Com objetivo de conhecer os arquitetos, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa de referência, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, lançou o podcast No País dos Arquitectos, em que conversa com importantes nomes da arquitetura portuesa contemporânea.
Em seu primeiro episódio, Sara conversou com o arquiteto João Luís Carrilho da Graça sobre seu Terminal de Cruzeiros em Lisboa, e, em seguida, recebeu João Mendes Ribeiro para uma conversa acerca de temas como patrimônio, reuso de antigas estruturas e arquitetura da paisagem, a partir do projeto de reabilitação da estufa do Jardim Botânico de Coimbra. Neste terceiro encontro, Sara conversa com a arquiteta Inês Lobo sobre a Biblioteca Pública e o Arquivo Regional de Angra do Heroísmo. Leia a entrevista na íntegra ou ouça o podcast, a seguir.
Sara Nunes: A arquitecta ao longo dos anos tem desenvolvido muita obra pública. O que mais a fascina nas obras públicas?
Inês Lobo: Costumo dizer que aquilo que mais me fascina no universo da Arquitectura é a obra pública e tem a ver com esta ideia de que quando fazemos obra pública estamos a construir para todos nós. É nesse lado humanista que eu penso que aquilo que é determinante no papel do Arquitecto (e em que eu me revejo muitíssimo) é a oportunidade de contribuir para a requalificação do espaço público das nossas cidades.
SN: Acha que a missão do Arquitecto é mais verdadeira e mais plena nas obras públicas?
IL: Não, eu não diria isso. Eu acho que o tema do habitar, por exemplo (tanto o habitar colectivo, como o habitar individual) é um dos temas mais fascinantes da Arquitectura também. A única questão que tem a ver com a obra pública é esta ideia da possibilidade de usufruto por todos, mas não quer dizer que as nossas casas não sejam usufruídas por muitos de nós... mas penso que esta ideia que desenhamos, construímos espaços, que estão abertos e são de livre acesso é uma coisa muito, muito interessante. Não é algo que qualifique, é uma condição.
SN: E esta obra é também uma obra pública. Este edifício situa-se em Angra do Heroísmo. Tinha estado na ilha anteriormente?
IL: Sim, eu conhecia bem os Açores porque o primeiro concurso que ganhei não foi na Terceira, foi em São Miguel, e portanto já conhecia bem as várias ilhas antes de ter ganho o concurso.
SN: Quando participou no concurso quais eram os desafios que a biblioteca pressuponha e qual a vossa resposta a esses desafios?
IL: Ora bem... Penso que a primeira questão e talvez a mais fundamental naquele concurso era, efectivamente, estarmos a construir uma cidade que era património mundial que era incontornável e que contribuía para que houvesse um certo peso.
SN: Responsabilidade?
IL: Exactamente, uma grande responsabilidade neste desafio. Angra do Heroísmo é, realmente, uma cidade muito, muito bonita. O concurso tratava de construir este edifício no meio do centro histórico e, para além disso, o segundo desafio que se junta a este e que penso que não são indissociáveis era também a questão do programa. Um programa, mais uma vez, também um pouco pesado para a dimensão do espaço em causa. A conjugação destas duas coisas que é: por um lado, intervir no cerne de uma cidade património mundial e ter que encontrar uma solução que encaixasse num programa com bastante complexidade e com uma área muito significativa veio-se a revelar o maior desafio deste concurso e consequentemente do projecto que viemos a ganhar.
SN: E como é que resolveu por um lado esta localização com este peso e, por outro, este programa extenso. Como é que conjugou essas duas vertentes no projecto?
