A construção de uma pequena casa unifamiliar a vinte quilômetros norte de Kigali, Ruanda, está concluída. O edifício é modesto: três pequenos dormitórios, uma sala de estar simples e espaço para cozinhar. Pouca disponibilidade de material e limitações financeiras significaram um compromisso com a praticidade na hora da elaboração do projeto. A casa é um protótipo de uma série de habitações que os designers da GA Collaboratibe, irão construir em Masoro para membros da cooperativa de mulheres l’Association Dushyigikirane. Com o método não usual de construção no projeto – construção em superadobe, a primeira desse tipo em Ruanda – a GA Collaborative pretende capacitar seus clientes através de uma técnica de construção rápida e barata que requer pouco treinamento e nenhuma experiência prévia em construção
Superadobe é só uma das técnicas usadas no projeto da Vila Masoro que se despede das normas formais da arquitetura. Distinções comuns entre escritório e canteiro de obras, ou entre as partes interessadas do projeto como o cliente, o designer e o contratante são praticamente irrelevantes aqui. Os designers são responsáveis pelo papel de arrecadar fundos para o projeto e trazer uma sensibilidade estética para a missão, ambicionando “Stitch Works” (bordados), uma série de estampas e tecidos inspirados nas texturas africanas. Como uma forma de economizar custos eles também assumiram a responsabilidade de contratantes, algo que os permitiu encarregar—se de uma reelaboração completa após o início da construção, uma vez que o orçamento e disponibilidade de materiais foram feitas no local. Auxiliando os designers no terreno estavam quatro estudantes do recém-formado departamento de arquitetura do instituto de Ciência e Tecnologia de Kigali (KIST), que também elaborou para o projeto uma peça mutável de mobiliário (pode ser usada como cama, cadeira e mesa). Duplicando o número de pessoas na equipe de construção estavam os clientes, membros da l'Association Dushyigikirane.
A Associação (Dushyigikirane em Kinyarwanda de cooperação) foi fundada em 1995, um ano depois do genocídio de Ruanda, por um grupo de mulheres que ficaram viúvas devido ao conflito. O que começou a quase vinte anos atrás como uma simples micro cooperativa é hoje um grupo de 600 pessoas operando uma série de atividades econômicas desde produção de alimento e artes até empresas sociais como orfanatos, bibliotecas e bancos. O objetivo das atividades dos colaboradores é dar poder social e econômico aos membros da maior comunidade de Masoro.
A GA Collaborative é uma associação sem fins lucrativos estabelecida nos Estados Unidos que visa trazer qualidade de desenho e construção para comunidades vulneráveis e em desvantagem. Sua missão sem fins lucrativos se referia a cooperação das partes interessadas do projeto como um processo, e as práticas de mediação entre a arquitetura e o conceito mais amplo de sociedade como trabalho de campo. O grupo tinha revisado subitamente as implicações de cada uma desses termos, relativos aos usos comuns: processo, tipicamente um indicativo de procedimento padrão e iterativas práticas de design, é colocado sob uma luz pluralista; trabalho de campo age como um imperativo geocultural para a prática globalizada, como uma estratégia de design para trabalhar no desenvolvimentos de países onde práticas espaciais diferem das normas do Ocidente. O projeto abrangente do GA Collaboratives está próximo de alcançar sua eficácia civil (ou capacidade pública) de um projeto arquitetônico, que enxerga não como um produto finalizado, por assim dizer, mas como um final de possibilidades(aberto, processo comunitário de desenvolver negociações entre uma variedade de constituintes ambos animados e inanimados: cliente, designer, construtora, cultura, economia, gravidade, lugar.
Espaço Público
Sho considera o espaço públicoo maior desafio que jovens arquitetos ruandeses enfrentarão em suas carreiras. Entretanto, o real espaço público pode não aparecer em Ruanda por décadas ainda, pois a repressão governamental desencoraja debate público. Apesar de existir um espaço civil ruandês, a sua função é mais simbólica que operacional. Sho acredita que no atual vácuo do espaço público, a esfera doméstica é o lugar mais adequado para discurso comunal. O lar é frequentemente posicionado como uma antítese conceitual da esfera pública. Entretanto, as próprias características da domesticidade – opacidade, privacidade, segurança –, também protegem liberdades pessoais. Na prática, esferas públicas e privadas se fundem: contidas no espaço público da cidade estão espaços privados que, por sua vez, contém outras esferas públicas, mais familiares. Imersa no Projeto da Vila Masoro está é a tese social-liberal que a casa ruandesa pode representar para algum tipo de esfera pública (e portanto esfera política), onde o empoderamento individual resulta em bem comum.
Esta proposta tinha uma influência espacial no design do protótipo da casa Masoro. Para contrabalancear a tendência da construção superadobe de criar compartimentos insulares, parecidos com um bunker, os designers decidiram abrir a parte da frente da casa com uma grande varanda pública/privada, que serve como área de circulação coberta, mas ao ar livre, entre os dormitórios. O telhado de metal (o tempo de secagem da madeira excedia o prazo do projeto) também ajudava a iluminar este espaço pois, apesar das colunas de earthbag serem fácies de fazer, os módulos são volumosos. Estas implicações espaciais são importantes para a futura ocupação da casa, mas é o aspecto procedimental do Projeto da Vila Masoro – a natureza acessível e participativa do seu método de construção – que serve melhor às intenções da GA Collaborative, de tornar a arquitetura algo público.
