Por Dr. Arq. Guillermo Tella, Doutor em Urbanismo, Martín Muñoz, Urbanista via Palataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil.
A cidade de Deli, Índia, é uma amálgama de culturas, religiões e tradições. Devido à sua rica e milenar história, apresenta atualmente um cenário urbano abundante e heterogêneo. Cada setor da cidade conta com monumentos construídos que atuam como pontos focais para organizar a trama urbana: templos, edifícios governamentais, fortalezas, muralhas e praças que são combinados com a topografia do território.
A cidade antiga (Old Delhi), que foi capital entre os séculos 17 e 19, oferece um tecido que refere-se a culturas muçulmanas, com ruas estreitas, caminhos sinuosos e uma alta densidade. Além disso, o distrito novo (New Delhi) foi fundado em 1911 para oficializar a sede das autoridades vice-reais, apresenta um traçado claro com características ocidentais, com eixos monumentais, amplas vias arteriais e uma forte presença de edifícios institucionais como ostentação e símbolo do poder imperial britânico.
A etapa preliminar da construção de Nova Deli demandou 18 anos. Trata-se de uma cidade adjacente à Deli preexistente. O conjunto articula-se mediante uma grande avenida processional que culmina na residência presidencial, onde predominam as diagonais e as perspectivas monumentais. Outro setor de destaque da cidade daquela época é o distrito de Acantonamento, sede do então exército indo-britânico.
Superlotação e imigrações em massa
O crescimento de Deli até converter-se em uma metrópole moderna tinha sua gênese na construção da Nova Deli como nova capital da Índia, entre 1911 e 1931. No entanto, o grande salto para o crescimento da cidade ocorreu por ocasião da participação da Índia Britânica (1947), por muitos motivos religiosos entre estados independentes da Índia (hindu) e o Paquistão (muçulmano).
A imigração em massa de milhares de indianos provenientes do setor muçulmano paquistanês do Punjab, concentrou-se primordialmente sobre Deli. Estas imigrações derivaram em extremas condições de superlotação da antiga Deli, que também sofreu a perda de milhares de muçulmanos que emigraram para o Paquistão. Apenas em 1957 se criou a Autoridade de Desenvolvimento de Deli para atacar os conflitos urbanos surgidos dessa crise habitacional.
Desde então, esta agência produziu um Plano Municipal em 1962 para toda Deli que, essencialmente previa um reconhecimento das terras que poderiam desenvolver-se como solo urbano residencial e realizar a construção de colônias auto-suficientes. O Plano foi revisado em duas oportunidades: 1987 e 2007.
As políticas de desenvolvimento de áreas extensas produziram o alongamento dos prazos para aquisição, desenho e a construção, o que favoreceu a ocupação de colônias irregulares e de favelas no espaço público. Além disso, a pressão desta expansão urbana implicou em expulsar os agricultores da zona interior da cidade, o que em muitos casos vendiam a um custo muito baixo suas propriedades para a instalação de colônias sem autorização, seja diretamente aos colonos ou a "loteadores piratas".
No entanto, os projetos construídos permitiram criar colônias dentro da área metropolitana para desviar parte do aumento populacional que, de outra forma, continuaria aumentando a densidade da área central. Para atacar na raiz deste dilema, as premissas para o Plano Municipal para Deli 2021 propõe dar "sua devida participação"ao mercado privado no desenvolvimento urbano e nas habitações.
Ao mesmo tempo, se produz a regularização e a incorporação das construções informais dentro das premissas do desenvolvimento urbano, com controle de qualidade das construções, seus ajustes à norma, a provisão de infraestrutura e de equipamentos necessários para atender os setores migrantes de poucos recursos. Finalmente, o desenvolvimento de urbanização satélite (seguindo o modelo das new towns inglesas) acompanha este forte processo de expansão residencial.
Propostas para um desenvolvimento planejado
Na cidade de Deli, a Autoridade de Desenvolvimento de Deli prepara planos, políticas e propostas para guiar o desenvolvimento planejado através do processo de Planos Diretores, Planos de Zoneamento, Planos de Ação por Áreas e Projetos de Extensão Urbana, entre outros. Alguns de seus principais marcos foram: Plano Municipal de Deli 1962; Plano Municipal de Deli 2001; Plano Municipal de Deli 2021; Plano de Zoneamento; Plano de Desenvolvimento de Zonas (para o Plano Municipal de Deli 2021); Projetos de Extensão Urbana; Projetos Especiais; Modificação de Políticas e Desenvolvimento de Infraestrutura.
