Imagine quantos esforços precisam ser feitos para evitar a morte de 1,24 milhão de pessoas por ano. Esse é o número médio de fatalidades que ocorrem no trânsito no mundo todo. É urgente que as cidades passem a proteger melhor seus cidadãos para que, com a atual tendência de aumento da população urbana, esse número não cresça ainda mais. Mas e se oito ações fossem suficientes para pouparmos a ocorrência de centenas de mortes ou ferimentos graves?
A publicação “O Desenho de Cidades Seguras” enumerou “oito ações para melhorar a segurança viária” e nós buscamos boas práticas e pesquisas que traduzem algumas delas.
1. Aproveite a experiência de todos os usuários da via. Para a construção bem-sucedida de uma cidade segura e hospitaleira, é imperativo consultar todos os usuários das vias, uma vez que os diferentes usuários são especialistas em suas próprias necessidades.
A cidade de Madri desenvolveu uma ferramenta chamada “Decide Madrid”, por meio da qual a população pode propor novas leis e projetos para a cidade. Grande parte das proposições dos moradores são de melhoria da segurança viária em pontos críticos de acidentes de trânsito. Uma das propostas selecionadas na edição de 2017 diz respeito à criação de ciclovias seguras nas principais rotas norte-sul e leste da capital espanhola. Outras tantas ideias registradas incluem extensão de calçadas, melhoria na sinalização de trânsito e nos limites de velocidade das vias, entre outros.
Os projetos que recebem o apoio de 1% da população cadastrada são submetidos a uma votação pública obrigatória. Depois disso, o conselho da cidade tem um mês para elaborar relatórios técnicos sobre a legalidade, viabilidade e custo das propostas, que são publicadas na plataforma. Os cadastrados podem abrir e contribuir para debates, votar a favor ou contra moções, ou fornecer comentários adicionais. A oportunidade ofertada pelo Decide Madri permite que a gestão pública conheça as verdadeiras e mais importantes demandas da população e invista recursos que vão garantir a melhora direta na qualidade de vida da pessoas.
2. Envolva diversos setores. Os governos não podem fazer tudo sozinhos. Estimule os parceiros públicos e privados de diversos setores a participar do esforço para incluir todos os usuários das vias, tanto como oportunidade de negócios como por obrigação moral. Museus, teatros, supermercados, bancos, farmácias, igrejas e associações comunitárias podem liderar a criação de cidades seguras e hospitaleiras.
3. Reconheça que um ambiente de viagens seguro contribui para a economia
Priorizar a segurança do transporte a pé em regiões de alto fluxo de pedestres muitas vezes significa ter de transformar regiões inteiras e acomodar o trânsito com medidas alternativas. Desde 2011, a região conhecida como Península Histórica de Istambul passou pelo processo de pedestrianização em mais de 200 ruas e mudou o tráfego de veículos para priorizar os deslocamentos a pé e teve bons resultados na economia local.
A iniciativa nasceu da necessidade de resolver o problema mais crítico da região, os acidentes de trânsito nas interseções. A presença acentuada de carros, ônibus e pedestres fez com que 383 acidentes de trânsito ocorressem no distrito de Fatih, em 2010. O projeto, desenvolvido pelo WRI em cooperação com a prefeitura local e o Instituto Gehl Architects, reformulou a região da Península Histórica para ser um espaço fundamentalmente para pedestres, não carros.
Após a implementação do projeto, 70% dos comerciantes que estavam há mais de 20 anos no local se disseram satisfeitos com a pedestrianização. Entre os comerciantes mais novos, instalados há menos de 5 anos na região, 88% estavam satisfeitos. A pesquisa também apontou que 77% das pessoas entrevistadas afirmaram que as ruas ao redor se tornaram mais seguras, e 83% elegeram a melhora na caminhabilidade como o benefício mais significativo do projeto.
4. Garanta que pedestres, ciclistas e passageiros do transporte coletivo saibam sobre as oportunidades e recursos existentes.
