Em 1º de Outubro de 1908 a Ford lançava no mercado norteamericano seu modelo que inaugurou a indústria automobilística e estabeleceu novos rumos para a produção industrial em massa na época, o Ford T. Inspirado em sistemas fabris de indústrias de armas e máquinas de costura, a partir de 1913 Henry Ford implementa o processo de produção serial e a linha de montagem para esse modelo de carro seguro, simples, confiável e, sobretudo, barato.
O barateamento no processo de fabricação a partir da operação industrial empreendida por Ford foi tão notável que no ano de seu lançamento o modelo T custava US$ 850, e conforme os processos produtivos foram se aperfeiçoando em um sistema massivo e serial de produção, em seu último ano de fabricação, 1927, o carro valia US$ 290. A inserção do automóvel em uma operação fabril deixou para trás a produção artesanal das peças e otimizou custos, tempo e logística para esse mercado.
Assim como a indústria automobilística, o mercado da construção civil movimenta grandes montantes de capital, com grandes investimentos e incentivos, e envolve muitas pessoas em suas cadeias produtivas. Apesar disso, a recorrência à tecnologia e às fábricas não se deu da mesma forma nesses dois setores. No âmbito da arquitetura, a construção a partir de peças de fábrica ainda representa uma parte limitada do que se produz de maneira geral, muitas vezes restrita a programas específicos. No entanto, é importante destacar alguns esforços nesse sentido, uma vez que a obra que se utiliza de elementos pré-fabricados na indústria representa, muitas vezes, uma melhor condição de trabalho no canteiro, além da economia de tempo, material e dinheiro.
A preocupação em considerar os adventos da indústria na produção de edifícios já era presente nos escritos do arquiteto alemão Walter Gropius que, em 1929 no manifesto Bauhaus: novarquitetura, coloca:
Assim como hoje em dia 90% da população não pensa mais em encomendar sapatos sob medida, limitando-se a usar produtos em serie como consequência de métodos aperfeiçoados de fabricação, no futuro o indivíduo poderá encomendar no depósito a sua moradia mais adequada. A técnica moderna talvez esteja à altura desta tarefa, mas não a organização econômica do ramo das construções que ainda depende inteiramente de métodos de trabalho manual e não reserva um papel menos restrito à máquina. O remodelamento racional da organização da construção no sentido industrial é, por isso, uma condição imperativa para uma solução moderna deste importante problema.
No caso da Europa, o uso de sistemas de construção com pré-fabricados industriais teve um grande crescimento no cenário de reconstrução pós Segunda Guerra Mundial, momento a partir do qual esse setor teve grande impulso e desenvolvimento técnico, estabelecendo-se como método amplamente utilizado na construção civil. Pouco depois, a fabricação de peças também chega aos Estados Unidos com grande força e se afirma de forma definitiva a partir da construção dos grandes arranha-céus nas cidades norte-americanas.
No Brasil, alguns arquitetos desempenharam um esforço notável para incluir os processos industriais na lógica de produção de suas obras. Não apenas com propostas que se valiam de elementos pré-fabricados, mas também recorrendo às técnicas da indústria para pensar nas obras - como o planejamento do canteiro, a programação e execução de etapas de forma rigorosa, a mecanização de tarefas e a especial atenção à forma de gerir canteiro e mão de obra -, esses profissionais contribuíram para alavancar conhecimento técnico e produtivo no mercado da construção civil.
Formado em 1955, o arquiteto carioca João Filgueiras Lima, ou Lelé, teve, desde o início de sua carreira, contato com grandes nomes da arquitetura nacional no âmbito da construção de Brasília. Depois desse período de experiência, no qual trabalhou com Oscar Niemeyer em alguns projetos, Lelé passa a se dedicar mais intensamente às reflexões acerca da eficiência construtiva de suas obras.
