Cynthia Davidson: O que “sustentável” significa pra você, especialmente com respeito ao seu trabalho?
Glenn Murcutt: É manter ou seguir levando; continuar. Coisas vivas podem ser sustentáveis se permitidas crescerem em equilíbrio com outros organismos e não consumirem em índices maiores do que é sustentável, como normalmente fazemos quando fazemos super-colheitas ou intoxicamos a terra. Nós não nos planejamos adequadamente para o futuro. Os povos aborígenes australianos têm a cultura mais longa e contínua registrada no planeta. Eles sobreviveram por ao menos 40.000 anos –não através de competição, mas sim através de cooperação; trabalharam com a terra e não contra ela. Os povos aborígenes tradicionais têm vivido e trabalhado de maneira muito sustentável.
Hoje, muitos de nós acordamos em nossas casas com ar condicionado, dirigimos ao trabalho em nossos veículos com ar condicionado; olhamos os noticiários na TV para ver como está o tempo ao invés de experimentá-lo. Nos tornamos alienados de nosso ambiente e não aprendemos mais sobre elea partir de uma profunda observação. Em nossa ideia de sustentabilidade temos recorrido a instrumentos dos mais variados tipos para medir os aspectos físicos do meio ambiente, ignorando seus aspectos psicológicos. Tenho aprendido a maioria das coisas através da observação, questionando, e entendendo. Tome, por exemplo, roupas, como nos vestimos. Quando está frio adicionamos camadas e quando está quente removemos camadas. Desta maneira, de fato respondemos a nossos variados climas e mudanças de estações muito bem. Então a pergunta é: Por que não projetamos edifícios que possamos adaptar às variações climáticas da mesma maneira que adaptamos nossas roupas? Porque não deveríamos nos envolver em operacionalizar nossos ambientes através de ajustes aos ventos refrescantes, à luz natural, e à umidade?
Então você vê seus edifícios como máquinas, dispositivos, ou instrumentos que executam e se adaptam?
Estou sugerindo que quando você pensa em música e num compositor, a mente do compositor através do condutor, logo através da orquestra à audiência, resulta nesta extraordinária música que percebemos. Bem, eu vejo um edifício como o instrumento que faz esta experiência possível. Nós temos à nossa volta as lindas flores e seus perfumes de primavera. Posso colocar aromáticas plantas florais ao nordeste do meu edifício: limoeiros, laranjeiras, ou lírios, e no verão, no litoral, as brisas do nordeste carregam esses aromas, e os trazem para dentro do edifício. Logo existem técnicas de iluminação e sombreamento, e técnicas de resfriamento de ar. Meus edifícios abrem e fecham –como um instrumento. Sou consciente quando estou projetando em incluir perspectiva, refúgio, observação, e recepção. Projetam-se edifícios para perceber os cambiantes níveis de luz, temperaturas, padrões de vento, e posições do sol; para perceber todas essas coisas que então o edifício atua como um instrumento dos ciclos do dia e do ano. Por exemplo, eu projetei proteções solares com ripas anguladas fixadas na cobertura externa de vidro que incluem o sol de inverno e excluem o sol de verão. Cada ripa tem três milímetros de espessura; estão espaçadas a cada 25 milímetros e são orientadas ao sol de inverno, se ajustando ao ângulo do sol no equinócio. No solstício de inverno, a ripa faz uma sombra de três milímetros ao meio dia. À medida que a sombra fica maior você sabe que está se aproximando o equinócio de verão. Logo no equinócio de verão a luz direta do sol de verão é completamente excluída. No solstício de inverno, quando está completamente incluída, você pode ter uma persiana abaixo da cobertura de vidro se não quiser muita luz, sem diminuir a calidez. Então o sistema, de certo modo, se torna o modificador de iluminação e calidez de acordo com as estações –um instrumento– e nós somos os atores, assim como somos quando escutamos música, assim como somos na paisagem, assim como somos em nosso clima. Estas são coisas importantes pra mim.
Esta sempre foi sua atitude?
