A Batalha de Ideias é uma série anual de debates sediada em Barbican, Londres, que abrange assuntos que vão desde neurociência a música, e tudo aquilo que estiver entre. Com um forte viés em arquitetura e urbanismo, este ano a série ofereceu uma ótima chance de sondar as tendências populares e os modismos no mundo do design atual.
A seguir os pontos altos do evento.
Alastair Donald - que teve um papel de destaque e produção, presidindo ou falando em uma série de sessões - disse que o espírito da Batalha de Ideias é encorajar os palestrantes a desenvolver novas formas de pensar sobre um assunto. Acolhe ideias pouco populares ou incomuns, e então praticamente força os palestrantes a defender estas ideias com pensamento claro. Não tolera aqueles que encobrem detalhes, que é muitas vezes o caso quando especialistas falam em público.
Este espírito foi mostrado ao longo dos dois dias. Membros da audiência foram levados a um turbilhão de ideias tanto no centro quando nas margens do pensamento estabelecido.
A primeira sessão, intitulada "Pop-ups: exageradas e por toda a parte?" foi aberta com o entusiasmo característico de Oliver Wainwright, crítico de arquitetura do Guardian. Wainwright lamentou a mudança de pop-ups desde sua origem como formas de urbanismo táticas de massas. Ele acha que se tornaram cooptados pelo governo e capital, observando que são agora um "cínico tapa-buracos" antes do dinheiro ou da aprovação de um projeto permanente e mais lucrativo, ou "remendos frágeis que cobrem as feridas chorosas da desaceleração econômica".
Reforçando a visão de Wainwright no debate estava Alastair Donald e Pedro Bismarck, que vêem nosso fascínio por pop-ups como um sintoma da recusa em lidar com questões políticas sérias. Donald as vê como parte de um "vácuo de ideias" mais amplo na arquitetura, já que arquitetos pararam de realmente acreditar na arquitetura como agente de mudança. Bismarck ressaltou que a tendência de pop-ups serem projetados por arquitetos jovens para comunidades desfavorecidas, e portanto caracterizadas como "estruturas precárias para pessoas precárias".
Entretanto Cany Ash, de Ash Sakula Architects, falando em favor de pop-ups, considera sua proliferação o resultado de uma espécie de impaciência improdutiva. Observou que pessoalmente encontrou-se "nauseada pelas décadas de urbanismo sem imaginação" e reforçou a ideia de que pop-ups ainda são uma forma viável de urbanismo de massas, dizendo que "se não se cria uma forma de pilha de compostagem de experiências para as pessoas, elas não sabem o que pode ser feito".
A discussão sobre pop-ups pode ser resumida como um debate entre críticos e teóricos que questionam e esperam mais da arquitetura do que o que está sendo produzido atualmente, e um arquiteto na linha de frente que valoriza a ação, mesmo que pequena, ao invés de ser paralisado por um clima político e econômico frio. Esta dicotomia também foi mostrada em "Planejando para o Futuro" discussão: Farshid Moussavi de Farshid Moussavi Architects escolheu defender planos diretores menores e mais lentos que se adaptem às necessidades do projeto que se transformam conforme ele é criado; Malcolm Smith diretor de desenho urbano e planejamento em Arup, rejeitou de forma semelhante a ideia de buscar o monumental no planejamento, dizendo que precisamos começar a valorizar o cotidiano, rejeitar a sedução da imagem e participar do processo por trás da elaboração e implementação de planos.
Essas ideias foram combatidas dessa vez por dois acadêmicos: Theodore Dounas, professor associado na Xian Jiaotong Liverpool University, notou como a explosão urbana na China, embora sem precedentes e às vezes um pouco fora de controle, teve sucesso porque o povo acredita estar acontecendo em prol da população em geral. Ao contrário, no Ocidente temos "falta de confiança na política e portanto falta de confiança na cidade em si".
Penny Lewis, professora na Scott Sutherland School of Architecture, apoiou esta ideia dizendo que há uma crise de confiança entre arquitetos e planejadores, que estão com medo de criar um projeto que expresse a vontade humana. Ela acredita que planejadores passaram e temer seu próprio poder, citando Luigi Snozzi, o arquiteto racionalista italiano, como exemplo de designer da velha guarda que não teme o impulso destrutivo que geralmente acompanha a vontade de criar. Ao contrário, arquitetos de hoje se negam a causar muito impacto, preferindo depositar sua fé na participação da comunidade. Ela concluiu com o pensamento: "os arquitetos dizem 'também estou participando' ou tem a coragem de dizer 'na verdade como especialista eu tenho algo a acrescentar'?".
Outra sessão em que foi considerado o fato de arquitetos fugirem de sua responsabilidade foi em "Projetando Cidadãos: Arquitetos como Formadores", uma sessão que examinou a tendência crescente de projetar espaços que tornam mais fácil tomar a decisão "correta" - como um projeto que encoraja as pessoas a usar as escadas ao invés do elevador, por exemplo.
