Localizado ao longo da margem do rio Loire, no centro da cidade de Nantes, este memorial, projetado por Wodiczko + Bonder, é uma evocação emocional e metafórica da luta pela abolição da escravidão. Com o objetivo de ser algo histórico, o projeto se estabelece no presente e propõe uma transformação física e uma ênfase simbólica dos 350 metros da costa do Loire ao longo do Quai de la Fosse. Este memorial inclui a adaptação de um espaço residual de seu subsolo pré-existente, um produto da construção dos aterros e do porto de Loire durante os séculos XVII, XIX e XX. A construção proporciona espaços e significados para a história da escravidão e do mercado escravo, celebrando a resistência e a luta pela abolição, exaltando o ato histórico contra a prática e colocando o visitante próximo ao processo da luta contínua contra as formas contemporâneas de escravidão.
Ao lançar o olhar sobre as dificuldades passadas e presentes, tanto em Nantes como por todo o mundo, e se colocando como um projeto ético-político, urbano, artístico, paisagístico e, por fim, arquitetônico, este novo espaço público e a nova paisagem urbana esperam se tornar agente e catalisador de mudanças em relação aos direitos humanos, de ativismos e engajamento civil. As ideias articuladoras para este memorial e o trabalho sobre este espaço público em Nantes demandaram o enfrentamento de uma série de questões artísticas, projetuais, arquitetônicas, históricas, éticas e sociais: este projeto pode funcionar em meio às injustiças do presente e do passado, às memórias duras e aos traumas coletivos e, ao mesmo tempo, convidar o público a se engajar na transformação árdua e necessária, no trabalho de cura, pedagógico e re-construtivo? Podemos imaginar isto como um memorial de local específico que, enquanto trabalha sobre os legados da escravidão e do mercado escravo e sobre o movimento abolicionista, enquadra atos coletivos e espontâneos de memória? É possível que um memorial como esse contribua para o vislumbre de um mundo melhor, convidando e incitando seus visitantes a um engajamento ativo, prosseguindo com a luta abolicionista em direção a um mundo livre de escravidão e opressão?
O destino histórico do memorial é preservar a lembrança do passado e proporcionar condições para novas respostas. Como em outros países, os memoriais devem funcionar como um ambiente para se pensar sobre o passado e o presente, promovendo o surgimento de uma nova consciência crítica no espaço público democrático. Memorial, “memento” ou monumento, como “monitor” ou como um guia, sugere não apenas uma celebração, mas também um estado de alerta e de consciência, uma demanda por ação. Tanto comemorativo como de transformação, este projeto é moldado por uma consciência dos desafios e da complexidade presentes que o tema apresenta para gerações futuras. A tentativa é de engajar os visitantes a pesquisar a história através da ausência de sinais diretos, tornando palpável a ideia de se abrir espaços para a busca da memória.
Incorporadas ao solo da cidade estão histórias a serem descobertas e reveladas. Nantes, em particular, é uma cidade que decidiu confrontar seu passado marcante – o primeiro porto de tráfico de escravos na França, com aproximadamente 45% das 4000 expedições do mercado escravo do país. Este projeto implica em um desafio complexo já que demanda o entrelaçamento de diversos segmentos da memória para as novas gerações as quais podem apenas imaginar a situação com certa dificuldade. O projeto está baseado no terreno e na situação da cidade, a qual é “testemunha” da memória. Seu desenho acontece através de dois gestos fundamentais de exposição e de imersão que juntos criam uma experiência literalmente em camadas, por entre as quais os visitantes podem descobrir e interpretar as dimensões de uma história e de um lugar que eles pensavam conhecer.
A transformação deste espaço em um ambiente público demandou uma operação muito complexa para que fosse possível construir um “revestimento” protetor (como uma barragem sob as velhas estruturas) devido às marés do Loire (que varia mais de 4 metros diariamente). Entre a ponte Anne de Bretagne e a passarela Victor Schoelcher, estruturas de vidro foram inseridas, evocando a magnitude do comércio e dos navios de escravos, dispostos no piso “Comemorativo”. A partir da esplanada pública, os visitantes podem acessar a “Passagem”, de ambas as extremidades, chegando a um espaço longo e enclausurado formado pelo muro de arrimo do século XIX e pelas estruturas de concreto dos aterros do século XX. O monumento celebra a grande ruptura da abolição com a presença de placas de vidro inclinadas que emergem em direção à cidade como espadas que cortam o solo. Neste plano de vidro são encontrados textos selecionados de diferentes continentes sobre a escravidão e sobre o tráfico humano do século XVII ao século XXI.
Além de seu propósito simbólico, este memorial será usado como espaço para testemunhos e local de encontro para o fórum bienal de diretos humanos que acontece em Nantes. Isto confirmará apenas a especificidade deste local como um lugar representativo de luta e de memória, lembrando-nos que a abolição que culminou em 1848 não foi em vão e que, talvez, esta luta contra a escravidão, felizmente, um dia não seja mais necessária.