentimento do equilíbrio e medida, sentimentos próprios à natureza humana. Estudando a arquitetura clássica, poderá ele observar quanto os arquitetos de épocas antigas porém fortes sabiam corresponder às exigências daqueles tempos. Nunca nenhum deles pensou em criar um estilo, eram apenas escravos do espírito do seu tempo. Foi assim que se criaram espontaneamente os estilos de arquitetura conhecidos, não somente por monumentos conservados – edifícios, como também por objetos de uso familiar colecionados por museus. E é de se observar que esses objetos de uso familiar são do mesmo estilo que as casas onde se encontram, havendo entre si perfeita harmonia. Um carro de cerimônia traz as mesmas decorações que a casa do seu dono.
Encontrarão os nossos filhos a mesma harmonia entre os últimos tipos de automóveis e aeroplanos de um lado e a arquitetura das nossas casas de outro? Não, e esta harmonia não poderá existir enquanto o homem moderno continue a sentar-se em salões estilo Luiz tal ou em salas de jantar estilo Renaissance, e não ponha de lado os velhos métodos de decoração das construções. Vejam as clássicas pilastras, com capitéis e vasos, estendidas até o último andar de um arranha-céu, numa rua estreita de nossas cidades! É uma monstruosidade estética! O olhar não pode abranger de um golpe a enorme pilastra, vê-se a base e não se pode ver o alto. Exemplos semelhantes não faltam.
O homem num meio de estilos antiquados, deve sentir-se como num baile fantasiado. Um jazz-band com danças modernas num salão estilo Luiz XV, um aparelho de telefonia sem fio num salão estilo Renascença, é o mesmo absurdo como se os fabricantes de automóveis resolvessem adotar a forma de carro dos papas do século XIV.
Para que a nossa arquitetura tenha seu cunho original, como o têm as nossas máquinas, o arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar os velhos estilos, como também deixar de pensar no estilo. O caráter da nossa arquitetura como das outras artes, não pode ser propriamente um estilo para nós, os contemporâneos, mas sim para as gerações que nos sucederão. A nossa arquitetura deve ser apenas racional, deve basear-se apenas na lógica e esta lógica devemos opô-la aos que estão procurando por força imitar na construção algum estilo. É muito provável que este ponto de vista encontre uma oposição encarniçada por parte dos adeptos da rotina. Mas também os primeiro arquitetos do estilo Renaissance, bem como os trabalhadores desconhecidos que criaram o estilo gótico, os quais nada procuravam senão o elemento lógico, tiveram que sofrer uma crítica impiedosa de seus contemporâneos. Isso não impediu que suas obras constituíssem monumentos que ilustram agora os álbuns da história da arte.
Aos nossos industriais, propulsores do progresso técnico, incumbe o papel dos Médice na época da Renascença e dos Luizes da França. Os princípios da grande indústria, a estandartização de portas e janelas, em vez de prejudicar a arquitetura moderna, só poderão ajudar o arquiteto a criar o que, no futuro, se chamará o estilo do nosso tempo. O arquiteto será forçado a pensar com maior intensidade, sua atenção não ficará presa pelas decorações de janelas e portas, buscas de proporções, etc. As partes estandartizadas do edifício são como tons de música dos quais o compositor constrói um edifício musical.
Construir uma casa a mais cômoda e barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão de economia predomina sobre todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da funcionalidade do plano da disposição interior, como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo que é a sua alma.
O arquiteto moderno deve amar sua época, com todas as suas grandes manifestações do espírito humano, como a arte do pintor moderno ou poeta moderno deve conhecer a vida de todas as camadas da sociedade. Tomando por base o material de construção de que dispomos, estudando-o e conhecendo-o como os velhos mestres conheciam sua pedra, não receando exibi-lo no seu melhor aspecto do ponto de vista da estética, fazendo refletir em suas obras as idéias do nosso tempo, a nossa lógica, o arquiteto moderno saberá comunicar à arquitetura um cunho original, cunho nosso, o qual será talvez tão diferente do clássico como este o é do gótico. Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divisa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno.
* Publicado originalmente no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 01 de novembro de 1925.
Referência:
Alberto Xavier (org.), Arquitetura Moderna Brasileira: Depoimento de uma Geração, ABEA/FVA/PINI, São Paulo, 1987.
© Transcrição e Revisão: Igor Fracalossi