No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quarta temporada, Sara conversa com os arquitetos Filipa Guerreiro e Tiago Correia sobre o Centro de Educação e Interpretação Ambiental da Paisagem Protegida do Corno de Bico. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes - Nesta nova temporada as gravações são presenciais. Temos feito as gravações do podcast nos ateliers dos arquitectos, como é o caso de hoje. Estamos aqui mesmo no Atelier da Bouça, que tem este nome porque se situa, exactamente, no Bairro da Bouça, bairro desenhado pelo arquitecto Álvaro Siza. Sei que vocês, para além de trabalharem, terem estudado, viverem e darem aulas em edifícios do arquitecto Álvaro Siza... De que forma é que essa presença constante na vossa vida influencia a vossa arquitectura? Começava pela Filipa.
Filipa Guerreiro - Eu, antes de mais, vou deixar aqui um parênteses: o atelier da Bouça não se chama assim só porque está na Bouça...
SN - Muito bem! (risos)
FG - Começamos por aí, ou...
SN - Pode ser por aí.
FG - E depois voltamos à Bouça mais tarde.
SN - Está bem.
FG - Se calhar tu explicas melhor que eu.
Tiago Correia - Nós somos os dois minhotos e isso define-nos também. A Bouça, além de ser o espaço onde nós, neste momento, vivemos e trabalhamos...
FG - O nome do bairro...
TC - É o nome do bairro onde nós vivemos, trabalhamos e fazemos tudo... Eu digo que sou “um gajo da Bouça”.
SN - (risos)
TC - Além disso, Bouça também é um espaço...
FG - É a designação de um recinto...
TC - Sim, é a designação de um recinto de um espaço que é, ao mesmo tempo, selvagem e doméstico. Ou é um espaço, normalmente no Minho, que está fora da zona urbana já e é morado... Eu estou a dar quase uma definição genérica do que é que é a Bouça, não é?
SN - Sim.
TC - É normalmente morado, mas no meio do nada. É no sítio onde as pessoas deixavam morado para definir a propriedade, mas era o sítio onde iam buscar o mato, a lenha...
SN - Quase um sítio onde guardavam as coisas?
TC - Não era bem guardar. Era um espaço produtivo, onde se ia buscar mato, lenha, mas...
FG - De transição.
TC - De transição entre o...
FG - Transição entre o espaço agrícola e o espaço florestal, por isso é um espaço misto e, ao mesmo tempo, é um espaço que tem essas características de ser desenhado, mas tem uma componente natural.
TC - E isso a nós... acarinhamos muito essa ideia de...
FG - Até porque é o nosso espaço de brincadeira de infância, de ser aquilo que nos une também sem nos conhecermos.
SN - Que giro! Que grandes coincidências!
FG - Partilhamos esta noção do espaço da bouça como um espaço em que nos divertíamos a brincar.
TC - É o espaço da liberdade, não é? É o espaço que não era estranho aos adultos. Ir à bouça não era propriamente...
FG - Pode ter uma conotação negativa também.
TC - Sim, tem uma conotação negativa, mas não era um espaço em que os adultos diriam “não podes ir”.
FG - Podes ir porque é controlado, é delimitado. A criança está segura.
TC - E, ao mesmo tempo, era um espaço de liberdade porque era um espaço um bocadinho selvagem.
FG - Em que poderíamos construir as nossas casas com giestas e materiais naturais, por isso as primeiras obras que fizemos... pelo menos eu, com amigas minhas... o Tiago nem tanto porque o Tiago vivia mais próxima da cidade. Eu vivia mesmo no campo, por isso as primeiras construções que fiz foi com materiais naturais com giestas, com urze e outras coisas na bouça.
SN - Que giro!
FG - Daí o Atelier da Bouça.
SN - Realmente só podiam vir viver aqui para o Bairro da Bouça! (risos)
FG - (risos) As coincidências são tramadas!
SN - E indo agora à segunda parte que tem a ver com esta presença constante do mestre das vossas vidas.
FG - É complicado. Ou seja, é viver, dar aulas, estudar e trabalhar com o arquitecto Álvaro Siza. Não é fácil, antes de mais. É desafiante e é sempre... A questão, para mim, principal é que é sempre uma lição constante. E é uma lição constante não só de boas lições de arquitectura, mas também desafiante do ponto de vista dos limites do que é a habitabilidade dos espaços e do modo como nós podemos condicionar a apropriação das pessoas desses próprios espaços. Tanto na escola que condiciona muito o espaço de ensino porque é uma estrutura de betão muito compartimentada e, por isso, deixa pouco espaço à apropriação por parte dos professores, que de alguma forma pudessem querer usar a reorganização do espaço como...
SN - Como uma forma diferente...
FG - Como uma forma didáctica... e, na verdade, também o praticam.
SN - Ok.
FG - Tentando perverter no quanto é permitido nesse espaço, mas também aqui em casa. E temos lições complicadas de gerir quando estamos nessa sala... nessa nem tanto, mas na outra... que a janela não abre e é difícil ter um escritório com 50 m2, quanto mais uma sala com 50 m2, que não tem ventilação, não é?
TC - É.
FG - Porque não era feita também para isto, mas mesmo assim é complicado... Como, muitas vezes, em casa temos muitas lições de como em espaços pequenos e muito condicionados conseguimos ter uma grande liberdade de apropriação que nós exercitamos com frequência e com intensidade na maneira como vamos alterando a maneira como organizamos a casa, como a casa se foi adaptando ao longo já de... 16 anos?
TC - Sim.
FG - Que moramos cá com filhos, sem filhos, juntos, com escritório, sem escritório. Ou seja, a casa...
SN - A casa adaptando-se à vida.
FG e TC - Sim.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a terceira temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
- Gonçalo Byrne
- Pedro Bandeira
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.