Riaan Hough, consultor especializado em superadobe, ofereceu três semanas antes do início da construção como treinamento para a equipe, mas a disseminação das técnicas do método superadobe para o público em geral foi uma conquista importante para os designers. Eles ambicionaram uma fonte aberta de manuais de construção (atualmente sob desenvolvimento) que descreve o método passo-a-passo. O documento é outra ferramenta arquitetônica para envolver o público, e outro indicativo da corrente pedagógica atual que corre por todo o projeto da Villa Masoro. O manual vai conta com duas línguas, Kinyarwanda e inglês, mas vai ser composto principalmente por fotografias pois muitas das mulheres da Associação Dushyigikirane não sabem ler nem escrever. Muitos desenhos arquitetônicos, principalmente as perspectivas axonométricas, amados pelos arquitetos, são abstratos demais para esse público.
Apenas um entre trinta membros colaboradores é capaz de fazer um rascunho da planta de sua casa como parte do processo elaborador de projeto. Enquanto os clientes tiveram acesso a uma certa alfabetização visual – eles podem desenhar as fachadas de suas casas, por exemplo- muito estavam envergonhados de desenhar as plantas. Que isso foi um choque cultural e semântico ao invés de espacial está evidenciado pelo novo método de desenho colaborativo que os alunos do Instituto de Ciencia e Tecnologia de Kigal desenvolveram durante seu estágio com a GA Collaborative. Essa técnica gráfica consistia no estudante de arquitetura usar folhas de papel para fazer desenhos retilíneos e arranjá-los no terreno de acordo com a descrição de outro membro. Uma vez que a organização corresponde-se a visão do desenho de sua casa, o estudante iria interpretá-lo como um desenho de duas dimensões.
Projeto e Participação
Pelas estradas de Ruanda há casas unifamiliares em estilo suburbano, com tetos altos, de duas ou quatro águas, alguns com caimentos tão íngremes quanto os de um chalé suíço. É uma escolha pouco inteligente para o clima equatorial, e o espaço não é usado como um sótão, pois estes telhados são literalmente ocos. Apesar disso, estão repletos de valor retórico: Ruandeses frequentemente desejam plantas retilíneas, telhados estreitos, e uso de chapas de metal ondulado e tijolo queimado exatamente porque estas características remetem à arquitetura ocidental. Isso pode até parecer uma caricatura, mas segundo o antropólogo James Ferguson, a “ocidentalidade” arquitetônica é importante como um sinal de participação na sociedade global. [1]
Da mesma maneira, a GA Collaborative explica que, em Ruanda, há uma linha muito fina onde os designers devem andar, entre a experimentação e a comunicação com formar arquitetônica ocidentais reconhecíveis. Projetos formalmente ousados com construção superadobe, como os que a Konbit Shelter construiu pós-desastre do Haiti com design do artista Swoon, exploram a maleabilidade do material para criar formas curvilíneas, invocando a estabilidade integral da lateral curva. Apesar de estruturalmente lógicas, as formas curvilíneas não são estruturalmente obrigatórias em construções de superadobe: as plantas das casas em Masoro são retilíneas e têm telhados planos; as paredes interiores agem para das suporte ao perímetro. A rejeição local a tipologias espaciais vernaculares ruandesas, como a casa curva, materiais orgânicos como palha e junco, cultivados localmente e naturalmente passivos, é lamentada por arquitetos ocidentais, para quem estas práticas representam, além dos óbvios benefícios ao ambiente, o potencial de preservar uma identidade cultural na contramão das tendências homogeneizadoras da modernidade. A arquitetura ocidental em Ruanda tem que equilibrar seu desejo de representar a identidade local e o pedido de assimilação global do cliente, inventando híbridos arquitetônicos e combinem tendências arquitetônicas atuais com práticas de construção vernaculares. O resultado é uma mistura de zeitgeit e genus loci, um esforço para ser contemporânea e manter a história em vista, e para ser histórica e manter o local em vista.
Como demonstra o Projeto da Vila Masoro, entretanto, o uso de materiais (terra) e práticas de construção (argamassa, telas de tecido) locais, é alvo tanto de rentabilidade econômica quanto de preocupação cultural, fazendo eco ao diagnóstico de Ferguson a respeito de certos exemplos de “resistência cultural” na África sendo apenas opressão econômica., “onde ‘o modo de vida tradicional africano’ é apenas um nome chique para pobreza.” [2] É de se perguntar como a GA Collaborative e seus clientes masoros iriam representar a domesticidade Ruanesa com seu orçamento americano. No fundo, entretanto, o projeto é menos sobre a politização da arquitetura e mais sobre a “arquiteturização” da política – uma distinção semântica sutil, talvez, mas que tira a importância do projeto construído para a construção do projeto, do substantivo para o verbo. Apesar do Projeto da Vila Masoro ainda precisar ser testado para habitação, o processo e trabalho de campo envolvidos em sua realização demonstraram que designers podem utilizar design e procedimentos de construção politicamente (e de forma barata), para servir a um público global que carece de serviços.
Referências
[1] Ferguson, James. Global Shadows: Africa in the Neoliberal World Order. (Raleigh: Duke University Press, 2006), 19.
[2] Ferguson, Global Shadows, 19-20.
- Designers: GA Collaborative, com consultoria de Killian Doherty KD|AP
- Local: Setor Masoro, Distrito Rulindo, Ruanda
- Equipe local: Riaan Hough, consultor do método earthbag da EarthKaya / Eternally Solar; Scott Howard, consultor de sol compactado da Earthenable; lâmpadas solares cortesia da Great Lakes Energy.
- Contratante: GA Collaborative
- Área: 86 m²
- Ano: 2013
- Fotografias: Riaan Hough, Alex McInnis, James Setzler, Yutaka Sho
Tyler Survant é um designer que atualmente mora em Nova Iorque e cujo o Pavilhão de Kentucky apareceu no ArchDaily em Dezembro de 2011. Ele visitou o Projeto da Vila Masoro em julho de 2013.