Nesse sentido, propôs estratégias de projeto que tornassem o processo de obra mais sustentável, rápido, organizado e limpo. Em sua trajetória, utilizou-se dos sistemas de pré-fabricados em concreto armado e protendido e elementos autoportantes de argamassa armada. Além disso, no final da década de 1970, implementou o sistema leve em aço em suas conhecidas fábricas em Salvador, que passaram a ser centros de pesquisa e desenvolvimento técnico tem termos de eficiência na construção. Lelé pode ser considerado o mestre do assunto no âmbito da produção nacional, e certamente inspirou as gerações seguintes à recorrerem à industrialização em seus processos de projeto.
Modulação e uso de elementos pré-fabricados também está presente na obra de outros nomes centrais da arquitetura nacional. Paulo Medes da Rocha, por exemplo, inaugura nos anos 1960 uma tipologia de edifícios residenciais verticalizados na cidade de São Paulo, que se valiam da expressividade material do concreto. O primeiro exemplar desse conjunto é o Edifício Guaimbê, que aparece como alegoria entre à tendência à industrialização da construção civil e as limitações tecnológicas que impediam muitas vezes a execução à risca do projeto: a ideia original da proposta, elaborada em coautoria com João Eduardo de Gennaro, apresentava lajes, brises e outros elementos de concerto pré-frabricados, no entanto, após o início da obra, verificou-se a infactibilidade de tais elementos. Em uma edição de 1967, a revista Acrópole publicou um artigo que atribuía essa impossibilidade às limitações técnicas da solução proposta.
A despeito dessa experiência, Mendes da Rocha esteve envolvido em outros projetos posteriores que se valeram desse tipo de sistema de produção, como é o caso do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado (em colaboração com Villanova Artigas e Fábio Penteado), da Casa no Butantã, entre outros.
Outro nome central da busca pela industrialização dos processos construtivos é Eduardo de Almeida. Em seus reconhecidos projetos de grandes tipologias o arquiteto aliou os sistemas construtivos disponíveis no Brasil com tecnologias que vinham sendo desenvolvidas em outros países. Exemplo disso é o projeto para o escritório da empresa metalúrgica Morlan em São Paulo, que combina uma estrutura em concreto armado com uma cobertura de treliças metálicas espaciais cujo sistema de fabricação fora desenvolvido por uma indústria alemã, MERO, que produzia peças independentes cuja articulação se dava apenas com encaixes, sem a necessidade de recorrer a soldas ou parafusos.
A produção contemporânea certamente se inspirou nessas experiências e, em um contexto de maior desenvolvimento dos catálogos e possibilidades construtivas com peças pré-fabricadas, escritórios em atividade tem obras notáveis que demonstram o potencial da construção industrializada. Exemplo disso são obras como o Estúdio Madalena, do Apiacás Arquitetos, edifício feito a partir de uma estrutura metálica e painéis de concreto pré-fabricados, organizados a partir de um sistema desenvolvido pelo próprio escritório. Outra experiência muito recente é a do escritório Metro Arquitetos Associados no projeto para a Nova Casa Triângulo em São Paulo, com placas cimentícias e de policarbonato, além de painéis de chapa de aço expandido modulares também produzidos industrialmente.
Seja na experiência automobilística ou na da construção civil, a industrialização é um fator do desenvolvimento econômico que tem grandes condições de atribuir qualidade aos produtos finais e aos processos construtivos. Se o Ford T representou esse advento de forma tão simbólica e decisiva a partir de 1908, a arquitetura e a construção ainda buscam, sem perder de vista exemplos e iniciativas notáveis, estabelecer seu posto fixo dentro dessa estratégia fabril.
Referências bibliográficas:
Página Ford Model T da Wikipedia disponível aqui;
GUERRA, Abílio; MARQUES, André. João Filgueiras Lima, ecologia e racionalização. Vitruvius, 16 jun, 2015.
BREYTON, Ugo. O emprego de estruturas metálicas tri-dimensionais em quatro projetos de Eduardo de Almeida. Pesquisa de Iniciação Científica, Escola da Cidade, São Paulo 2017.