Borrando limites: explorando a transparência na arquitetura de Riken Yamamoto

Transparência, integração e limites são palavras chave para entender a obra de Riken Yamamoto. Vencedor do Prêmio Pritzker em 2024, o arquiteto japonês pode ser reconhecido por sua capacidade de estabelecer e desafiar conceitos espaciais de materialidade convencionais, criando espaços que promovem interações e conexões entre as pessoas e seu entorno. A transparência, seja na configuração física dos edifícios, na escolha dos materiais empregados ou na filosofia subjacente aplicada a todas as obras, emerge como um elemento central que perpassa toda sua carreira.

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Hiroshima Nishi Fire Station (2000). Image Courtesy of Tomio Ohashi

Tal concepção de conexão e interação entre espaços transcende uma análise superficial. Como exposto neste artigo de sua autoria, o conceito de limiar é um elemento espacial que tanto separa quanto une espaços com características distintas. O arquiteto ilustra como estes desempenham um papel fundamental na definição de unidades espaciais individuais, como residências, e em unidades coletivas mais amplas, como comunidades. Ele discute abordagens para organizar arranjos espaciais, abrangendo sistemas centralizados e descentralizados, e analisa suas implicações na criação de relações fechadas ou abertas dentro de comunidades. Yamamoto enfatiza que conceitos abstratos, como privacidade e comunidade, são construções históricas e culturais, e devem ser traduzidos em configurações espaciais, ressaltando a importância de uma teoria que conecte ideias à expressão arquitetônica. Conceitos como público e privado possuem uma natureza intrinsecamente espacial e não podem ser plenamente compreendidos fora do contexto das relações espaciais.

Se nos perguntarem que tipo de espaço tem caráter fechado ou aberto, não podemos dizer com certeza. Acredito que a questão central é uma questão de arranjo espacial. Ser aberto ou fechado é mais uma questão da inter-relação de dois espaços que entram em contacto um com o outro, [mais] do que uma questão do material na fronteira entre esses espaços. Existe uma forma de descrever a relação entre esses dois espaços (que entram em contacto em termos gerais, não como um problema de materiais)? Se for possível descrever uma relação fechada, ou uma relação aberta, como uma relação espacial, então deveria ser logicamente possível descrever coisas como públicas ou privadas em termos de arranjos espaciais. – Riken Yamamoto

Para concretizar estes conceitos, a exploração de materiais por Riken Yamamoto reflete sua compreensão de como a materialidade contribui para a percepção e experiência dos espaços arquitetônicos, suas possibilidades de conexões e relações. No geral, sua abordagem é caracterizada por uma consideração cuidadosa do contexto, funcionalidade e expressão estética. Materiais são frequentemente deixados em seu estado natural, permitindo que suas texturas, cores e qualidades inerentes brilhem. A transparência do vidro destaca-se em contraste com uma arquitetura que, muitas vezes, se baseia em elementos pesados e sólidos, como estruturas de concreto, ressaltando a importância do contraste entre transparência e solidez.

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Future University of Hakodate (2005). Image Courtesy of Mitsumasa Fujitsuka

Um dos materiais que se destaca nos projetos de Yamamoto é o vidro, cujas características transparentes e reflexivas conferem-lhe um papel protagonista. A natureza translúcida do cristal possibilita uma conexão visual fluida e contínua entre os espaços, tanto em direção ao exterior como ao interior. Descortina os espaços e devassa suas funções. O vidro também pode ser empregado na criação de fachadas internas, delineando ambientes que carregam em si uma sensação de leveza e amplitude. Sua capacidade de permitir a passagem da luz natural contribui para uma atmosfera luminosa e arejada, ao mesmo tempo em que proporciona um senso de integração e harmonia entre os diferentes elementos arquitetônicos, destacando as peças estruturais, os planos opacos, mas principalmente, dando palco á vida que ali se desenrola. A arquitetura torna-se pano de fundo à vida que transcorre dentro dos limites impostos pela edificação.