IL: O terreno, o sítio é um sítio com uma topografia muito acidentada, com uma diferença de quota muito significativa e houve duas coisas que propusemos que foram importantes para o ajuste da escala da construção àquele lugar. Uma foi propor que a área mais significativa da biblioteca, que eram os arquivos, funcionassem com uma tipologia de pé direito duplo e numa espécie de arquivos sobrepostos, de estantes sobrepostas, que levou à redução significativa da área a construir. Isso foi extremamente importante, ou seja situa-la na quota mais baixa, mas ainda assim com acesso a partir da rua porque também torna bastante fácil o acesso a esses espaços; e depois desenhar o edifício então já com mais liberdade sobre este primeiro conjunto de espaços e, acima de tudo, relacioná-lo com o Palacete do século XIX (Palacete Silveira e Paulo) que faz parte do mesmo lote, desenhando o edifício quase como se fosse uma espécie de muro do próprio palacete. Muro esse que começa por definir o limite do novo jardim para o palácio e muro que acaba por incluir no seu interior o programa da biblioteca. Portanto, chegámos a um ponto onde o nível de abstracção é bastante grande, em que a presença do edifício é quase sempre um muro, o muro que limita o lote e que não deixa antever nem a escala da biblioteca, nem mesmo o que são os seus espaços. Uma das coisas que eu acho mais bonitas – e foi também a mais surpreendente na relação que as pessoas vieram a estabelecer com o edifício – é esta ideia de surpresa. É um edifício que se descobre e descobre-se mesmo só depois de entrar e a surpresa é muito grande: a surpresa do espaço que se encontra, da relação que se consegue ter a partir do interior do espaço com a envolvente, com a paisagem a uma escala maior e também a surpresa da escala. Ninguém imagina que há espaços tão grandes quando percorre o edifício no seu perímetro.
SN: Engraçado estar a dizer isso porque eu não conheço o edifício, mas estive à procura de várias fotos e tive essa sensação. Não há nenhuma foto que resuma o edifício no seu todo. É preciso ver uma série delas e mesmo nos desenhos sucede a mesma coisa para podermos compreender o edifício. Ou seja, é preciso caminhar à volta do edifício para ter a dimensão, a percepção de como é que ele é. Perguntava-lhe agora... Sei que o seu pai teve uma actividade profissional ligada às bibliotecas da Gulbenkian, essa proximidade com o tema da leitura e das bibliotecas ajudou-a a desenvolver este projecto?
IL: Claro que sim. Quer dizer o tema do Livro é um tema que me acompanha, desde a infância. O meu pai era, acima de tudo, um amante da leitura e era um conhecedor extremo daquilo que o programa da biblioteca foi ao longo dos anos. Portanto, acabei por discutir bastante com ele o que é que era isto de construir uma biblioteca hoje, já que é um programa, que tem mudado muito ao longo da história. As bibliotecas começaram por ser espaços para poucas pessoas, ou de acesso restrito só a alguns, como era o caso dos homens que se dedicavam ao conhecimento e à cultura. Depois, nos anos 60, há uma transformação enorme com a tentativa de fazer chegar o Livro a todos. O meu pai trabalhou nas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, que foi um programa fundamental em Portugal para a divulgação do Livro e da Leitura e extremo neste sentido de tentar fazer chegar a biblioteca a todos.
Falamos aqui de meter bibliotecas em carrinhas que circulavam sob o nosso território. Portanto, essa ideia que depois também se veio a reflectir no programa e na tipologia dos edifícios com esta ideia da biblioteca de livre acesso. Naquela época, tivemos também bastantes reuniões com o Instituto Português do Livro e da Leitura em que a ideia era mesmo essa: a de tentar que o espaço da biblioteca fosse verdadeiramente um espaço de livre acesso. Ou seja, queríamos que quem entrasse na biblioteca e pegasse num livro pudesse escolher livremente o lugar onde o vai ler e, assim, a biblioteca deixa de ser seccionada e compartimentada. Isso deu origem àquilo que o edifício também é: um edifício de livre acesso, onde o Livro e o Leitor podem circular em qualquer um dos espaços (no interior ou no exterior) e eleger o seu lugar de leitura.
SN: Agora que fala sobre esse tema... Atualmente temos acesso a tanta informação e também aos livros online, faz sentido continuarem a existir bibliotecas públicas? (Isto é uma provocação, atenção!)
IL: (risos) Eu acho que sim, eu penso que as bibliotecas começam por ser lugares de silêncio, lugares públicos onde nós nos podemos refugiar. Penso que essa é a primeira condição das bibliotecas, são lugares também onde nós podemos descobrir imensa coisa, podemos cruzar-nos com imensas estórias, que é isso que os livros contêm. Eu penso que o mundo digital e o livro digital, etc. é extremamente positivo, tal como o livro em papel quando foi feito. Eventualmente, aumenta ainda o acesso de todos nós à informação, mas não faz desaparecer... Uma coisa não se sobrepõe à outra, parece-me. É importante é que as bibliotecas passam a ser mais tecnológicas, neste sentido que é: eu posso ir à biblioteca e ler um livro digital, também posso ter essa informação lá. Neste caso, a biblioteca não é só biblioteca.
