Este ano será determinante para a ação climática. Os impactos crescentes das mudanças climáticas – de inundações e secas a furacões e ondas de calor – estão causando danos profundas em vidas humanas e economias ao redor do mundo, especialmente nos vulneráveis países em desenvolvimento que contam com poucos recursos para se proteger.
Atualmente, as ações climáticas não estão sequer próximas do necessário para manter o aquecimento global abaixo do limite de 1,5°C e evitar o pior desses impactos – será preciso acelerar muito os esforços dos países para entrar no rumo certo. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta que as ações feitas nesta década terão impactos “por milhares de anos”.
O Balanço Global (Global Stocktake), que acontece pela primeira vez em 2023, oferece uma oportunidade estratégica para corrigirmos a rota.
O que é o Balanço Global do Acordo de Paris e por que ele é importante?
O Balanço Global do Acordo de Paris é um processo estabelecido para avaliar a resposta do mundo à crise climática a cada cinco anos, e o primeiro balanço será concluído na próxima Conferência do Clima (COP28), em Dubai. O processo avalia os avanços, em escala global, da redução das emissões de gases de efeito estufa, da construção de resiliência aos impactos climáticos e da obtenção de financiamento e apoio para enfrentar a crise do clima.
O primeiro Balanço Global é a mais completa avaliação do combate global às mudanças climáticas até o momento, reunindo mais de 1,6 mil documentos de diversas fontes, além de contribuições a partir de consultas não apenas com cientistas, mas também governos, cidades, empresas, agricultores, povos indígenas, líderes da sociedade civil, entre outros.
Os principais resultados deste balanço vieram a público em setembro, quando foi lançado o Relatório Sínteze do Balanço Global, e mostra o quão longe o mundo está de alcançar os objetivos do Acordo de Paris e como a janela de oportunidade para o sucesso da ação climática está se fechando. Destaca que, se não tomarmos medidas mais ambiciosas antes do segundo Balanço Global em 2028, poderemos testemunhar a devastadora realidade de temperaturas globais acima de 1,5°C.
Porém, o relatório também mostra um caminho que os governos terão de seguir para combater a crise climática. Identifica áreas-chave onde devem ser tomadas medidas imediatas e apresenta um roteiro para alcaçar as transformações sistêmicas necessárias para reduzir drasticamente as emissões, criar resiliência e salvaguardar o nosso futuro.
Ao final da COP28 os países precisam chegar a um acordo sobre como irão utilizar as conclusões do balanço para manter vivo o objetivo global de limitar o aumento da temperatura em 1,5°C e enfrentar os impactos das mudanças climáticas.
Qual o objetivo do Balanço Global?
Estabelecido pelo Artigo 14 do Acordo de Paris, o Balanço Global foi criado para “avaliar o progresso coletivo em direção ao objetivo do Acordo [de Paris] e suas metas de longo prazo”. Essas metas incluem: reduzir as emissões de gases do efeito estufa para manter o aquecimento global muito abaixo de 2°C e, idealmente, abaixo de 1,5°C; construir resiliência aos impactos climáticos; e alinhar apoio financeiro na escala e escopo necessários para combater a crise climática.
O Balanço Global deve avaliar os avanços na ação climática em âmbito global, não nacional, e identificar lacunas gerais para atingir as metas do Acordo de Paris, bem como oportunidades para preenchê-las.
Mas o Balanço Global foi concebido para ser mais do que uma avaliação.
No Acordo de Paris, as partes signatárias concordaram que o Balanço deve fornecer embasamento para que os países atualizem e reforcem suas ações climáticas, além de fortalecer a cooperação internacional em prol do clima. O processo também deve embasar novos planos climáticos nacionais (conhecidos como “contribuições nacionalmente determinadas” ou NDCs, na sigla em inglês), que precisam ser atualizados em 2025. A realização do Balanço Global a cada cinco anos deve assegurar que as ações dos países e outras partes sejam cada vez mais ambiciosas, a fim de manter as metas do Acordo de Paris atingíveis.
