Neurogastronomia aplicada à arquitetura em prol do envelhecimento humano

A aplicação da neurociência à arquitetura, mais especificamente no âmbito da neurogastronomia, proporciona uma compreensão singular da interseção entre os domínios sensoriais humanos e o ambiente construído. Busca-se compreender o funcionamento do cérebro em função da alimentação, até agora focada unicamente na boca e no estômago. Quem come na verdade é o cérebro. Desse modo, este artigo tem como objetivo reunir os conceitos científicos relacionados à neurogastronomia aplicada à arquitetura, considerando a experiência gastronômica e os espaços arquitetônicos, com especial atenção ao envelhecimento ativo.

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A neurogastronomia, derivada do trabalho seminal do neurocientista Gordon Shepherd, transcende a concepção tradicional de sabor. Shepherd argumenta que a experiência culinária é uma sinfonia cerebral, na qual múltiplos sentidos, memórias e estados emocionais convergem. Seu livro "Neurogastronomy: How the Brain Creates Flavor and Why It Matters" serve como guia nessa exploração neurocientífica, delineando as complexas interações entre a mente e o paladar.

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Confier Restaurant / stof. Foto © Donggyu Kim

Neurogastronomia aplicada à arquitetura, uma aliança entre ciência e design, emerge como uma disciplina ainda incipiente na literatura, transcendendo os limites convencionais da estética arquitetônica. A obra de Juhani Pallasmaa, "Towards a neuroscience of architecture", serve como uma bússola orientadora, fornecendo uma base teórica à neurogastronomia aplicada à arquitetura. Pallasmaa argumenta sobre a importância da sensorialidade na arquitetura, defendendo que os espaços devem ser concebidos considerando as complexas interações entre o corpo, a mente e o ambiente construído. Suas reflexões oferecem insights profundos sobre como a neurociência pode informar e aprimorar o design arquitetônico.

O livro de Rachel Herz, fornece também poderosos insights de como o cérebro se relaciona com o ambiente. Não se voltando unicamente a um ou dois aspectos, mas sim aos aspectos multissensoriais. Publicado ainda em 2017, Herz descreve fatos interessantes sobre o consumo alimentar, fornecendo ao leitor uma leitura integrativa entre os conhecimentos da psicologia, neurociência comportamental e da biologia humana que afetam o consumo alimentar como as crenças sobre a alimentação que repercutem sobre o número de calorias que queimamos; a publicidade televisiva que pode influenciar o quanto comemos; e os estímulos sensoriais que o usuário sente que pode interferir no sabor dos alimentos. Ademais, Herz demonstra algumas técnicas úteis para controlar os desejos, como resistir às idas repetidas à mesa do bufê e como os aromas podem ser usados ​​para conter a alimentação excessiva. Tal assunto também é explorado na obra “Nudge: Improving Decisions About Money, Health, And The Environment”, escrita por Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein sobre a influência do ambiente construído nas decisões humanas, descritas como “nudges”. Basicamente são conhecidos como “empurrãozinhos” que se destacam por serem alternativas de baixo custo aplicáveis às mais diversas áreas, como na formulação de políticas públicas, questões arquitetônicas, design de interiores e finanças públicas.

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Dabang Café / one-aftr. Foto © Jang Mi

A análise da relação entre neurociência e design arquitetônico revela uma simbiose fascinante. Compreender como o cérebro responde aos estímulos ambientais permite que os arquitetos projetem espaços que não apenas agradam esteticamente, mas também promovem o bem-estar. O design arquitetônico, quando fundamentado na compreensão da neurociência, torna-se uma ferramenta poderosa para criar ambientes que nutrem os sentidos e apoiam a saúde mental e física.

Na terceira idade, a relação entre arquitetura e neurociência torna-se ainda mais crucial. A compreensão das mudanças sensoriais e cognitivas associadas ao envelhecimento evoca a criação de espaços adaptativos. A neurogastronomia aplicada à arquitetura para pessoas idosas não apenas considera a estética, mas também incorpora elementos que estimulam positivamente os sentidos, compensando as perdas sensoriais com uma abordagem cognitiva e sensorialmente consciente.

A sensorialidade, como defendida por Pallasmaa, não é apenas um acessório na experiência arquitetônica, mas sua essência. A neurogastronomia, ao aplicar princípios da neurociência à arquitetura, reconhece que a qualidade de um espaço está intrinsecamente ligada à forma como ele é percebido sensorialmente. Sons, texturas, luzes e aromas convergem para criar uma sinfonia única, influenciando não apenas a estética do ambiente, mas também o estado emocional e cognitivo dos ocupantes.

