Os resultados obtidos por meio do indicador de proximidade ao transporte de média e alta de capacidade (PNT, sigla para o termo original em inglês People Near Transit) podem nos fornecer uma aproximação sobre a inclusão social promovida por meio da oferta de sistemas de transporte em cidades e regiões metropolitanas? O PNT é um indicador que mensura o percentual da população de uma cidade ou região metropolitana que reside em um raio de até 1 km de estações de sistemas de transporte público de média e alta capacidade. O ITDP Brasil avaliou as condições de PNT nas principais regiões metropolitanas brasileiras e foi além da metodologia original para examinar a acessibilidade ao transporte público de média e alta capacidade entre pessoas de diferentes faixas de renda.
A pesquisa realizada em 2016 contemplou dez regiões metropolitanas brasileiras (com mais de 60 milhões de habitantes, aproximadamente um terço da população brasileira) e uma cidade média (Uberlândia, com mais de 600 mil habitantes). Aproximadamente 900 estações em quase 1000 km de sistemas de transporte de média e alta capacidade foram contemplados pelas análises realizadas. Os resultados obtidos forneceram indícios de que diferentes fatores associados aos contextos locais em termos de investimento em transporte, do padrão de desenvolvimento local/regional e da política urbana, podem influenciar diretamente a capacidade da rede de sistemas de transporte de média e alta capacidade de oferecer acesso às oportunidades urbanas para pessoas de menor renda, questão essencial para criação de cidades mais inclusivas socialmente.
Os resultados obtidos por meio do “PNT por faixa de renda” podem complementar as análises do indicador PNT e auxiliar gestores públicos no desenho da política urbana em cidades e regiões metropolitanas brasileiras. Neste artigo, alguns dos principais achados da pesquisa são apresentados.
Cidades brasileiras com redes de transporte mais extensas tendem a apresentar melhores resultados em termos de PNT, mas há exceções: o caso de São Paulo e o crescimento sem DOTS
De forma geral, cidades com redes de transporte mais extensas apresentaram melhores resultados em termos de PNT. Neste contexto, destaca-se a cidade do Rio de Janeiro, cuja região metropolitana concentra 12 milhões de pessoas. Entre 2010 e 2015, a cidade teve sua rede de sistemas de transporte de média e alta capacidade ampliada em 91 km de BRT e uma extensão de 1,2 km de Metrô (a nova linha do Metrô e a rede de VLT foram inaugurados apenas no segundo semestre de 2016) em função de investimentos para a Copa do Mundo da FIFA em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. O Rio apresentou os melhores resultados no nível de cidade (47%) e região metropolitana (28%).
Outras cidades com histórico semelhante de expansão de suas rede de transporte de média e alta capacidade se destacaram comparativamente em relação às regiões metropolitanas avaliadas, como Curitiba (46% cidade e 23% metrópole), Porto Alegre (42% cidade e 23% metrópole) e Recife (29% cidade e 23% metrópole).
Porém, São Paulo, a maior região metropolitana brasileira que comporta a rede mais extensa de sistemas de transporte de média e alta capacidade (305,6 km, dos quais 57 km de BRT e 248,6 km de metrô e trem) do país, apresentou resultados menos significativos em termos de PNT (25% cidade e 20% metrópole). Estes resultados evidenciam que em determinados contextos, apenas a dimensão da rede de sistemas de transporte de média e alta capacidade não é capaz de influenciar o resultado do PNT e, consequentemente, a oferta de transporte em uma cidade ou região metropolitana. A distribuição desta rede no território e o padrão de desenvolvimento das cidades são determinantes para a acessibilidade às estações de sistemas de transporte de média e alta capacidade.
São Paulo é uma cidade marcada por acentuado processo de espraiamento urbano e de verticalização das edificações (adensamento construtivo), pouco orientado a infraestrutura de transporte público (especialmente sistemas de transporte de média e alta capacidade). Recentemente, o poder público da cidade de São Paulo vem tentando reverter este padrão, com a incorporação de princípios de DOTS nas principais estratégias definidas pelo Plano Diretor Estratégico da cidade (2014).
Resultados de PNT para 10 regiões metropolitanas brasileiras e a cidade de Uberlândia:
Resultados satisfatórios de PNT não garantem inclusão social no entorno das estações
Ao analisarmos os resultados de PNT Social, verificamos que, mesmo em cidades com resultados comparativamente positivos em termos de PNT, existem diferenças significativas em relação a presença de pessoas de diferentes níveis de renda no entorno de estações de sistemas de transporte de média e alta capacidade.
O principal exemplo dentre as regiões metropolitanas avaliadas é Curitiba. A cidade é uma referência internacional na discussão sobre DOTS tendo em vista seu pioneirismo na proposição de uma política urbana alinhada a este conceito. Na década de 1970, o então prefeito Jaime Lerner foi responsável pela implementação de uma política que induzia o adensamento construtivo ao longo de corredores de BRT na cidade.