Seguindo a discussão das questões problemáticas de quem decide quais são as escolhas "corretas", Henry Ashworth, antigo membro da equipe Cabinet Office's Behavioral Insights, afirmou que com frequência encontra arquitetos que dizem não estar agindo dessa forma, mesmo que ele acredite que toda decisão feita no projeto inevitavelmente afeta a tomada de decisão por parte das pessoas. Ele defendeu que arquitetos deveriam assumir a responsabilidade por seus projetos. Também disse que a "formação" deveria ser "absolutamente a favor da escolha", e arquitetos deveriam saber a diferença entre oferecer às pessoas a chance de considerar sua própria decisão e forçá-las a fazer o "certo" ao oferecer apenas uma opção.
Entretanto editor do Architects' Journal Rory Olcayto advertiu contra a ideia de que arquitetos devam permitir a si mesmos ser cúmplices neste movimento. Examinando o papel realista dos arquitetos na indústria da construção, ele acredita que arquitetos podem apenas 'definir' o comportamento em nome de seus clientes. Isso poderia potencialmente levar a um sistema onde arquitetos sejam recompensados por "formar positivamente" e punidos por falhar nisso - um sistema que segundo ele seria prejudicial para a profissão.
Curiosamente, outra sessão destacou uma tendência em que arquitetos estão propondo ideias propositalmente revolucionárias e assumindo responsabilidade por elas, e questionando se seriam capazes de fazer jus a sua promessa. "Cultive Você Mesmo?" foi uma sessão que investigou o apoio crescente à agricultura urbana, um movimento que alega resolver uma série de problemas, tanto em termos de produção quanto social e culturalmente.
Todos os palestrantes concordaram que adaptar uma cidade como Londres para alimentar toda sua população seria impossível, mas a unanimidade terminou aqui. CJ Lim, professor da Bartlett School of Architecture, falou em favor de uma variedade de formas de agricultura urbana: de fazendas urbanas em escala industrial, que ele argumentou que poderiam alimentar toda uma cidade se planejadas com ela desde o começo; a fazendas e jardins que podem fortalecer laços sociais entre residentes e colocar as pessoas em contato com o processo da produção de alimento em relação ao qual nos tornamos tão alienados.
A discussão recebeu alguma perspectiva por parte de especialistas em agricultura: Anand Dossa, economista para National Farmers' Union, apontou que o real desafio é "segurança alimentar": a habilidade da produção de ser suficiente mesmo em tempos difíceis. Esta segurança é algo que a indústria alimentícia existente desenvolveu ao longo dos séculos, mas ele não acredita que seja possível alcançar com agricultura urbana. Stephen Hargrave, presidente do London Farmers' Markets Ltd mencionou de forma parecida que se produção significativa fosse possível nas cidades, uma falta de recursos como solo e água iria descartar ideias românticas de agricultura urbana, e a realidade provavelmente seria a produção acontecendo em ambientes otimizados altamente artificiais.
Vicky Richardson do British Design Council usou sua experiência pessoal de jardinagem urbana com êxito, argumentando que para ela, jardinagem é uma oportunidade de tempo pessoal e não um exercício de união da comunidade. Também mencionou que tentar cultivar seu próprio alimento a fez perceber que agricultura de subsistência é uma atividade incrivelmente precária, e na verdade faz você se maravilhar com a enorme produção da indústria de alimentos - e que de várias formas uma mudança em direção a produção alimentícia local é incrivelmente retrógrada.
Curiosamente, esta não foi a única vez em que ideias decorrentes do "pensamento sustentável" foram rotuladas como retrógradas e anti-humanistas. No que foi um surpreendente destaque da semana, a final internacional Debating Matters - uma competição de debate para estudantes de 17 e 18 anos - respondeu a questão "São as Megacidades Ruins para o Mundo em Desenvolvimento?"
Este debate mostrou o incrível talento de quatro jovens pensadores. Foi não só uma oportunidade de confrontar a pobreza que as grandes cidades geralmente trazem, mas teve discussões sobre como é possível controlar o crescimento das cidades e como países como China e Índia administram seu enorme crescimento populacional. Mas uma das ideias mais impressionantes foi de Nikhil Amarnath de NPS Koramangala, que usou o conhecimento de sua cidade natal de Bangalore com êxito, argumentando que a sustentabilidade nas cidades é uma "preocupação ocidental", e que países em desenvolvimento deveriam ter tempo de alcançar as nações ocidentais em termos de prosperidade e qualidade de vida antes de serem restringidos por demandas de sustentabilidade.
Na Batalha de ideias a gama de temas discutidos e diferentes origens dos envolvidos - de diferentes idades, culturas e profissões - foi uma experiência intelectual verdadeiramente renovadora. Nos anos recentes parece às vezes que o debate de questões arquitetônicas está estagnado, baseado em clichês e conhecimento herdado, inevitavelmente entrelaçado a sistemas políticos e econômicos impossíveis de mudar. A Batalha de Ideias, acima de tudo, é um lembrete de que os negócios de arquitetura não são tão fúteis como às vezes parecem; tudo está ainda em aberto.