A neurogastronomia aplicada à arquitetura adota uma abordagem holística, considerando não apenas a estética visual, mas também a acústica, a iluminação, as texturas e os aromas como componentes interconectados. Essa abordagem sinérgica resulta em espaços que não apenas agradam esteticamente, mas também proporcionam experiências sensoriais enriquecedoras, contribuindo para a qualidade de vida dos ocupantes.

Embora a neurogastronomia aplicada à arquitetura ofereça promessas emocionantes, ela não está isenta de desafios. A integração eficaz da neurociência ao processo de design requer uma colaboração interdisciplinar intensiva. Além disso, a adaptação desses princípios a diferentes contextos culturais e necessidades individuais apresenta um desafio adicional. No entanto, cada desafio é também uma oportunidade de inovação e descoberta, impulsionando a evolução dessa disciplina ainda em construção.

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Juno Restaurant / Rawan Muqaddas + Selma Akkari. Foto © Oculis Project

Ao transcender os paradigmas convencionais, tal disciplina emerge como uma síntese dinâmica de ciência e design. A interseção entre neurociência e arquitetura oferece um terreno promissor para a criação de espaços que não apenas cativam visualmente, mas também nutrem os sentidos, promovendo o bem-estar físico e emocional, especialmente para as atuais e futuras pessoas idosas.

Na interação entre luz e arquitetura, a neurogastronomia cria uma experiência sensorial única, destacando como a visão influencia nossa apreciação dos sabores. Estudos, como os conduzidos por Charles Spence em "The Perfect Meal: The Multisensory Science of Food and Dining", mostram a complexa relação entre visão e paladar. A apresentação visual dos alimentos, muitas vezes aprimorada por uma iluminação cuidadosa, não só aguça o apetite visual, mas também desencadeia respostas sensoriais no cérebro, preparando-nos para a experiência culinária que está por vir.

Além da iluminação, a abordagem cênica da arquitetura neurogastronômica visa intensificar a experiência. Ambientes que reproduzem a luz natural em diferentes momentos do dia podem modular a percepção dos alimentos. A luz dourada do entardecer pode trazer sensações de conforto, enquanto uma iluminação mais intensa durante o dia realça a frescura dos alimentos. A arquitetura atua como uma "coreógrafa sensorial", utilizando a luz como ferramenta principal. A manipulação estratégica da intensidade, temperatura e direção da luz destaca detalhes visuais, criando uma integração sutil entre os sentidos. Textura, suculência e crocância dos alimentos são acentuadas, transformando a experiência gastronômica em uma forma de arte onde cada detalhe é delicadamente iluminado.

A neurogastronomia busca uma jornada sensorial dinâmica. Sistemas de iluminação dinâmica, ajustáveis ao longo da refeição, proporcionam uma experiência gastronômica evolutiva. À medida que os pratos são servidos e os sabores se entrelaçam, a iluminação segue, transformando suavemente o ambiente e intensificando as nuances sensoriais. A influência da luz na percepção de cores desempenha um papel fundamental na neurogastronomia. Estudos indicam que a iluminação pode afetar a maneira como percebemos a cor dos alimentos, impactando diretamente a nossa apreciação do sabor. A harmonia entre a cor real dos alimentos e sua representação visual sob uma luz específica é crucial para uma experiência gastronômica autêntica. A escolha cuidadosa de tecnologias de iluminação, considerando aspectos como eficiência energética, é essencial. Inovações, como iluminação LED ajustável e sistemas de controle inteligente, oferecem soluções adaptáveis para criar ambientes ideais para experiências gastronômicas.

A dimensão olfativa emerge como uma protagonista essencial, uma vez que o olfato, frequentemente subestimado, tece memórias aromáticas na arquitetura. A introdução de jardins sensoriais visa estimular não apenas visualmente, mas também mergulhar os indivíduos em experiências olfativas evocativas, enriquecendo a interação entre a construção e seus ocupantes. A pesquisa de Peter Frost, em "Humans and the Olfactory Environment: A Case of Gene-Culture Coevolution?", destaca a importância do olfato na formação de memórias e sua influência no estado emocional, além das mudanças evolutivas resultantes da evolução humana. A neurociência aplicada à arquitetura reconhece que a qualidade de um espaço não pode ser plenamente apreciada sem considerar o olfato. Este desempenha um papel fundamental na formação de memórias e na evocação de emoções. A introdução de elementos aromáticos na arquitetura busca não apenas criar ambientes agradáveis, mas também estabelecer uma conexão mais profunda com o espaço, influenciando positivamente o estado emocional dos ocupantes.