O projeto Pangyo Housing, concebido por Yamamoto em 2010, é um exemplo emblemático de sua abordagem à transparência e à integração social. O projeto é resolvido através de 9 clusters, cada qual contendo aproximadamente 9 a 13 unidades residenciais abrangendo 3 a 4 andares. Conectando esses grupos um deck comum situa-se no segundo nível, servindo como um espaço transparente dentro de cada unidade habitacional conhecido como “Shiki”. Ao incorporar volumes transparentes no térreo, o arquiteto promove a interação entre os moradores, garantindo que mesmo aqueles que vivem sozinhos não se sintam isolados. Estes não apenas convidam a comunidade a se reunir, mas também criam uma sensação de pertencimento e conectividade sem impor padrões sociais rígidos.

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Pangyo Housing (2010). Image Courtesy of Kouichi Satake
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Pangyo Housing (2010). Image © GA Photographers

Da mesma forma, o Corpo de Bombeiros de Hiroshima Nishi, concluído em 2000, exemplifica a abordagem de Yamamoto à transparência. Este projeto totalmente transparente permite que visitantes e transeuntes observem as atividades diárias e sessões de treinamento dos bombeiros, destacando a importância da transparência na promoção da confiança e da abertura dentro da comunidade. No interior, o layout gira em torno de um átrio onde os bombeiros realizam treinamento, com a maioria dos espaços delimitados por divisórias de vidro, além de algumas áreas especializadas e volumes revestidos em vermelho. Testemunhar o envolvimento dos bombeiros e educar os residentes locais destacou o papel fundamental que um corpo de bombeiros desempenha na promoção da coesão e segurança da comunidade.

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Hiroshima Nishi Fire Station (2000). Image Courtesy of Tomio Ohashi
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Hiroshima Nishi Fire Station (2000). Image Courtesy of Tomio Ohashi

Já na universidade de ciência da informação, o arquiteto desenvolve os espaços de trabalho nos mesmos moldes de um estúdio, como um espaço flexível que facilita tanto a contemplação solitária quanto os esforços colaborativos, servindo como espaço central, ladeado por laboratórios de professores com divisórias transparentes que facilitam a conectividade visual. Enfatizando as interações humanas diretas, cruciais no domínio da ciência da computação, o espírito da universidade, "Espaço aberto = mente aberta", ressalta a importância de promover um ambiente aberto e colaborativo que conduza ao pensamento inovador.

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Future University of Hakodate (2005). Image Courtesy of Mitsumasa Fujitsuka

A obra de Riken Yamamoto é um testemunho da capacidade da arquitetura de promover interações significativas e enriquecedoras entre as pessoas e entre os ambientes. A transparência é utilizada para que quem está dentro possa vivenciar o ambiente que está além, enquanto que o transeunte pode sentir-se parte. Também para proporcionar uma continuidade consistente da paisagem, projetando um discurso para os ambientes naturais e construtivos preexistentes para contextualizar a experiência de cada edifício. Ao redefinir a fronteira como um espaço ativo, Yamamoto transcende a dicotomia entre vida pública e privada, conferindo valor social a cada projeto, repleto de espaços propícios ao envolvimento e encontros casuais. Sua arquitetura serve tanto como pano de fundo quanto como protagonista da vida cotidiana, borrando as fronteiras entre suas dimensões pública e privada, e multiplicando as oportunidades para encontros espontâneos, através de estratégias projetuais cuidadosamente elaboradas.

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Sobre este autor
Cita: Souza, Eduardo. "Borrando limites: explorando a transparência na arquitetura de Riken Yamamoto" [Blurred Boundaries: Exploring Transparency in Riken Yamamoto's Architecture] 07 Mar 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1014147/borrando-limites-explorando-a-transparencia-na-arquitetura-de-riken-yamamoto> ISSN 0719-8906

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