Com o agravamento da emergência climática em escala global, um contingente cada vez maior de pessoas é forçado a abandonar suas casas devido a catástrofes naturais, secas e outros fenômenos meteorológicos. Esses deslocados são frequentemente referidos como “refugiados climáticos”. Esta crise humanitária exige ação imediata, mas antes é preciso entender quem são essas pessoas e de que maneira a comunidade internacional pode abordar de forma apropriada essa problemática crescente.
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) define “refugiados” como aqueles que escaparam de situações de guerra, violência, conflito ou perseguição, cruzando fronteiras internacionais em busca de segurança em outro país. De acordo com a Convenção de Genebra de 1951, um a pessoa em situação de refúgio é definida como “alguém que não pode ou não deseja retornar ao seu país de origem devido a um fundamentado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, filiação a um grupo social específico ou opinião política”.
Seguindo essas definições, o ACNUR calcula que, até julho de 2023, havia 117,2 milhões de refugiados oficialmente registrados em todo o mundo. No entanto, essas definições não abrangem aqueles que são obrigados a fugir de eventos como inundações, secas, aumento do nível do mar ou de áreas agrícolas prejudicadas por solos excessivamente salinos para o cultivo, todos resultantes das mudanças climáticas.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU chegou à conclusão de que muitos refugiados climáticos não se enquadram na definição convencional de “refugiados”, rotulando-os como as “vítimas esquecidas do mundo”. Esse veredicto implica que essas pessoas não podem usufruir das proteções legais destinadas a salvaguardar seus direitos humanos, expondo-as a ameaças como a deportação.
Apesar de não encontrar respaldo no direito internacional, nem ser contemplado na Convenção de 1951 ou no Protocolo de 1967, o termo “refugiado climático” ganha relevância como uma expressão que transcende fronteiras geográficas. De acordo com o ACNUR, entre 2008 e 2016, uma média anual de 21,5 milhões de pessoas foram deslocadas à força, devido a eventos como inundações, tempestades, incêndios florestais e extremos de temperatura. Da mesma forma, desde 2020, observa-se um aumento anual médio de 41% no número total de deslocados por catástrofes, comparado à década anterior, evidenciando uma tendência alarmante. Espera-se que esse êxodo climático cresça nas próximas décadas.
O Instituto para a Economia e a Paz (IEP) prevê que até 2050, 1,2 bilhão de pessoas possam ser deslocadas devido a essas ameaças ecológicas. Os impactos são variados e profundos. Desde a perda de meios de subsistência até conflitos gerados pela escassez de recursos, cria-se uma série de desafios humanitários.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostra que a elevação do nível do mar resultou no aumento de pessoas que vivem em zonas costeiras de alto risco, passando de 160 milhões para 260 milhões nos últimos 30 anos, sendo 90% delas provenientes de países em desenvolvimento e pequenos Estados insulares. Por exemplo, Tuvalu e Kiribati, ilhas do Pacífico, estão literalmente desaparecendo à medida que o nível do mar aumenta, forçando seus habitantes a buscarem refúgio em terrenos mais elevados. Isso implica reconhecer que as mudanças climáticas não representam apenas uma ameaça imediata, causando danos a pessoas e infraestruturas, mas também um perigo a longo prazo que pode desestabilizar gradualmente sociedades e economias.
Conflitos e guerras também aumentam a crise. Na Síria, onde a desertificação de terras agrícolas resultou em uma queda acentuada nos rendimentos das colheitas. Cerca de 800 mil pessoas perderam suas fontes de renda, e 85% do gado do país morreu. Com a perda de meios de subsistência, os preços dos alimentos dispararam, levando 1,5 milhões de trabalhadores rurais a migrarem para áreas urbanas em busca de emprego.
Embora não seja o único fator que desencadeou a guerra civil síria, as questões sociais decorrentes das mudanças climáticas contribuíram para a intensificação das tensões. O resultado foi um conflito que exacerbou uma das piores crises de refugiados em décadas, com aproximadamente 6,6 milhões de sírios, representando cerca de um quarto da população, sendo forçados a deixar o país.
Infelizmente, a experiência síria não é única. Há uma notável correlação entre os países mais suscetíveis às mudanças climáticas e aqueles que enfrentam conflitos ou violência. Conforme indicado no relatório “Tendências Globais em Deslocamentos Forçados 2020” do ACNUR, 95% de todos os deslocamentos por conflitos em 2020 ocorreram em países vulneráveis ou altamente vulneráveis às mudanças do clima. O relatório também destaca que este tipo de migração forçada pode ter implicações significativas para a segurança internacional, a estabilidade, e a geopolítica.
Além disso, essas pessoas enfrentam discriminação e falta de apoio em várias partes do mundo. Frequentemente, são compelidas a migrar para áreas urbanas superlotadas, onde a competição por recursos limitados pode gerar tensões adicionais. A ausência de reconhecimento legal para o status de refugiado climático torna-as particularmente vulneráveis, desprovidas dos direitos e proteções garantidos ao conceito de refugiado pelas convenções internacionais.
Frente a essa crise em ascensão, é imperativo que a comunidade global aja de maneira coordenada e urgente. Há algumas soluções possíveis para mitigar os impactos dos refugiados climáticos e enfrentar esse fenômeno exige uma abordagem global e coordenada. Entre as possíveis soluções, destaca-se a necessidade de políticas públicas mais eficazes para amenizar as mudanças do clima e o comprometimento dos países ricos em diminuir as emissões de gases poluentes que colaboram com o aquecimento global. Investir em infraestruturas resilientes e sistemas de alerta precoce pode ajudar a minimizar os impactos de eventos ambientais extremos.
Além disso, há a necessidade de garantir a essas pessoas, um estatuto protegido equivalente ao oferecido a outros grupos de refugiados, tais como aqueles que escaparam de conflitos. Para reverter essa situação, é imperativo que os governos e órgãos jurídicos reestruturem as condições derivadas das alterações ambientais como uma ameaça aos direitos humanos e reconheçam o perigo enfrentado por eles.
Em última análise, a crise das pessoas deslocadas no contexto de catástrofes e mudanças do clima serve como um duro lembrete de que o custo da inação diante das mudanças do meio ambiente é elevado e recai sobre os mais vulneráveis. Como comunidade global, enfrentamos uma escolha crítica: agir agora para prevenir futuros deslocamentos em massa ou confrontar as consequências devastadoras de uma crise humanitária sem precedentes.
Via CicloVivo.