SN: É arquivo, não é?
IL: Exacto! E esta ideia do arquivo também é bastante interessante. Estes lugares são os lugares onde se deposita o conhecimento, seja de que forma for. E depois dele ser depositado são exactamente os lugares da partilha desse conhecimento também, da partilha do livro connosco, da partilha de várias pessoas à volta de temas e à volta do conhecimento. Portanto, são lugares que não deverão nunca desaparecer, como é óbvio.
SN: Já agora, faço uma pergunta indiscreta: O seu pai visitou a biblioteca?
IL: Sim, sim.
SN: O que é que ele achou?
IL: Ele sempre gostou de tudo o que a filha fez, portanto... (risos)
SN: (risos) Trabalha muito com maquetes durante o seu processo criativo. Fale-nos um pouco sobre o processo criativo deste projecto, arquitecta.
IL: Sim, é verdade. As maquetes são para mim uma forma de trabalhar mais ou menos incontornável. Ou, pelo menos, as representações tridimensionais, que hoje em dia também neste caso passamos a ter mais instrumentos virtuais e a possibilidade de simular tridimensionalmente não só manualmente, mas também através dos computadores, tanto uma coisa como outra. E as maquetes porquê? As maquetes porque são, eventualmente, a primeira forma que nós temos de construir. E este acto de construir tridimensionalmente obriga-nos permanentemente a fazer um exercício em que pomos os problemas todos a jogo. Isso para mim é uma coisa que, como método de trabalho, penso que é extremamente importante. O nosso método de trabalho, eventualmente, associa-se um pouco ao trabalho (ou pode-se comparar um pouco) dos cientistas em que cada vez que temos um projecto novo para fazer abre-se um campo de investigação. Isto para mim é um tema fundamental – abre-se um campo de investigação e abre-se também uma oportunidade de conhecimento. E tentámos pôr exactamente as questões todas em cima da mesa que cada um dos projectos nos levanta, sem preconceitos. Tentámos discuti-los todos bastante à partida, e depois das soluções começam a aparecer as hipóteses das soluções. E é a partir desse momento que ensaiamos de várias maneiras, mas como disse muito desse ensaio é através de modelos tridimensionais e fazendo outros exercícios que eu penso que são extremamente importantes, que são exercícios de síntese permanentemente. Tentamos entender aquilo que estamos a propor ou porque escrevemos, ou porque tentamos encontrar formas de registar muito simplificadas, que sejam efectivamente sínteses dos projectos que estamos a propor. E isso leva a que as soluções se vão fechando, ou pelo menos que nós começámos a escolher um caminho, em detrimento de outros. É um processo complexo e há outra coisa que eu acho importante que tem a ver com esta ideia de ser um processo que tem sempre coisas em aberto. Às vezes, isso pode ser uma fragilidade.
SN: Em que sentido?
IL: Por exemplo, neste edifício na Biblioteca nós tivemos até muito tarde para definir como é que se construía aquilo a que nós chamamos a cobertura que, no fundo, é aquela peça em vidro, U Glass, de perfis de vidro que faz a cobertura. Foi quase propositado. Nós sabíamos o que queríamos que aquilo fosse, mas tardamos a fechar a solução. Deixar coisas em aberto, eventualmente, tem a vantagem de não cristalizar as soluções, de nós percebermos que elas têm a capacidade durante o processo para se questionarem, para voltarem atrás, etc. Ou então até, por vezes, como uma espécie de teste às decisões que vamos tomando, perceber se elas se aguentam ou se não se aguentam.
SN: Ver se elas se aguentam ao tempo?
IL: Ver se elas se aguentam ao tempo, exactamente, e às nossas dúvidas.
SN: Agora que falava da cobertura, pergunto-lhe o porquê da escolha do vidro U Glass.
IL: O vidro U Glass é um material que... Quer dizer, para fazer aquela superfície grande e envidraçada pareceu-nos bastante interessante porque ele consegue ter perfis com uma altura bastante significativa e nós queríamos, acima de tudo, que esta peça fosse bastante homogénea. Portanto, não estávamos a imaginar que isto fosse vidro com caixilhos, etc., com um sistema muito complexo. Portanto, queríamos mesmo que tivesse bastante homogeneidade e é o ponto de entrada de luz do edifício. Como sabe, os Açores têm uma luz bastante constante com as oscilações térmicas também bastante menores do que o continente e, portanto, este sistema parecia funcionar bastante bem. Mesmo assim e vou revelar uma das coisas que correu menos bem neste processo em relação ao vidro. Aquilo que nós tínhamos previsto era um vidro pintado, que reduzia um pouco a capacidade lumínica que lá temos hoje, que depois não foi executada em obra e, eventualmente, esta solução que lá está peca em parte pelo excesso de luz.