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Stalk Tree-hugger Bar / RAD+ar (Research Artistic Design + architecture). Foto © Mario Wibowo

Os jardins sensoriais, cuidadosamente projetados para estimular os sentidos, desempenham um papel crucial na arquitetura neurogastronômica. Além de proporcionar uma experiência visualmente estimulante, esses jardins incorporam uma variedade de plantas e flores para criar uma sinfonia olfativa. Cada passo dentro desses espaços é uma jornada através de diferentes aromas, criando uma narrativa olfativa que se entrelaça com a experiência arquitetônica. A pesquisa de Peter Frost oferece uma perspectiva aprofundada sobre como o olfato molda nossa interação com o ambiente construído. Frost destaca não apenas a capacidade do olfato de evocar memórias, mas também sua influência direta no estado emocional. A introdução de odores específicos em espaços arquitetônicos pode desencadear respostas emocionais específicas, criando uma experiência sensorial única e personalizada para os ocupantes.

A relação intrínseca entre olfato e memória é uma área de grande relevância na arquitetura neurogastronômica. Odores específicos têm o poder de desencadear lembranças vivas e emoções associadas a essas memórias. Ao incorporar elementos aromáticos em espaços arquitetônicos, os arquitetos não estão apenas criando ambientes agradáveis, mas também contribuindo para a formação de memórias duradouras que enriquecem a experiência dos ocupantes. Assim como a arquitetura possui uma linguagem visual, a introdução de uma linguagem olfativa é um passo inovador na evolução da arquitetura neurogastronômica. A seleção cuidadosa de odores para representar conceitos específicos pode criar uma narrativa olfativa única em cada espaço, enriquecendo a experiência sensorial e oferecendo uma maneira inovadora de comunicar e expressar conceitos através do ambiente construído.

Estudos como "Struggling to maintain individuality – Describing the experience of food in nursing homes for people with dementia", de Rachel Milte e colaboradores, apresentam programas de treinamento de memória gustativa como estratégias válidas na preservação da capacidade de reconhecer e apreciar sabores. O estudo buscou descrever a experiência alimentar e gastronômica de pessoas com deficiência cognitiva e seus familiares em lares de idosos.

A cognição sensorial, intrinsecamente ligada à qualidade de vida, enfrenta desafios naturais com o envelhecimento. A neurogastronomia aplicada à arquitetura, reconhecendo a importância da riqueza sensorial na experiência humana, busca estratégias que vão além da estética, adentrando o domínio cognitivo. A preservação da cognição sensorial não é apenas uma busca pela manutenção das capacidades, mas uma jornada cognitiva para aprimorar a apreciação e o reconhecimento dos estímulos sensoriais.

Outro estudo intitulado de "Optimizing sensory quality and variety: An effective strategy for increasing meal enjoyment and food intake in older nursing home residents," conduzido por Virginie Van Wymelbeke e colegas, teve como objetivo avaliar o impacto da melhoria da qualidade sensorial versus o aumento da variedade sensorial na ingestão alimentar e no prazer das refeições em idosos em casas de repouso. Os resultados indicaram que estratégias de melhoria das refeições podem ser eficazes para aumentar a ingestão alimentar, prevenir e tratar a desnutrição em idosos dependentes. Pesquisas desse tipo apoiam a aplicação promissora dos conceitos de neurogastronomia ao ambiente construído, extrapolando as instituições de longa permanência para idosos (IPLIs). A pesquisa sugere que a focalização da atenção sensorial pode ser um meio eficaz de melhorar a satisfação com as refeições, compensando possíveis declínios na percepção sensorial.