O Plano Municipal é definido como "o plano de perspectiva de longo prazo para guiar o desenvolvimento planejado e sustentável da cidade. Este documento fundamenta as diretrizes de planejamento, políticas, código de planejamento e requisitos de espaços para várias atividades sócio-econômicas que sustentam a população urbana durante o término do plano. Constituem a base para todos os requisitos de infraestrutura.
O Plano Municipal de 1962 foi o primeiro passo para o planejamento moderno na Índia, Foi preparado como a assistência da equipe da Fundação Ford e surgiu como resultado da aplicação das disposições da Lei de Desenvolvimento de Deli (Deli Development Act de 1957). Seu objetivo principal era o desenvolvimento integral da cidade, Para isto, as ferramentas utilizadas para alcançar este e outros objetivos foi a aquisição de solo em grande escala, o seu desenvolvimento (cerca de 25 mil hectares de solo foram previstos para o desenvolvimento) e a política de ocupação deste solo.
Por outro lado, o Plano Municipal de 2001 foi preparado como uma perspectiva de 20 anos, baseado na experiência desenvolvida para atender a população crescente e as novas exigências da cidade. Suas principais características são:
● Deli planeja-se como parte integrante de sua região.
● Busca-se manter o equilíbrio ecológico.
● A área central da cidade é tratada como "Área Especial".
● Deseja-se conservar o patrimônio urbano de Deli.
● Descentraliza-se o centro da cidade..
● Opta-se por um desenvolvimento urbano de pouco gabarito e alta densidade.
● Decide-se por um desenvolvimento urbano hierárquico.
Para abrigar o crescimento populacional foi proposto a urbanização de 18 a 24 mil hectares de áreas de extensão dos subúrbios como Dwarka, Rohini e Narela. Além disso, a capacidade de retenção de áreas urbanas aumentou com baixa e alta densidade. A área central da cidade (a cidade murada e sua extensão junto com KarolBach) era tratada como uma área especial com normativas próprias; descentralizava-se, desenvolvendo centros de distrito e estabelecendo um sistema de transporte de massa multimodal.
A densificação de áreas construídas
O Ministério de Desenvolvimento Urbano e Diminuição da Pobreza da Índia, definiu as diretrizes preliminares para a elaboração do plano de 2021. Entre outros pontos, foi planejado a remediação da situação habitacional que ocorreram por fortes migrações religiosas, produto da divisão da Índia Britânica entre os novos estados independentes e, na atualidade, isto instala uma forte migração campo-cidade em busca de melhores condições de emprego.
Durante a implementação de planos anteriores para Deli, a estratégia foi colocada na aquisição de amplas extensões de terras com a finalidade de assegurar para o Estado o desenvolvimento da mesma, de acordo com seus próprios planos e sem intervenção ativa do mercado, liberando esta terra na medida em que era finalizada a obra de urbanização integral. Enquanto estas áreas foram desenvolvidas segundo o planejado, muitas outras foram crescendo por fora das normativas dos planos municipais.
Com a recente lançamento do Plano Municipal, o debate centrou-se em políticas de desenvolvimento de colônias satélites dentro da região metropolitana e na densificação da cidade, de encontro com uma potencial demanda de habitat urbano para milhões de pessoas. Neste cenário, foi planejado a transferência de áreas verdes e de agricultura para a expansão da cidade e a densificação de área construídas e existentes.
O Plano Municipal de 2021 define uma política de solo baseada na utilização otimizada dos recursos disponíveis, tanto públicos como privados, coleta de solo, desenvolvimento e habitação. Apóia-se também no planejamento de áreas locais descentralizadas mediante um enfoque participativo. Prevê um re-desenvolvimento incentivado com indicadores adicionais como elemento para áreas planejadas ou sem planejamento.
Em termos de habitação para pobres, foi proposto a reabilitação de terrenos dos assentamentos informais, incluindo o uso do solo como um recurso para a participação de setores privados. Também formula a re-categorização das tipologias de habitação, mediante normas de controle e de densidades.
Como consequência, este planejamento tentou adiantar a expansão da cidade, assegurando que fosse mais limpa, verde e eficiente. Sob o lema de que "as árvores, o ar limpo, a água pura, os espaços verdes e abertos são o que fazem a vida na cidade prevalecer", foi previsto um desenvolvimento de "pulmões" para a metrópole, com espaços abertos sob diversas formas, de maneira a conservar características naturais e contendo a crescente expansão populacional.
Estes desafios assumidos em Nova Deli oferecem um interessante legado para nossas cidades latino-americanas, com tantas assimetrias na composição populacional e com tamanha demanda de solo em periferias para a autoconstrução de habitações populares.
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