SN: Mas pintado como? Agora fiquei curiosa. Penso que nunca vi nenhuma solução de U Glass pintado. Como é que funciona?
IL: É mesmo pintado, as peças são pintadas. Tem uma tinta, mas deixa passar a luz na mesma porque não ficam opacas. Essa tinta torna-as translúcidas, quase como se fosse vidro fosco, mas enfim...
SN: Entendi! O trabalho de equipa é fundamental para o sucesso de um projecto e neste projecto sei que houve um envolvimento grande. Agora que falamos também de construção, não só da sua equipa de projecto, mas também senti que, a dada altura por uma entrevista que li, os próprios carpinteiros se envolveram de forma bastante entusiasta neste processo. Fale-nos como funcionou este trabalho de equipa a vários níveis.
IL: A Arquitectura é um trabalho de equipa e as equipas são equipas muito alargadas. Eu penso que o mundo não tem consciência da quantidade de pessoas que trabalham para se conseguir que uma obra se faça. Não é uma sensação, tenho mesmo a certeza disto. Só a equipa de projecto que são dezenas de pessoas de variadíssimas especialidades, com quem nós no nosso quotidiano temos relações de partilha, de trabalho, etc. muito intensas e que são determinantes para as soluções finais. Os projectos são muito discutidos e são muito discutidos em várias áreas. Depois há outra figura da grande equipa de projecto fundamental que é o cliente. Quem encomenda... costuma-se dizer que só há bons projectos com bons clientes.
SN: É verdade! (risos)
IL: A encomenda também é uma coisa extremamente importante e, neste caso, na Biblioteca dos Açores o processo foi muito complexo porque a obra esteve parada durante muito tempo. Apanhou um momento de crise muito forte, a construção parou, ficou a meio, a empresa faliu, desapareceu. Penso que foi extremamente difícil, não só para o dono de obra, como também para a população em geral de Angra do Heroísmo. Chegou a um ponto em que se pôs a hipótese de demolir aquilo que já estava construído e nesse momento houve necessidade... Quer dizer, o cliente teve mesmo que querer construir e lutou imenso por isso!
SN: Estamos a falar de quantos anos, Inês, só para termos uma ideia.
IL: O início e o fim da construção eu já não lhe consigo dizer, mas foi quase dez anos. Foi realmente um processo muito longo. A história mais bonita é que depois junta-se a esta equipa de projecto a grande equipa de construção, que é um mundo incrível. Só quem nunca passou por este universo da construção é que não percebe o bonito que é ver o envolvimento de quem constrói com aquilo que nós projectamos e imaginamos. E na biblioteca aconteceu uma coisa muito interessante. Como eu lhe disse houve, de facto, esta dificuldade que foi a obra estar parada muito tempo e a população globalmente começou a criar uma certa antipatia por aquela obra. Quando chegou a altura da construção do mobiliário do interior da biblioteca, que tem um peso significativo e é muito importante, a equipa de carpinteiros que veio fazer este trabalho entusiasmou-se imenso, fizeram um trabalho incrível e eu dizia-lhes: “Ah, realmente isto é um problema porque as pessoas não gostam da biblioteca. Vai ser uma chatice”. E eles comentavam: “Isso é porque ainda não entraram cá dentro”. (risos) Estavam tão orgulhosos do seu trabalho...
SN: Eles próprios sentiam esse orgulho, não é?
IL: Sim, sem dúvida!
SN: Que bom!
IL: É importante perceber que, uma obra, no fim, não é construída por nós. Ela só está ali porque existem todos estes mestres que a constroem, senão ela não existia. E hoje em dia é uma pena porque estas profissões da área da construção são muito menorizadas e elas são fundamentais.
SN: Eu acho muito importante também esta ideia do seu trabalho, arquitecta, não só de colaboração com a sua equipa e em obra, mas colabora também com outros arquitectos frequentemente, como é o caso do arquitecto João Mendes Ribeiro com quem estivemos à conversa. O que é que acha que a Arquitectura beneficia com a colaboração?