Se conduzido de forma efetiva, o Balanço Global pode fornecer uma base para orientar as decisões sobre investimentos e políticas climáticas, tanto por parte dos países quanto de atores não-estatais. O processo também pode contribuir para ações transformadoras em áreas como energia, natureza, alimentos e transportes.
Quais aspectos da ação climática são avaliados pelo Balanço Global?
Na COP24, em Katowice, Polônia, em 2018, os países concordaram que o Balanço Global deve avaliar os avanços climáticos em três áreas principais:
- Mitigação: estimar os esforços globais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C, idealmente abaixo de 1.5°C, e identificar oportunidades para cortes de emissões adicionais.
- Adaptação: medir o avanço na capacidade dos países de fortalecerem sua resiliência e reduzirem a vulnerabilidade aos impactos climáticos.
- Meios de implementação, incluindo financiamento, transferência de tecnologias e capacitação: avaliar o progresso do alinhamento dos fluxos financeiros às metas de redução de emissões e ao desenvolvimento resiliente e fornecer apoio aos países em desenvolvimento no enfrentamento da crise climática.
Além disso, o Balanço Global deve abordar as perdas e danos, ajudando a avaliar as ações e o apoio necessário para reagir a impactos climáticos que vão além do que as comunidades e ecossistemas podem absorver com medidas de adaptação. O processo também deve considerar os efeitos sociais e econômicos não intencionais que podem surgir com a implementação de ações climáticas, também chamadas de medidas de resposta. Por fim, o Balanço Global também tem o objetivo de enfatizar a importância de promover a equidade e reforçar as melhores evidências científicas existentes para embasar estratégias de combate à crise do clima.
Como é o processo do Balanço Global?
O Balanço Global foi criado para ser um processo participativo, aberto, inclusivo e transparente, conforme definido pelos países na COP24. O processo se dá durante dois anos e começa com as etapas de coleta de dados e avaliação técnica e termina em uma etapa política de alto nível. Esse ciclo político final acontecerá na COP28, em Dubai, em dezembro de 2023.
O que já aconteceu até agora no processo do Balanço Global?
Na etapa inicial de coleta de dados, que terminou em março de 2023, o Balanço Global reuniu informações do Secretariado da UNFCCC, de seus órgãos associados e do IPCC para garantir dados equilibrados e abrangentes em todas as áreas temáticas. As partes signatárias do Acordo de Paris, organizações internacionais e outras partes interessadas mas não signatárias (como membros da sociedade civil) também tiveram a oportunidade de enviar dados relevantes por meio de um portal de informações públicas.
A segunda etapa, de avaliação técnica, reúne os membros do Acordo, especialistas e partes não signatárias para avaliar as informações coletadas durante a etapa 1, identificar insights técnicos importantes e fazer os encaminhamentos necessários para a etapa política final do Balanço Global. A etapa de avaliação técnica abrange três diálogos, que começara em junho de 2022, e finalizaram nas reuniões intersecionais de 2023 em Bonn, na Alemanha. Depois de cada diálogo, é elaborado um relatório-síntese.
Quais foram os principais resultados do primeiro Balanço global?
A fase técnica do Balanço Global terminou com um Relatório de Síntese abrangente, lançado em Setembro de 2023, que resume as principais conclusões que irão informar os resultados políticos do Balanço na COP28. Embora o relatório destaque o progresso alcançado desde o Acordo de Paris – mostrando que atualmente a previsão de aumento das temperaturas globais está entre 2,4°C e 2,6°C até ao final do século, em comparação com 3,7°C e 4,8°C em 2010 –, também deixa claro que será preciso mais ambição e urgência em todas as frentes para combater a crise climática.
O Relatório de Síntese ressalta uma persistente “lacuna de emissões”, observando que os atuais compromissos climáticos não são suficientes para limitar o aquecimento global a 1,5° C. Mas também traça um caminho a ser seguido, enfatizando a necessidade urgente de transformações sistêmicas para cortar emissões e garantir um futuro resiliente às mudanças climáticas. Entre os mais relevantes está a necessidade de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, ampliar a energia renovável, mudar significativamente os transportes e a indústria e reduzir as emissões que não sejam de CO2, como o metano. Preservar a natureza, acabar com o desmatamento e investir em agricultura sustentável também são fundamentais para cortar emissões.