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May Café & Bakery / FeA. Foto © Trieu Chien

A neurogastronomia aplicada à arquitetura não se limita a ambientes físicos, estendendo seu alcance para programas inovadores que estimulam a cognição sensorial. Estratégias envolvendo a identificação e associação de sabores, aprimorando a memória gustativa, tornam-se ferramentas poderosas na preservação da riqueza sensorial. Ao integrar essas abordagens em ambientes arquitetônicos, cria-se uma sinergia única que fortalece a experiência sensorial dos idosos. A preservação da riqueza sensorial por meio de técnicas cognitivas não é uma busca isolada; é uma jornada intrinsecamente ligada à melhoria da qualidade de vida dos idosos. A capacidade de apreciar a riqueza de sabores não apenas eleva a experiência gastronômica, mas também contribui para a saúde mental e emocional. Logo, ao incorporar essas técnicas, tal arquitetura desempenha um papel vital na promoção de ambientes que nutrem não apenas o corpo, mas também a mente.

Além dos programas de treinamento de memória gustativa, a adaptação de ambientes arquitetônicos desempenha um papel crucial. A criação de espaços que estimulam a interação com diferentes estímulos sensoriais, desde aromas e texturas, contribui para uma abordagem holística na preservação da riqueza sensorial. A pesquisa mostra que ambientes enriquecedores podem ter um impacto positivo na cognição sensorial, influenciando diretamente a apreciação da culinária. A arquitetura, ao integrar essas estratégias, não apenas constrói espaços, mas molda narrativas sensoriais que transcendem as limitações temporais, enriquecendo a vida na terceira idade. No estudo "Influence of virtual color on taste: Multisensory integration between virtual and real worlds," de Fuxing Huang, Jianping Huang e Xiaoang Wan, foi evidenciado que as dicas visuais do mundo virtual e as dicas gustativas do mundo real podem ser integradas para influenciar a percepção da bebida real quando as cores são geradas com base nas correspondências intermodais. Essa proposta possibilita a criação de uma experiência gastronômica enriquecida, envolvente e inovadora. A introdução de utensílios táteis representa um avanço significativo na compensação multissensorial. Estudos indicam que a textura dos utensílios pode influenciar a percepção do sabor e a apreciação dos alimentos. Ao incorporar utensílios táteis inovadores, o estudo descrito anteriormente propõe não apenas uma maneira de compensar a perda sensorial advinda do envelhecimento, mas também de elevar a experiência gastronômica. Desde talheres com diferentes texturas até pratos especialmente projetados, essa abordagem visa redefinir a interação tátil durante as refeições.

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Auyl Restaurant / NAAW + DUNIE. Foto © Damir Otegen, Yulo Khan, Zarina Zoman, Sergey Kuchin

A compensação multissensorial vai além da mera satisfação alimentar; ela impacta diretamente a qualidade de vida dos idosos. Ao introduzir utensílios táteis e tecnologias de realidade virtual alimentar, a arquitetura neurogastronômica não apenas atende às necessidades práticas, mas também enriquece a esfera emocional e social da experiência gastronômica. O presente artigo sugere que a inovação nessas áreas pode contribuir para uma maior autonomia e satisfação na alimentação, promovendo um envelhecimento mais saudável e significativo. À medida que esse novo envolvimento da arquitetura é explorado no âmbito gastronômico mediante aos estudos científicos, torna-se evidente que multiprofissionais projetistas estão diante de uma revolução na concepção de ambientes centrados na pessoa, especialmente para a população idosa. O entendimento profundo das complexas interações entre mente, paladar e ambiente construído, fundamentado em referências como Shepherd e Pallasmaa, coloca a neurociência no epicentro do desenvolvimento de ambientes aplicados à neurogastronomia capazes de moldar um futuro promissor à desafiadora jornada do envelhecimento humano.

Um dos aspectos fundamentais dessa neurogastronomia aplicada à arquitetura é o fato de que ela deve estar voltada a todos e não especificamente ao idoso. Nutricionistas, chefs de cozinha e proprietários de espaços de tratamento de idosos devem compreender a importância das relações estabelecidas pela neurogastronomia e a arquitetura de forma a integrar profissionais especialistas no assunto e convocar, sempre que possível, o público de interesse para o desenvolvimento e a evolução desses estudos e aplicações práticas. A compreensão de que os seres humanos não estão vinculados unicamente a um aspecto por vez na vida é importante para a noção holística que a neurogastronomia propõe à arquitetura.

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Sobre este autor
Cita: Ciro Férrer Herbster Albuquerque e Paulo de Tarso Souza. "Neurogastronomia aplicada à arquitetura em prol do envelhecimento humano" 16 Jan 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1012075/neurogastronomia-aplicada-a-arquitetura-em-prol-do-envelhecimento-humano> ISSN 0719-8906

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