IL: Beneficia imenso. A Arquitectura é feita sempre em colaboração! A nossa condição é essa. Eu costumo dizer que nós somos uma espécie de fazedores de sínteses. Estamos sempre a fazer sínteses de saberes, uma espécie de sanguessugas. (risos)
SN: Beber a várias fontes?
IL: Exactamente! A colaboração também depois com outros arquitectos é também extremamente interessante porque é uma coisa que nos tira da nossa zona de conforto. Os homens são animais de hábitos (como se costuma dizer) e tentam sempre encontrar zonas de conforto e, eventualmente, permanecer nelas. Penso que na nossa actividade é importantíssimo nós sermos retirados da nossa zona de conforto para voltar a pôr tudo em causa. De qualquer forma, o pôr em causa é extremamente importante e quando fazemos parcerias com outros arquitectos é isso que acontece porque as formas de fazer são diferentes, porque a discussão torna-se mais aberta. Portanto, a sensação que eu tenho é sempre a de que os trabalhos ganham imenso com isso.
SN: A Inês dá aulas em Lisboa. O que é que gostava que os seus alunos aprendessem?
IL: (risos) Eu acho que conseguimos ensinar muito pouco.
SN: (risos) Então? São eles que a ensinam, Inês?
IL: Também, também. Aprendo imenso com eles! Quer dizer, hoje em dia se me perguntarem o que é determinante na formação do Arquitecto... Quer dizer, há uma coisa que é extremamente importante e que é responsabilidade nossa porque penso que não podemos continuar a formar arquitectos como formávamos antigamente, por variadíssimas razões. Os problemas que hoje em dia nos são postos não são os mesmos, são diferentes e, eventualmente, de uma maior complexidade. Esta ideia do Arquitecto como o Autor penso que já morreu há muito tempo. Nós não podemos formar arquitectos com esta ideia de que todos vão ser arquitectos projectistas e só isso é que os fará ser determinantes na nossa sociedade. Eu não concordo nada com isso. Penso que cada vez mais é preciso que os arquitectos ocupem várias áreas da nossa sociedade para que as questões fundamentais da Arquitectura, ou seja a requalificação das cidades, a invenção dos espaços seja discutida em mais lugares. Temos de ter consciência que nós actuamos e a nossa disciplina é uma disciplina transversal a todos nós, não pertence só aos arquitectos, pertence ao mundo, pertence a todas as pessoas que habitam o mundo. Nós temos que ter a capacidade cada vez mais de promover a discussão em torno daquilo que é importante na Arquitectura e para isso é preciso formar pessoas que o consigam fazer. Portanto, temos de formar pessoas cada vez mais completas no seu conhecimento. Isto é, ter um conhecimento muito aberto na área da Arquitectura. Não nos podemos fechar dentro da nossa disciplina, temos de ser cada vez mais abertos, transversais, cruzar ideias e cruzar ideias com outras áreas disciplinantes. Isso penso que é talvez o fundamental hoje em dia. O resto aprende-se e aprende-se a trabalhar nos vários contextos que vamos encontrar para construir a nossa vida profissional que hão de ser muitos diversos. Alguns deles ainda não sei quais são. Costuma-se dizer que a maior parte das profissões que os nossos filhos irão ter nós ainda não sabemos o nome delas. Ou seja, podem ter feito a formação de arquitectos e acabarem a fazer coisas surpreendentes.
SN: A formação como ponto de partida, não é?
IL: A formação, a educação é a questão central de todas as sociedades. Não nos podemos esquecer disso! E também não nos podemos esquecer que não começa na universidade, começa muito antes e é no muito antes que temos de investir muito também.
SN: Sim. É verdade! Uma última pergunta, sei que existe uma história interessante na criação do nome do atelier. Não sei se pode partilhar connosco essa história...
IL: Eu não queria que o atelier se chamasse ‘Inês Lobo, Arquitectos’ e o meu sócio João que não é arquitecto respondeu: “Nem pensar, claro que se vai chamar ‘Inês Lobo Arquitectos’, vai-nos dar imensa visibilidade porque isto de ser mulher vai contar imenso num futuro próximo”. E, de certa forma, tem razão, mas é um tema que a mim não me entusiasma muito.
SN: Mas ele tinha razão? Depois passados estes anos todos...
IL: Ele tinha razão pela piores razões. (risos)