Sim, eu fui educado para observar. Meu pai era um construtor. Ele projetou edifícios muito bons e me transmitiu a importância dos sensos de luz e dos aromas das plantas florais nativas. Quando eu era muito jovem, meu pai me levava nas propriedades de nossos vizinhos à noite e enchíamos pequenos vasos de terra de suas propriedades. A terra, veja você, tinha muitos nutrientes para as plantas locais crescerem por causa das fossas sépticas que serviam a área. Nós então propagávamos plantas nativas que suportariam as altas concentrações de nutrientes torrando as sementes no forno ou despejando água fervendo em algumas sementes de casca dura. Nós então plantávamos as sementes nos solos de as altas concentrações de nutrientes. Um catálogo de onde todo esse solo vinha era mantido. Nós devíamos ter ao menos 150 vasos. Aí, nós saíamos de noite com as plantas jovens e palitos para etiquetas dizendo o que as plantas eram e voltávamos às propriedades dos vizinhos para plantar os estoques de tubos que nós tínhamos propagado. As pessoas não tinham nem ideia de onde estas plantas vinham, mas hoje tem árvores de 20 metros de altura crescendo nas colinas em torno da nossa casa. Era muito excêntrico pra mim, mas em 1946 aquelas eram coisas muito importantes. Meu pai era muito interessado em reduzir a poluição. Nós tínhamos nossa própria compostagem e horta. Se ele via pessoas jogando coisas pra fora de seus carros, ele encostava para juntar o lixo e aí corria atrás. Ele os parava e dizia, “Olha, você deixou cair esse lixo,” e aí eles diziam, “Não, nós não queremos isso,” e aí ele dizia, “Nem o planeta quer.” Enquanto crianças, nós tínhamos vergonha de sua franqueza. Mas essa foi a infância que eu tive, e eu não posso evitar ser afetado por isso. E eventualmente você se torna um pouco parecido com isso.
Porque você só constrói na Austrália?
Conhecer seu próprio lugar é conhecer como construir; como trabalhar com a cultura. Através da observação eu aprendi muito ao examinar o terreno da Austrália, sua flora e fauna. A flora é forte e durável, mas ainda extremamente delicada. É tão leve em suas pontas que se conecta com a abóbada celeste. A luz do sol é tão intensa na Austrália que separa os elementos na paisagem. As árvores nativas lidas como agrupamentos de elementos isolados em vez de elementos interligados. Com o alto teor de óleos de muitas das árvores e a forte luz do sol, as folhagens variam de prata para cinzas desgastados e de marrons rosados para oliva. As folhagens fora da floresta tropical não são densas e então projetam sombras malhadas.
Minha arquitetura tenta transmitir algo desse caráter discreto de elementos na paisagem australiana. Eu tento interpretar alguns dos elementos característicos em nossa paisagem para construir forma: a legibilidade da estrutura, transparência, sombras malhadas, e a leveza de todos os elementos em direção às bordas. Eu frequentemente penso em algo que Juhani Pallasmaa uma vez escreveu sobre Funcionalismo Ecológico:
“Depois de décadas de afluência e abundância, a arquitetura é provável que retorne à estética da necessidade onde elementos de expressão metafórica e ofícios práticos se fundam de novo.”[1. “Do Funcionalismo Metafórico ao Ecológico,” The Architectural Review, June 1993.]
Quais são os materiais de construção naturais da Austrália?
Temos enormes reservas de minério de ferro, então o aço é um material que é produzido localmente. Depois a madeira, que é um maravilhoso, recurso renovável. Nos primeiros vinte anos de sua vida uma árvore absorve dióxido de carbono e produz um excesso de oxigênio. Depois de por volta de outros vinte anos a proporção de carbono/oxigênio é quase igual porque as cascas velhas e folhas caídas precisam de oxigênio para se decompor, o que cancela o excesso de oxigênio que a árvore inicialmente produz. As cascas e folhas em decomposição produzem compostos para o solo e nutrientes para futuras plantas.
O que acontece com a energia necessária para construir seus edifícios?
Eu uso muita madeira. Madeira pode ser um recurso realmente sustentável, porque os materiais que uso, os coloco de uma forma que possam ser retirados. Eu uso ligações parafusadas para que possamos separar os elementos e os coloca-los juntos novamente de outro modo. Por exemplo, no Boyd Center todas as colunas e vigas são de madeira australiana –Bush Box (Tristania). Esse material teria sido cortado das florestas úmidas de clorofila da costa norte de New South Wales cerca de cem anos atrás e agora é reciclada. Todo o compensado de madeira que uso é fruto de plantações de reflorestamento; ao usar madeiras novas é importante saber sua fonte. Os pisos de madeira que ponho são parafusados, porque se você os prega depois você não pode reutilizá-los. Eu uso argamassa de cal sobre alvenaria porque pode ser raspada e os tijolos podem então ser reutilizados. Fiz isso em minha própria casa. Todos os tijolos de pavimentação foram postos sobre uma cama de areia com apenas os tijolos externos postos sobre argamassa. Os tijolos colocados entre essas arestas podem ser relocados ou reutilizados. Se um tijolo é removido, todos caem porque todos dependem um do outro para apoio em vez de em uma camada de argamassa de cimento.
