Selecionado como um dos "Game Changers for 2015" pela Metropolis Magazine, Ila Bêka e Louise Lemoine estão alterando a face da arquitetura crítica graças a uma premissa simples: você não precisa ser um especialista para ter uma opinião sobre os edifícios que você vive diariamente. Na seguinte matéria, publicada originalmente pela Metropolis como "Game Changers 2015: Ila Bêka and Louise Lemoine," Veronique Vienne descobre o que é preciso para incutir uma ideia tão simples com pungência e ao mesmo tempo sutil, com sagacidade afiada.
Se as paredes pudessem falar, que histórias elas iriam contar? Não só sobre nós mesmos, mas também sobre os nossos pressupostos culturais, nossas interações sociais e os valores que prezamos mais? Além de obter histórias diretamente das paredes, as cineastas Ila Bêka, 45, e Louise Lemoine, 33, iniciaram conversas com o outro elenco silencioso: as pessoas que varrem as salas, lavam as janelas, corrigem os vazamentos e trocam as lâmpadas.
"Nosso objetivo é democratizar a linguagem erudita da crítica de arquitetura", diz Bêka, uma arquiteta e cineasta formada na Itália e na França. "A liberdade de expressão sobre o tema da arquitetura não é propriedade exclusiva de especialistas."
Nos últimos cinco anos, a dupla entrevistou inúmeros indivíduos responsáveis pela manutenção de um número de edifícios de referência projetados por arquitetos de renome, como Auguste Perret e Frank Gehry.
Elas conversaram com funcionários como porteiros, faxineiras, técnicos, instaladores de sistemas de segurança, pintores, e também com moradores, vizinhos, passeadores de cães e turistas ocasionais ansiosos para obter um tour das instalações. O resultado é o Living Architecture, uma série de documentários sobre edifícios importantes vistos através dos olhos de pessoas comuns. Não há narração, apenas o material bruto, a voz das pessoas cuja relação com o ambiente construído é tanto parte da arquitetura como as paredes, as janelas ou os telhados.
O primeiro filme, Koolhaas Houselife, foi exibido na Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2008. Agora com o status "cult", ele apresenta Guadalupe Acedo, uma simpática governanta que cuida de uma casa de campo perto de Bordô, na França. Uma obra-prima da arquitetura contemporânea projetada pelo OMA de Rem Koolhaas, em 1998, a estrutura está começando a mostrar algum desgaste e requer manutenção significativa. Cinquenta anos depois do Mon Oncle, o documentário foi descrito como uma refilmagem acidental de comédia icônica de Jacques Tati. Mas longe de ser sincero, o tom humorístico do filme possui bastante ambiguidade. "Existem muitas sequências engraçadas nele", diz Bêka, "mas nossa intenção é séria. Estamos explorando o impacto da arquitetura no cotidiano das pessoas, bem como o seu senso de identidade."
Esta primeira incursão ao "cinéma vérité" não era para ser uma crítica de arquitetura contemporânea, mas sim uma crítica de arquitetura que prevalece hoje. Em vez de refletir sobre os discursos dos arquitetos e como eles cumprem os seus objetivos, as cineastas avaliaram os resultados do ponto de vista das pessoas, usuários, que na maioria das vezes não têm nenhuma compreensão das questões teóricas em jogo.
Lemoine, uma cineasta francesa que também estudou filosofia, sabe o quão difícil é fazer o trabalho de campo. "Nosso desafio, quando nos aproximamos de estranhos nas ruas, é ganhar a confiança deles", diz ela. "Mas as pessoas só relaxam assim que entendem que somos artistas e não jornalistas". Auto-financiamento, uma escolha deliberada, garantiu a liberdade de criação, mas ter acesso aos projetos arquitetônicos nunca foi fácil. as cineastas transformaram seu orçamento reduzido numa marca - sequências bem editadas de cenas curtas epigramáticas que nunca insistem no ponto, mas com tomadas interiores elegantemente discretas e trilhas sonoras inesperadas que contribuem para a ilusão espacial.
Após o sucesso inicial de Koolhaas Houselife, Bêka e Lemoine foram capazes de produzir mais quatro filmes independentes e distribuí-los em festivais juntamente com um livro. Pomerol, Herzog & de Meuron é um documentário sobre um salão de jantar construído para amantes de vinho na região de Bordô. Xmas Meier explora a vida do bairro de classe operária que se desenvolve em torno de da Igreja Jubilee, de Richard Meier, em Roma. Gehry's Vertigo, é um momento de angústia, com a câmera na sequência de um trio acrobático de limpadores de janela que trabalham no Museu Guggenheim em Bilbao, Espanha. Sobre Renzo Piano, elas investigam três obras-primas menores: o B&B Italia Offices, a estação de metrô IRCAM, em Paris, e a Fundação Beyeler, na Basileia.
Algumas cenas são momentos antológicos preciosos. O porteiro despreocupado do edifício de apartamentos Auguste Perret sobe e desce as escadas durante todo o dia, bem-humorado. A empregada doméstica, durante uma pausa, varre o chão da galeria Giacometti na Fundação Beyeler enquanto canta uma canção triste. A conversa animada dos três limpadores de janela em Bilbao é completamente bloqueada por uma raquete de martelos pneumáticos. E o sacerdote da Igreja Jubilee, no meio de um discurso eloquente, inadvertidamente derruba a vassoura e a pá de lixo que um dos limpadores voluntários esqueceu no local.
Hoje, Bêka e Lemoine aceitam encomendas de arquitetos, museus e instituições de arte. A escala de seus projetos mudaram e agora podem enfrentar maiores conjuntos arquitetônicos e passar mais tempo fazendo pesquisas. Um filme recente é o Barbicania, uma colagem de 30 retratos em vídeo filmados durante uma exploração de um mês do Brutalista Barbican Estate, em Londres. Nas obras está um projeto do Bjarke Ingels Group (BIG) para o complexo de uso misto 8 House, em Copenhague, um bairro auto-suficiente construído em camadas horizontais. "Da mesma forma, vamos estruturar nosso filme como uma superposição de micro-células", diz Lemoine.
Mas, com o sucesso, elas ainda serão capazes de produzir esses momentos mágicos frágeis? E conforme elas reúnem elogios, suas visões livres da arquitetura ainda oferecerão um antídoto para o jargão acadêmico? "Independentemente do tamanho do projeto, passamos muito tempo ouvindo o que as pessoas têm a dizer", diz Bêka. A qualidade das imagens em seus filmes, ela afirma, é o reflexo da qualidade da sua audição. "Somos todas ouvidos quando falam, e eles percebem."