Nos últimos anos tem sido um denominados comum a reciclagem de antigos espaços industriais ou de serviços, ou grandes casas para convertê-los em lugares culturais, de ócio e espairecimento. Esta reconversão edilícia permite dar continuidade de usos a espaços de certo valor histórico em quanto a sua construção, que foram esvaziados de sua função original, reincorporando-los à vida urbana de maneira que não se torne um território baldio.
Estes espaços reciclados para a cultura têm o inegável interesse de dar continuidade à memória urbana não somente pelo fato de conservar os contenedores arquitetônicos como ritos formais, senão pelo valor agregado de albergar neles atividades artístico-culturais, ou seja, atividades de investigação e produção simbólicas, cuja especificidade, precisamente, o trabalho crítico e criativo com a memória e com o imaginário.
Se repassa a construção existente, se relê, se capta o sentido material e espacial do lugar, se interpreta o programa requerido para finalmente atuar. Mas o sentido linear da criação é definitivamente impossível. É este o momento em que se põe em relevo o resíduo armazenado na memória, surgindo os primeiros riscos intuitivos, com as premissas conceituais que guiam o projeto-construção.
O roteiro
O contexto, Ciudad del interior, Florida, a 100 km de Montevideo, cidade de traçado baseado nas Leis das Índias com malha tradicional e praça com catedral.
Ocupação do solo nessa área central entre 70 e 80%, densidade baixa, altura média de um ou dois níveis, principalmente residencial, comércios e serviços administrativos.
A rua, festiva e animada nos horários de trabalho, dorme a sesta depois do meio-dia. Algum Jacarandá, Paraíso, Ameixa de Jardim, Liquidambar e sobretudo os Fresnos dão sombra, cor e fundo às fachadas envelhecidas, com pouca reposição, que, mantidas domesticamente, sobrevivem à passagem do tempo
A integridade de uso-função do programa, o aproveitamento de 100% do terreno, a identidade entre conteúdo.destinatário, do processo de projeto e obra, a concepção e a execução, o desenho e a mão-de-obra.
O exterior, uma casa de princípios de 1900, junto a outras contemporâneas, formam uma imagem contínua a preservar, por nostalgia?, talvez, porém, mais que isso, pela sensação que nada se podia contribuir.
O interior, uma estrutura de residência tradicional com vários quartos quadrados e altos interconectados, um pátio abandonado, e outras dependências de pouco valor adicionadas no tempo. O programa variado, cruzado, flexível, requer do vazio como forma de viabilizar a convivência programática. Se produz o esvaziamento do interior, a abertura ao exterior e a adição de peças volumétricas singulares que ordenam o conjunto.
O espaço, interior-exterior/exterior-interior, simples, fluido, vazio, contínuo, flexível e tectônico.
A estrutura, muros de carga pesados e lajes intermediárias de concreto aparente apoiadas em alguns delgados pilares ou atirantadas em tensores desde vigas. Estrutura, matéria, textura, são a mesma coisa.
Construção, artesanal na posta em obra, racionalizada no uso de recursos locais (mão-de-obra, materiais, pre-existências), perícia manual herdada.
A representação, da ideia/intenção à sinceridade expressiva, a expressão figurativa sobre o desenho técnico, depois da prefiguração do croquis, comitente e desenhista.