As cidades têm caráter
na história e na imagem
no convite e na acolhida
ao que chega e estuda
na distante busca real
de encontrar novidades
em espaços construídos
nas pessoas e nos fatos
ocorridos na temporada
No período que vive
um mapa é decifrado
e se torna cenário
encontros inesperados
de eventos inéditos
recentes memórias
narrativas do movimento
que passam a habitar o ser
No tempo relativo
e expandido da visita
fatos improvisados
criam roteiros de encontros
onde as longas paisagens
do planeta se oferecem
à movimentação voluntária
da preparação e da partida
A experiência cidadã
pessoal e intransferível
vai habitar a memória
afetando o viajante distante
das oficialidades e citytours
cronologias e enciclopédias
distintas dos dias vividos
passos próprios descobridores
de espaços que renascem
numa biografia de espantos
Texto pessoal e nômade
encontro do inesperado
busca de aventura na atenção
escrita mental em relatos móveis
foto extensão grafia da visão
elegendo situações temporais
unindo hora solo intento e risco
Fotografia ímpeto do olhar
fixando momento em imagem
texto e eco do sentimento
no acaso senhor do tempo
a propor o decisivo instante
gravura do gesto e do afeto
No livro ‘Cidades Invisíveis’ de Italo Calvino,
Marco Polo relata ao imperador Kublai Kahn
as conquistadas maravilhas do extenso império
apresentado em hipotéticas descrições
de possíveis cidades fantásticas existentes
mais no relato de fábula que na realidade
Aqui as ‘Cidades Visíveis’ são o oposto
locais que foram realmente percorridos
de uma maneira decidida ou aleatória
e que sem roteiro passam a compor a ideia
surpresa do pensamento em figura e relato
onde o registro é a adoção da experiência
Monumentos arquiteturas
espaços notáveis ou banais
luz transformada em centelha
habitantes em personagens
em forma única e definitiva
captados pela lente do olhar
pela palavra da presença
pela poesia de descrever
o instante raro e veloz
na geografia da sensação
do minuto que expande
na intensidade na vertigem
na atenção dada ao inédito
A imagem refaz o segundo
interesse composição gráfica
humana social espacial ambiental
eventual jogo de linhas cores sombras
figuras personagens expressões vozes
signos frases movimentos estações
odores edifícios intempéries praças
O mapa antevê o possível
no caminho das imagens
uma iconografia existente
sugerindo vários focos
(in)certeza do animo pessoal
que não garante a possibilidade
de uma utópica satisfação
Caminho se faz no passo
o plano é sempre refeito
numa síntese imaginária
trilha percorrida onde
a lenda é a possibilidade
de reter além do instante
Poesia é essência do tempo
afetivo e afetado na vontade
de viver o segundo
que nasce e morre
aproximando o futuro
Olhar é escolher
opção chave da percepção
na vontade amiga do acaso
luz fugindo chama em sombra
agente dinâmica do dia
e da dança imprevista
de posições e pausas
Desafiando o disparo ótico
a vida total não se apreende
mas sim os quadros dela
que ficam a critério da visão
alvo de impressão da estadia
que ultrapassa o cartão postal
a publicação de arquitetura
o calendário da lógica turística
ainda que interagindo com eles
e introduzindo a vivência sua
que afinal habita a cidade
e também é habitada por ela
A urbe-pessoa pode ser criada
na passagem das localidades
e nos percursos do querer
na rua da deriva e da imaginação
Cidade não é só imagem
visível não é só figura
ideia não é só o dito
poesia não é só o verso
autoria não é só o próprio
vivência não é só o visto
que compõe o livro
da lembrança que pode
ser comunicada e apreendida
Da urbe é impossível saber
a sua história completa
(e todos os ilustres interesses)
mas sim os possíveis amigos
que vão permitir que ela
se instale no hóspede
em pontos desconhecidos
(em ventos idiomas e escritas)
e numa nova lógica espacial
de rumos paredes e vazios
Esse relato de fotos e letras
não é obra aqui concluída
mas sugestão de abordagem
de lugares a descobrir
um método ou exercício
de busca e entendimento
uma proposta de síntese
que mesmo incompleta
passa a compor as estórias
do viajante geográfico e mental
Este possível método pode ser
apresentado explicado fornecido
pode ser vivência proposta
oficina de interações performances
projeções navegações virtuais
edições em série coleções
até se abrir em sonoridades
vozes melodias áudio paisagens
sabores saberes traduções
exposições de quem quer ser
Cada pessoa em qualquer lugar
pode querer e fazer gravar
para si e os demais o registro
de seu entender naquele humor
naquela hora a sua ideia do local
na câmera no lápis na palavra
como aquele sitio a marcou
e como ela marca a intenção
de contar o caso de dividir
de saber e de aprender ao dizer
História é uma sucessão de instantes
e de locais à espera de passantes
que passando passam a ser constantes
e se distantes não fariam parte dela
e é só assim que a ela se torna dele
Quanto mais perdido está
maior chance de encontrar
de tornar fato o inesperado
de aprender com a duvida
de arriscar o piso e o passo
Quem não é estranho neste mundo
buscando encontro e entendimento
e por fim só achando na generosidade
a maior ajuda na calma da acolhida?
O estranho é a esperança
da interação da tolerância
(ódio amor silencio voz)
e é no estranho que está
o complemento da presença
Na faísca da curiosidade
é relativo o tempo que dilata
em frente à desconhecida
busca de outras surpresas
na não-rotina que multiplica
as possibilidades do dia
preparando a vigília móvel
inesperada e receptiva
ao (des)conhecido e à sorte
na instantânea e contínua percepção
que é a primeira verdade do tempo.
x x x
Referência: DINIZ, João. Visible Cities. Belo Horizonte: TransBooks, 2013.
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