O Balanço Global coloca as pessoas no centro dessas transições e sublinha a necessidade de incluir resiliência e equidade em todos os esforços de transformação. Salienta a urgência de aumentar o apoio à adaptação e de abordar as perdas e os danos, especialmente para as comunidades vulneráveis. Enfatiza também que os planos e compromissos de adaptação foram mal implementados, estão distribuídos de forma desigual e progrediram pouco.
Para resolver essas questões, é destacada a necessidade de reorientar bilhões de dólares nas finanças globais e mobilizar recursos significativos em apoio a um futuro equitativo, com zero emissões de carbono e resiliente ao clima. O relatório deixa claro que uma transição justa, com equidade e abordagens adaptadas aos contextos locais é fundamental para alcançar os resultados ambiciosos e robustos necessários para promover o desenvolvimento sustentável e os esforços para erradicar a pobreza.
O que vai acontecer na COP28?
A terceira e última etapa do Balanço Global, da análise dos resultados, vai acontecer na COP28 em Dubai. Essa etapa é fundamental, pois vai determinar como os países devem responder politicamente diante das lacunas e oportunidades de ação identificadas na etapa de avaliação técnica.
Durante essa terceira etapa, as delegações dos países vão debater as descobertas técnicas do Balanço Global, identificar oportunidades e desafios e avaliar medidas e boas práticas para promover a ação climática e a cooperação internacional. Na sequência dessas discussões, os países vão elaborar juntos um resumo com as principais mensagens políticas, as quais poderão ser referenciadas na decisão final da COP28. Essa decisão final formaliza as orientações e compromissos que todos os países devem adotar ao desenvolver suas futuras ações climáticas e mecanismos de apoio.
Como os países devem responder às evidências do Balanço Global na COP28?
A fase final do Balanço Global na COP28 tem o potencial de resultar em compromissos políticos mais ambiciosos que podem impulsionar soluções inovadoras em todos os sistemas e setores. No entanto, sem vontade política, o Balanço corre o risco de se tornar um exercício de troca de informações associado a recomendações amplas e sem compromissos efetivos.
Os países precisam aproveitar a fase política do Balanço para maximizar o seu impacto e evitar ficar apenas em conclusões vagas. Caberá aos líderes políticos dos países utilizarem os resultados para reforçar a implementação nacional dos seus compromissos climáticos, bem como aumentar a ambição e a ação – inclusive através de maior acesso a financiamento e apoio.
A resposta ao Balanço Global deve incluir um sinal inequívoco de que os países apresentarão NDCs melhoradas, com metas climáticas ambiciosas para 2030 e 2035, muito antes da COP30. O financiamento para permitir o desenvolvimento e a implementação dessas NDCs será essencial. Como resultado do Balanço Global, o Secretário-Geral da ONU pode convocar um evento de alto nível no início de 2025, convidando os países a apresentarem as suas novas NDCs e compromissos financeiros. Os países também podem convocar a realização de balanços voluntários nacionais, regionais e temáticos em 2024 para ajudar a informar suas NDCs e outros compromissos nacionais.
Além disso, o Balanço Global deveria desencadear ações específicas para acelerar a ação climática:
- Realizar uma transição rápida de combustíveis fósseis para energias renováveis. Sem atacar a fonte primária do problema – a queima e o financiamento de combustíveis fósseis – não seremos capazes de resolver a crise climática. Além de abandonar os combustíveis fósseis, os países devem comprometer-se, na COP28, a pelo menos triplicar a capacidade anual de energia renovável ainda em 2023 e aumentar a participação de energias renováveis na produção global de electricidade para pelo menos dois terços até 2030.