5. Adote uma abordagem “seguro em tudo” no planejamento e nos projetos urbanos. Redesenhe as interseções considerando a segurança de todos os usuários das vias. Concentre-se nas áreas próximas a comércio e serviços e naquelas com altas taxas de pedestres feridos. Instale mobiliário urbano adequado em locais recomendados por pedestres.
Seul, na Coréia do Sul, viu o número de acidentes diminuir em 39% em zonas escolares depois da implementação de melhorias de desenho e de medidas de moderação do tráfego. O número de mortes entre crianças no país chegou a 1,766, em 1988, mas foi reduzido em 95% em 2012, quando o número chegou a 83. Ações integradas de educação, medidas de moderação de tráfego, como lombadas, melhoria na sinalização de trânsito e o aprimoramento de calçadas, foram os responsáveis por salvar centenas de vidas ao redor de escolas.
6. Defenda melhorias no transporte coletivo. Concentre-se em fazer com que o transporte seja seguro, acessível e atraente para todos os usuários. Boa iluminação, sinalização clara e condutores gentis podem ser tão importantes quanto a instalação da infraestrutura adequada.
Em dez anos, entre 1996 e 2006, Bogotá reduziu as mortes no trânsito em 60%. Além de programas de fiscalização e educação no trânsito, esses números só foram possíveis com novas infraestruturas para o transporte coletivo, transporte a pé e bicicletas. A instalação do BRT Transmilênio reduziu o tempo de viagens e deu mais segurança para o entorno das estações e no acesso aos ônibus. Garantir segurança, eficiência e prioridade ao transporte coletivo incentiva mais pessoas a utilizarem-no, melhorando o trânsito das cidades. Também é possível citar Belo Horizonte, que lançou em 2014 o BRT MOVE, sistema que transporta cerca de 700 mil passageiros por dia. A cidade reconstruiu ruas centrais e criou faixas exclusivas para ônibus com faixas de pedestres de fácil acesso.
Sistemas de corredores exclusivos de ônibus BRT conseguem reduzir mortes e acidentes de trânsito em 50% por estar menos sujeito a acidentes de trânsito do que veículos de uso privado.
7. Aumente a acessibilidade a oportunidades que promovam a saúde e a interação entre as pessoas. Expanda esforços para tornar parques, trilhas de caminhadas, piscinas, praias, centros de recreação e eventos públicos acessíveis e acolhedores a todos os grupos. Ofereça programação esportiva e recreativa projetada para e do interesse de todos os usuários.
Nova York é referência quando se trata em criar espaços para pedestres. Nos últimos anos, a cidade vem transformando ruas mal utilizadas em oportunidades de devolver as áreas às pessoas. A readequação de calçadas, a criação de mini praças, calçadões e áreas livres de veículos trouxe mais acessibilidade e conforto aos pedestres. Hoje, grande parte da região da Times Square só permite o acesso de pedestres e ciclistas. A velocidade do tráfego na cidade caiu em 16%, e as colisões com ferimentos caíram 26% nas ruas que possuem os calçadões.
8. Finalmente – mas não menos importante –, inclua a segurança viária em planos de mobilidade, planos de urbanização, planos de ação e outros planos que priorizem a segurança nos projetos urbanos.
As cidades de São Paulo e Fortaleza já vêm reduzindo seus índices de fatalidades no trânsito através de medidas como velocidades mais baixas nas vias e readequação de infraestruturas viárias. Porém, mais do que ações e medidas pontuais, ambas estão trabalhando na construção de planos de segurança viária através dos Sistemas Seguros e do Visão Zero. Essas abordagens são caracterizadas por metas ambiciosas de redução de acidentes e estratégias integradas que promovem a coordenação de várias instituições ligadas ao planejamento urbano e à gestão da mobilidade da cidade.
Esse é o tipo de planejamento que pode englobar todas as outras sete ações recomendadas pelo “O Desenho de Cidades Seguras” e salvar milhares de vidas nas ruas das cidades. A forma urbana e a maneira como as cidades são projetadas podem reduzir ou aumentar a exposição da população a riscos no trânsito. A segurança viária está diretamente relacionada à qualidade de vida da população e, portanto, precisa ser priorizada na gestão de todas as cidades.
Via: TheCityFix Brasil