São Miguel Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo, recebeu, no último 19 de novembro, a intervenção urbana temporária “São Miguel Mais Humana: Rua Para Todos”. A iniciativa foi parte do projeto de requalificação urbana e segurança viária da Área 40 de São Miguel - uma parceria entre Prefeitura Municipal de São Paulo e Iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito (BIGRS) apoiada pelo ITDP Brasil.
Localizado à 30 km do centro da cidade e com uma população de cerca de 100 mil habitantes, o bairro é um dos mais antigos à leste e também um importante centro de comércios e serviços, com grande destaque para a cultura nordestina que ali se desenvolveu.
A importância de São Miguel como centralidade urbana é alimentada e ao mesmo tempo dificultada pela Av. Marechal Tito: uma via estrutural que permite acesso rodoviário entre a zona leste e municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Por sua importância nos deslocamentos metropolitanos, é também uma via de grande fluxo de cargas, automóveis e ônibus. Em 2014, esta avenida foi a que concentrou maior mortalidade de trânsito na cidade, com 11 atropelamentos fatais. O centro de São Miguel não é exceção, e o conflito existente entre o tráfego de passagem e a alta atratividade de pedestres para compras e lazer resulta em um elevado índice de atropelamentos.
Este cenário indica a importância da implantação de projetos visando a segurança dos pedestres na região. Em 2015, a Prefeitura de São Paulo incluiu um recorte de 44 hectares de São Miguel Paulista no programa Áreas 40 - onde a velocidade máxima permitida é de 40 km/h - visando a convivência pacífica no trânsito, a segurança de pedestres e ciclistas e a diminuição de colisões e atropelamentos.
Para o projeto de requalificação urbana e segurança viária da Área 40 de São Miguel foram selecionados alguns pontos estratégicos da Área 40, tais como cruzamentos, vias e praças. Nestes pontos propõe-se a aplicação de soluções de moderação de tráfego, como extensão de calçadas, implantação de travessias e interseções elevadas, lombadas, rotatórias, canteiros centrais, ilhas de refúgio e rebaixamento de guias.
A Praça Getúlio Vargas Filho, um desses pontos estratégicos, foi selecionada para a aplicação em forma de teste das medidas de moderação de tráfego previstas no projeto. Situada na interseção entre as ruas Miguel Ângelo Lapena e Arlindo Colaço e nas proximidades da Av. Marechal Tito, seu entorno se caracteriza pelo fluxo de passagem, o que, na prática, confere à praça função similar a de uma rotatória.
O redesenho viário proposto busca garantir a circulação contínua e segura de pedestres, sem conflito com automóveis e ônibus. A elaboração do projeto teve como ponto de partida a coleta de dados em campo - para diagnosticar quantitativamente e qualitativamente o comportamento dos pedestres e dos diferentes modos de transporte no entorno da praça. Durante a intervenção, foram realizadas novas pesquisas - com os mesmos critérios - a fim de verificar a adaptação dos usuários ao novo desenho viário.
A intervenção teve também o objetivo de criar um espaço de lazer e recreação para a população, com a disposição de mobiliário urbano - como cadeiras e guarda-sóis, vasos de plantas, mesa de ping pong - e a promoção de atividades ao ar livre - incluindo palco com atrações culturais, atividades com crianças e área para recepção e comunicação do projeto.
A utilização de intervenções temporárias como forma de testar, ajustar ou mesmo acelerar a transformação de determinados espaços públicos até que se viabilize sua implantação permanente é recomendada pela National Association of City Transportation Officials (NACTO) dos EUA e tem se disseminado internacionalmente, com destaque para os casos de Nova York, Cidade do México e Buenos Aires.
Aliada à articulação entre sociedade civil, organizações e poder público, essas transformações podem ser entendidas também como uma forma de “urbanismo tático”. Este tipo de estratégia tem por finalidade aprimorar o espaço urbano com rapidez e economia, permitindo testar soluções de projeto e ao mesmo tempo tornar partes da cidade mais aprazíveis e habitáveis. Sua implantação considera o uso de materiais como tintas, cavaletes, cones, plantas, barbantes, fitas e outros elementos de fácil remoção, de forma a criar uma ambiência para uso imediato. Na Cidade do México, por exemplo, a iniciativa CAMINA realizou diversas intervenções com foco na segurança do pedestre e disponibilizou um passo-a-passo de como realizar uma intervenção, incluindo material de pesquisa e opinião com usuários no dia da ação.
Apesar de ser uma prática ainda pouco difundida no Brasil, é importante ressaltar que medidas estratégicas de intervenção no sistema viário - com resultados semelhantes às ações de urbanismo tático - são sugeridas no âmbito federal para solucionar conflitos de trânsito e promover a segurança viária. Um exemplo são as recomendações do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), que indica a adoção de medidas associadas ao desenho das ruas que, além de ter custos e prazos de implantação menores, buscam promover a qualificação do espaço urbano concomitantemente à avaliação destas intervenções no fluxo e segurança viárias. O evento em São Miguel Paulista implantou algumas dessas recomendações, como a alteração de circulação em vias urbanas, a redução das velocidades nas aproximações, a adequação do desenho da rua e direcionamento dos pedestres para locais de travessia seguros.
A ação na Praça Getúlio Vargas Filho foi muito bem recebida pelo público que circulava a pé no seu entorno. De forma geral, a intervenção ocasionou a redução da velocidade dos veículos - pelo estreitamento das faixas de circulação e também por curiosidade em relação às atividades desenvolvidas - sem necessariamente impactar de forma negativa o trânsito local. Os pedestres, que normalmente precisam contornar Praça e caminhar na rua para fazer o percurso entre as ruas Miguel Ângelo Lapena e Arlindo Colaço, puderam fazer o mesmo trajeto de forma segura e sem conflito com veículos. O fluxo foi intenso no eixo de circulação pedonal simulado. A intervenção temporária permitiu visualizar na prática um desenho viário mais inclusivo e seguro para os pedestres, além de demonstrar que a alteração na circulação e a redução da largura da faixa ordenam e permitem a convivência pacífica entre os diferentes usuários das vias.
A ação São Miguel Mais Humana: Rua para Todos faz parte do projeto de requalificação urbana e segurança viária para a Área 40 de São Miguel, no âmbito da Iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito, com projeto urbano desenvolvido pela 23 Sul Arquitetura. A produção do evento foi realizada em conjunto com: MobiLab, CET-SP, Vital Strategies, Nacto – Global Designing Cities Initiative, ITDP Brasil e Citi Foundation. Também colaboram ANTP, Bijari, Cidade Ativa, Jovens Brasil, Pingpoint, Red Ocara, Scipopulis e Urb-I.