A Gehl acaba de publicar o seu ‘Masterplan Framework with ecology at its heart’, um interessante estudo de caso desenvolvido em Huechuraba, região central do Chile. A equipe composta por David Sim, Esben Neander Kristensen, Alexander Spitzer e Tamara Kalantajevska chama a atenção para a vocação ecológica do plano diretor estratégico desenvolvido em parceira com a empreiteira chilena Tanica.
Santiago de Chile, capital e maior cidade do país—com uma população de aproximadamente 7 milhões de habitantes—, encontra-se localizada no vale central do Chile, junto ao pé de ambas cordilheiras que atravessam o país, a Cordilheira dos Andes e a Cordillera da Costa Oeste. Neste contexto único, a cidade de Santiago se desenvolveu muito rapidamente, especialmente ao longo das últimas décadas, expandindo-se a partir de seu núcleo histórico central para áreas periféricas anteriormente rurais. Atualmente, muitos destes núcleos marginais da região metropolitana de Santiago ainda conservam características típicas dos antigos povoados rurais.
No extremo norte da capital, encontra-se um destes distritos: Huechuraba. Convidado pela Tanica, a empreiteira responsável pelo desenvolvimento urbano da região, a Gehl criou um plano diretor inovador para uma área de 150 hectares.
Definir estratégias de desenvolvimento urbano e ocupação do território nunca é tarefa fácil, ainda mais quando o objeto de estudo encontra-se em uma situação tão peculiar como esta. Implantada entre a Cordilheira dos Andes, uma rodovia e dois bairros pré-existentes, esta vasta área demandava um projeto cuidadoso, algo capaz de criar uma clara distinção em relação ao padrão de ocupação existente. Huechuraba foi concebida para ser uma cidade agradável de se viver, vibrante e inclusiva, uma nova porta de entrada ao norte de Santiago.
‘Exame de saúde’: uma análise das condições locais específicas
Ao dar início ao projeto, a equipe da Gehl levou a cabo o que costumamos chamar de “exame de saúde” urbano, um processo de análise que tem como principal objetivo coletar uma série de dados específicos sobre o local. Isso inclui o mapeamento da infraestrutura existente e sua qualidade, assim como a avaliação dos principais fluxos dentro da área e pesquisas de origem e destino. A partir disso foi possível melhor entender as dinâmicas que operam no local, estabelecendo um plano diretor base sobre o qual é possível trabalhar com mais precisão.
Ao realizar o check-up da área, a equipe percebeu que haviam nas proximidades dois bairros de características completamente diferentes. De um lado, um enorme condomínio fechado com acesso privado e pouquíssima movimentação de pessoas, do outro, um bairro de uso misto mais denso com um centro urbano vibrante e dinâmico. A partir da observação destas duas cidades paralelas, procuramos criar um novo bairro que pudesse estabelecer relações com seus dois vizinhos, estabelecendo um espaço urbano atraente, agradável e capaz de conectar estas duas realidades antagônicas. Além disso, a partir deste estudo de caso, foi possível destacar uma série de questões que o plano diretor deveria buscar responder:
Estrutura do Plano Diretor
Com estas informações em mãos, partimos para a estruturação do plano diretor, o qual consiste em dois momentos. O primeiro, um plano diretor estratégico que serviu para analisar as condições físicas existentes e assim definir a localização exata dos espaços e infra-estruturas públicas da área; e o segundo, um plano diretor avançado, onde identificamos e definimos cada uma das tipologias de edifícios, os quais procuram atender às demandas atuais e futuras da área e, em última instância, promover a diversidade e a qualidade dos espaços públicos e edifícios.
Plano Diretor Estratégico
O Plano Diretor Estratégico estabelece as características físicas específicas do local, delineando cada um dos seus espaços públicos além de estabelecer uma hierarquia clara de ruas e infra-estruturas urbanas—ele fornece a base para o desenvolvimento posterior do plano diretor avançado.
Mapeamentos:
- Rodovias, passeios e conexões;
- Árvores existentes;
- Áreas agricultáveis;
- Análise dos ciclos das águas e fluidos, identificando possíveis áreas alagáveis;
- Análise da topografia, identificando condições espaciais únicas;
- Mirantes e ponts de interesse.
Plano do espaço público
Dado o contexto específico analisado, suas possibilidades e limitações, foi importante neste primeiro momento estabelecer uma rede de infra-estruturas, vias e espaços públicos com uma hierarquia bem definida. A equipe da Gehl começou mapeando os principais elementos de escala urbana, passando para a escala de bairro até a micro-escala. Sabemos que a definição de uma hierarquia espacial clara é fundamental para que as pessoas entendam e se relacionem com a identidade e a funcionalidade de um determinado espaço. De grandes avenidas a pequenas ruas locais e relações de vizinhança, a hierarquia serve para que as pessoas possam ler a estrutura urbana com mais facilidade, o que, por sua vez, determinará a maneira como elas se apropriam e se relacionam com espaço. Isto é particularmente importante em bairros de alta densidade, algo que proporcionará vitalidade à cidade que se pretende criar.
Estudos de Tipologia
Com base na proposta de desenho urbano e na hierarquia espacial estabelecida no plano diretor estratégico, partimos então para os estudos de escala e tipologia, identificando e definindo os usos de cada quadra e edifício de forma a estabelecer uma estrutura urbana coesa, funcional e inclusiva. Trabalhando a escala dos blocos, a Gehl desenvolveu uma série de “conjuntos”, os quais são compostos por uma variedade de tipologias de construção que podem ser utilizadas de acordo com as necessidades de cada área. Incluindo uma ampla gama de tipologias, casas isoladas, casas geminadas, edifícios de apartamentos e de uso misto, cada um destes conjuntos se converte em uma estrutura urbana diversa e dinâmica, proporcionando diversas escalas de espaços públicos—respondendo às características especificas de cada quadra. A organização dos quarteirões, por sua vez, também procura responder às condições específicas do território, além de considerar o movimento do sol, os cursos d'água e os ventos predominantes.
A diversidade tipológica proposta oferecerá melhores oportunidades para seus habitantes, estabelecendo áreas de vizinhança e micro-climas específicos, que por sua vez, favorecerá o uso e a apropriação dos espaços públicos pelos moradores e visitantes, um ciclo que se auto-renova, aproveitando ao máximo as condições naturais específica de Huechuraba.
Plano Diretor Avançado
Propõe-se que cada unidade de vizinhança conte com um programa especial, o qual responde à condição física específica em relação à geografia do lugar, resultando em uma estrutura de fácil leitura e orientação. Estes programas foram divididos em setores: alimentação, tecnologia, recreação, cultura, educação e saúde.
Cada bairro conta com um sistema interno interconectado de espacios públicos, compreendendo uma área contínua de borda, um cruzamento principal, um percurso acessível para pedestres, uma praça pública pavimentada e um parque urbano.
... próximos passos
O plano diretor desenvolvido pela Gehl, entregue em 2019, está atualmente em processo de aprovação. Em colaboração com a equipe da Gehl, a empreendedora local está selecionando os escritórios de arquitetura para começar a desenvolver cada um dos projetos específicos. Ao longo deste processo, estaremos trabalhando em estreita colaboração com cada uma das partes envolvidas para orientar e direcionar os processos de projeto, garantindo assim que o conceito geral prevaleça. As obras no local estão agendada para começar no próximo mês de outubro.
Localização: Huechuraba / Chile
Ano: 2019
Cliente: Tanica
Equipe de projeto: David Sim, Esben Neander Kristensen, Alexander Spitzer, Tamara Kalantajevska
Serviços: Masterplanning & Design
Área: 150ha