Projetei uma casa para um cliente, que comprei dez anos mais tarde. Eu precisava alterá-la, e porque eu tinha pensado no reuso dos materiais e métodos de montagem ao mesmo tempo em que projetava a casa, eu fui capaz de tirar a varanda externa em madeira, 6 metros por 4,5 metros, e transferi-la para uma nova posição em tambores de 166 litros. Eu peguei o fim da cumeeira e coloquei numa nova posição e ressaltei as paredes deslizantes de vidro com venezianas –reutilizando todas as antigas venezianas. Até as escadas de madeira e longarinas unindo a varanda ao chão foram relocadas. Eu estava testando a mim mesmo durante toda a coisa conforme o quanto eu poderia reutilizar e quão sem emendas eu poderia fazer os retrabalhos dos elementos. Nenhum componente construtivo foi perdido. É um modo de pensar. O processo para determinar como os elementos estão conectados é também saber como eles podem ser recuperados e como podem ser reutilizados. Eu estou interessado nisso porque existe uma perda muito pequena de energia incorporada em retrabalhar os elementos materiais da construção. Acho que isso é sustentabilidade.
Tenho que dizer, entretanto, que humanos são provavelmente não sustentáveis porque somos grandes destruidores de nosso meio ambiente. Se nossas populações consumissem e poluíssem os recursos da terra em equilíbrio com a habilidade da natureza em se renovar, então nós seríamos sustentáveis. Mas não somos sustentáveis. Nós destruímos. O fato de que o planeta está em tais dificuldades mostra que nós simplesmente não somos, como espécies, sustentáveis. Animais nativos da Austrália têm patas macias e acolchoadas. Ovelhas domésticas, no entanto, são animais de patas de cascos. Seus cascos causam a compactação do solo e a erosão. Isso ocorre porque nossos solos são superficiais. O chão fica compactado, e com a adição do óleo das ovelhas e o enorme calor e sol, uma crosta forma-se na superfície do solo, e então a água e o vento erodem o solo. O coelho é outra espécie introduzida na Austrália que está fora de equilíbrio com o ambiente. O coelho cria erosão ao cavar, e quando chove – 3,8 centímetros de água em meia hora não é incomum – os buracos desencadeiam grandes erosões que resultam em uma enorme perda de solos.
A chuva na Austrália é realmente incrível; quando cai é pesada. Meus edifícios têm telhados inclinados por causa desta chuva pesada. Meus edifícios antigos tinham coberturas planas, mas aprendi cedo que a água tem que ser escoada rápido, e em áreas remotas, tem que ser coletada em tanques de armazenamento de água para mais tarde ser reusada.
Você projeta armazenadores de água da chuva?
Claro, os telhados de meus edifícios rurais são projetados para recolherem a água da chuva para uso: para beber, apagar fogo, dar descarga, e regar o jardim. Em alguns remotos e grandes projetos, a água desperdiçada é processada para reuso em jardins através da rotação de digestores biológicos, um sistema de aeração para águas cinzas e negras, que libera os nutrientes durante a aeração –não levados para o lençol freático. Esse sistema fornece água bastante limpa, que pode ser armazenada em um lago onde a luz ultravioleta e camadas de junco continuam o processo de purificação. As águas cinzas e negras purificadas podem retornar para os banheiros, para que não exista a necessidade de adicionar água fresca ao sistema de descarga.
Como você aborda todas essas questões quando faz um edifício? Existem hierarquias de importância?
Existem tantas questões que precisam ser consideraras simultaneamente ao fazer arquitetura, especialmente uma arquitetura que responde a um lugar específico: a geomorfologia de uma região, a geologia e hidrologia e topografia, que afetam na drenagem da água, a latitude e altitude, que definem a posição do sol e influenciam na temperatura; a relação com a costa do mar, que influencia a umidade, a seca, a temperatura, a chuva e a queda de neve; a flora, que responde diferentemente para diferentes solos e climas; a fauna, que reponde à flora assim como aos solos e clima; a água, que difere em disponibilidade; o desperdício, que precisa de gestão; os materiais, sua habilidade de mediar o ambiente, e seus métodos de produção e montagem, que impactam o ambiente; a estrutura e suas apropriações; o espaço e suas qualidades; as estratégias de aquecimento natural, ventilação e resfriamento; a cultura local e como trabalhar com as necessidades e aspirações das pessoas para quem se está projetando. Todas essas questões devem estar incluídas no pensar sobre uma arquitetura que responde a um lugar –uma arquitetura de resposta ao invés de imposição.
Tem existido uma resistência dos arquitetos a projetos ambientais, conforme muitos consideram a arquitetura que responde ao clima como sendo incapaz de criar belos trabalhos; eles enxergam muito do trabalho como sendo feio. Trabalhar com o meio ambiente é visto como um obstáculo negativo. No entanto, a partir de minha experiência, e por compreender minhas limitações impostas, descobri que as oportunidades tem crescido.
* Glenn Murcutt, entrevistado por Cynthia Davidson. Publicado primeiramente em Log 8 (Verão 2006), 31-39.
Referência:
Glenn Murcutt, "Raised to Observe", em: A. Krista Sykes, "Constructing a New Agenda: Architechtural Theory 1993-2009", Princeton Architectural Press, Nova York, 2010, pp. 385-393.
Primeira edição em português. © Tradução: Igor Fracalossi.