Não por acaso, Curitiba teve um dos melhores resultados de PNT dentre as cidades e regiões metropolitanas avaliadas. Porém, enquanto 54% da população de alta renda (mais de 3 salários mínimos per capita por mês) mora a 1 km de estações de sistemas de transporte de média e alta capacidade, isso é verdade apenas para 13% da população de mais baixa renda (até meio salário mínimo per capita por mês). A diferença (delta) de 41 pontos percentuais na cobertura da rede de transporte entre pessoas de faixa de renda mais alta e mais baixa foi a maior, em conjunto com Porto Alegre, dentre as regiões metropolitanas estudadas.
Estes resultados reforçam a importância da adoção de estratégias voltadas à inclusão social no contexto de políticas urbanas que visam a promoção do DOTS em cidades e regiões metropolitanas.
As cidades com melhores resultados comparativos em termos igualdade social no acesso ao transporte, foram Recife e Salvador, ambas na região nordeste brasileira. No caso de Recife especificamente, os resultados evidenciam que existe maior concentração de pessoas pobres no entorno das estações de sistemas de transporte de média e alta capacidade no nível de cidade. A hipótese preliminar é de que estas cidades apresentam presença mais significativa de populações pobres em regiões centrais e bairros adjacentes atendidos por sistemas de transporte de média e alta capacidade.
Desigualdade social no acesso ao transporte tende a se intensificar nas regiões metropolitanas
A pesquisa evidenciou que a desigualdade social no acesso ao transporte tende a se intensificar nas regiões metropolitanas, tendo em vista que, em geral, ocorre uma diminuição de 64% do percentual de pessoas a 1km das estações de sistemas de transporte de média e alta capacidade na comparação do PNT da cidade com sua respectiva região metropolitana - na média para todas RMs analisadas. Além disso, a diferença entre pessoas de diferentes níveis de renda no acesso ao transporte tende a se intensificar: o delta entre o PNT da faixa de menor renda e a faixa de maior renda aumenta em média 3 pontos quando se passa de determinada cidade para sua região metropolitana.
Os resultados obtidos evidenciam a concentração de populações mais pobres em áreas periféricas das cidades e regiões metropolitanas. Este cenário está associado a um intenso processo de espraiamento urbano e segregação espacial observado nas últimas décadas nas regiões metropolitanas brasileiras. Áreas centrais, que concentram empregos e oportunidades urbanas, tendem a ser mais valorizadas, dificultando a permanência de populações de faixas de renda mais baixa.
Todas as dez regiões metropolitanas analisadas apresentaram essa tendência. Corredores de transporte recém-implementados dentro do contexto de investimentos para a Copa do Mundo da FIFA de 2014 em algumas cidades do país conseguiram aumentar o PNT e o acesso para todas as faixas de renda. Porém sua cobertura ainda concentra-se nos limites municipais e tendem a favorecer mais as populações de faixas de renda mais alta. Destaca-se o caso de Belo Horizonte, que implementou 41 km de BRT e aumentou seu PNT no nível de cidade de 16% para 27%, mas que teve o delta de acesso ao sistemas de transporte de média e alta capacidade elevado de 9 para 14 pontos percentuais.
O que precisa ser feito para elevar o PNT e reduzir a desigualdade de acesso ao transporte público?
- Expandir as redes de transporte público para áreas densas e afastadas do centro da cidade e especialmente nas áreas mais consolidadas de regiões metropolitanas;
- Promover por meio de zoneamento adequado o adensamento no entorno das estações nas regiões menos ocupadas, com infraestrutura consolidada e poucas restrições ambientais, para desenvolver novas centralidades e diminuir as necessidades de longos deslocamentos;
- Implementar políticas (ex: produção de habitação de interesse social, aluguel social e políticas de capacitação profissional) de atração e manutenção de pessoas de faixas de renda mais baixas nas proximidades do transporte público para garantir-lhes também o acesso às oportunidades da cidade;
- Qualificar as redes de transporte promovendo a integração física, tarifária, operacional e de informação entre os diferentes modos de transportes e expandir a rede cicloviária, de forma a garantir que o transporte esteja disponível também para as pessoas que moram em áreas afastadas e pouco adensadas no entorno dos corredores de transportes.
Assegurar o acesso ao transporte público é uma das formas de garantir o direito a uma cidade justa e sustentável. É importante considerar que a proximidade ao transporte é no entanto apenas um dos elementos para o acesso à cidade como um todo. Outros fatores são chave para garantir a acessibilidade como condições de circulação a pé às estações, qualidade e capacidade do serviço de transporte público ofertado e, no caso específico de políticas com olhar social, o preço da tarifa para os diferentes tipos de usuários. Cidades que orientam seu desenvolvimento e concentram uma diversidade de oportunidades de moradia ao redor das estações de transporte promovem o bem-estar da população, geram o desenvolvimento econômico e reduzem suas emissões ambientais. O indicador PNT e sua análise social permitem monitorar adequadamente o sucesso das mesmas no atingimento deste objetivo.