- Transformar os sistemas alimentares, a agricultura, a silvicultura e a utilização dos solos para reforçar a segurança alimentar, aumentar a resiliência e reduzir as emissões. A incapacidade de acelerar esta transformação sistêmica junto à intensificação dos impactos climáticos prejudicará os esforços globais para eliminar a insegurança alimentar, a fome e a pobreza. A intensificação da agricultura sustentável pode aumentar a produção e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões da produção agrícola em até 25% até 2030 (em comparação com os níveis de 2020). Os países também devem comprometer-se acabar com o desmatamento e a degradação, mudar para dietas sustentáveis e saudáveis e reduzir pela metade a perda e o desperdício de alimentos até 2030.
- Reduzir rapidamente as emissões dos transportes e realizar a transição para sistemas com zero emissão. Os combustíveis fósseis ainda atendem mais de 90% de toda a demanda energética dos transportes. Até 2030 os países deverão duplicar a participação de transportes de zero emissão para pelo menos dois terços de todas as viagens de passageiros. Isso inclui a transferência de uma parte significativa das viagens para meios de transporte públicos e não motorizados, como a bicicleta, mas também um rápido aumento para 75% até 2030 no percentual de veículos elétricos nas vendas globais de automóveis de passageiros, mirando em alcançar o percentual de 30% para as vendas de caminhões elétricos no mesmo período.
- Aumentar o financiamento para adaptação e criar novos fundos para atender às perdas e danos – simplificando ao mesmo tempo o acesso a estes fundos e canalizando os recursos para o nível local. Os países e comunidades que menos contribuíram para a crise climática, mas que muitas vezes sofrem os impactos mais devastadores, necessitam urgentemente de recursos para melhorar a capacidade de adaptação e para reponder às perdas e danos. As nações desenvolvidas devem avançar pelo menos duplicando o financiamento para adaptação até 2025, com maior apoio aos atores locais, e dar prioridade a novos financiamentos.
- Cumprir os compromissos de financiamento climático e transferir urgentemente todos os fluxos financeiros globais à escala necessária para permitir emissões líquidas zero e um desenvolvimento resiliente. As nações ricas devem cumprir este ano o seu compromisso anual de financiamento climático de US$ 100 milhões e compensar os déficits desde 2020, assegurando ao mesmo tempo um acesso mais rápido e de qualidade. O Balanço Global também deverá abrir caminho para um novo objetivo robusto de financiamento climático, a ser acordado na COP29, enfatizando o espírito do Acordo de Paris de fazer ações sempre mais ambiciosas do que as anteriores. Isso significa ultrapassar a meta de US$ 100 milhões e adotar um equilíbrio entre mitigação e adaptação, especialmente para os países em desenvolvimento e vulneráveis. Até 2030 os investimentos públicos e privados terão de atingir R$ 5,2 bilhões por ano.
O que vem a seguir no caminho rumo à COP28?
Com a divulgação do Relatório Síntese do Balanço Global, o foco muda agora para a fase política do processo. Nos próximos meses até a COP28, ministros e negociadores vão se reunir para endereçar essas conclusões numa tentativa de manter vivo o objetivo de 1,5°C.
Um marco importante no caminho para a COP28 será o Climate Ambition summit, convocado pelo Secretário-Geral da ONU durante a Assembleia Geral da ONU em Setembro de 2023. Espera-se que países, empresas, cidades e regiões, sociedade civil e instituições financeiras apresentem ações e compromissos climáticos novos, tangíveis e concretos que apoiem os objetivos do Balanço Global.
Em última análise, o sucesso do primeiro Balanço Global depende de uma resposta adequada dos governos até o fim da COP28 – não com discursos vagos e banalidades, mas com compromissos e ações reais. O sucesso depende do comprometimento dos países em três frentes: aumentar substancialmente suas ações e o apoio climático oferecido, apresentar planos climáticos nacionais ambiciosos em 2025 e acelerar ações transformadoras fundamentais ao longo da próxima década.
Uma vez encerrada a COP28, todos – países, empresas, cidades e demais governos – devem aproveitar o momento para reavaliar suas próprias metas e ações, garantindo que estejam alinhadas a um futuro de zero carbono, com mais resiliência e apoio aos países e comunidades vulneráveis. Na COP28, o Balanço Global não deve ser apenas um catálogo de nossas falhas, mas um catalisador global de esforços para manter o limite de 1,5°C ao alcance.
Via WRI Brasil.