Já publicamos em diversas ocasiões matérias sobre os laços entre a arquitetura e o cinema. Como vimos em “Luz, Câmera,... Espaço: o papel dos vídeos na arquitetura”, muito são os pontos em que essas duas artes espaciais se tocam – e mesmo, se confundem. Naquela ocasião, exploramos especificamente a noção de “vídeos de arquitetura” e como essa ferramenta de representação da obra construída pode expandir a apreensão da própria arquitetura.
Os vídeos, através do emprego da linguagem do cinema, podem criar percursos – promenades – pelas arquiteturas representadas na tela; e nós, em contrapartida, nos deixamos transportar para dentro do espaço construído no mundo físico e mental. Mas não se pode limitar essa análise para somente obras de arquitetura – isto é, edifícios –, devemos procurar expandir essas concepções. Assim, cabe a pergunta: e se os vídeos retratassem outra coisa que não uma obra - por exemplo, uma cidade? Caberia a mesma reflexão anterior? Qual o papel do cinema (e mais especificamente, dos vídeos) para a apreensão da cidade?
A seguir, levantaremos algumas questões sobre os “vídeos de cidades” à luz de algumas obras audiovisuais que ilustrarão as ideais lançadas. Não se trata, contudo, de uma análise de cada obra individual, mas sim de criar um panorama heterogêneo composto por obras que englobam documentários, animações, vídeos poéticos, entre outros, que apresentam as cidades a partir de prismas distintos, destacando desde as infraestruturas urbanas até seus habitantes .
Essa diferença de foco, seja nos edifícios que compõem e cidade, seja nos habitantes e suas práticas, constitui uma diferença essencial no modo de representar a cidade. Tomemos por exemplo o filme O Homem com a Câmera (1929), do diretor russo Dziga Vertov (sim, esse não um exemplo de “vídeo de cidade”, mas por sua importância histórica nos apropriamos dele aqui). Nele o cineasta, com sua câmera em punho, encarna a figura do flaneur e registra os acontecimentos de Moscou no despertar da modernidade. As multidões que passam a passos acelerados e os planos mais altos, que enquadram cruzamentos tumultuosos de pessoas e automóveis, compõem um retrato de uma Moscou em vias de se modernizar.
Vertov nos coloca na posição de observadores curiosos, e é dessa perspectiva conhecemos Moscou.
Voltemos agora nossa atenção para o vídeo LA Above de Chis Pritchard. Em pouco menos de quatro minutos o diretor não faz outra coisa senão registrar a cidade de Los Angeles de cima. “O que está acima sabe o que está abaixo. O que está embaixo não sabe o que está acima. Subimos, vemos. Descemos e não vemos mais” é o que diz uma oportuna frase durante o vídeo.
Pritchard, numa abordagem quase diametralmente oposta a Vertov, transmuta concreto, vidro, aço e vida em textura. A segunda maior cidade dos EUA nos é apresentada e representada como um mar, aparentemente apreensível. Vemos LA, mas LA não nos vê. “Não ser outra coisa que esse ponto observador, é a ficção do saber.” [1]
Talvez ainda mais fortemente que no caso dos vídeos de obras de arquitetura, essas obras audiovisuais que exploram o ambiente urbano nos oferecem incontáveis perspectivas através das quais podemos enxergar a cidade. O estúdio Spirit of Space, por exemplo, em seu vídeo Waterline Chicago, retrata a urbe a partir de do percurso do rio que corta a cidade. Ocorre-nos facilmente a imagem do promenade architecturale de Le Corbusier, porém, numa escala urbana. Numa justaposição de sequencial dos espaços montada pelos diretores, construímos Chicago em nossa mente.
Essa Chicago, assim como Paris de Paris Archi’llusion (da dupla Menilmonde), não é senão uma criação mental catalisada pelas imagens que nos são mostradas na tela em combinação à miríade de espaços e imagens exclusivas à mente de cada indivíduo. Chicago é para mim uma, para você outra, e para os diretores uma terceira.
Artifícios como os usados por Menilmonde no vídeo sobre Paris, ou mesmo nos exemplos em timelapse aqui mostrados, apenas potencializam o poder que os vídeos têm de expandir a apreensão da cidade. Comprimindo o tempo ou desenhando por cima das imagens em movimento, os diretores subvertem a percepção do espaço urbano, fornecendo-nos potencialmente não uma, mas infinitas cidades a serem apreendidas.
Evidente que assistir a vídeos e filmes que retratam cidades não substitui a apreensão real da urbe, o contato com seus ambientes, sua gente e seus problemas. A experiência real é riquíssima e necessária para uma profissão como a do arquiteto e urbanista.
Podemos, no entanto, dizer que a representação da cidade em filmes e vídeos enriquece a apreensão da mesma, expande (por que não?) seus limites físicos. O que não podemos dizer, entretanto, é que conhecemos a Praça Roosevelt, em São Paulo, apenas por termos assistido ao vídeo produzido pelo coletivo Himawari8. Arriscado. Os labirintos da mente e são tão incertos que talvez tenhamos ido parar em outro lugar.
Veja a seguir outros vídeos que, de uma forma ou de outra, ajudam a expandir a apreensão do espaço urbano.
Obrigado aos autores dos vídeos que gentilmente disponibilizaram suas obras para este post.
[1] Michel de Certeau; L’invention du quotidien. Arts de faire.