O projeto foi premiado no Concurso de Estudantes | 9ª Bienal Internacional de Arquitetura 2011 – Categoria: Destaque – Praça da Bandeira: Costurando o Vale .
“Mas a cidade não é feita de pedras, é feita de homens. Não é a dimensão de uma função, é a dimensão da existência.” – Marsilio Ficino
A cidade dos homens é complexa em sua metafísica, não restrita à dimensão da concretude de seus edifícios. Paredes cegas não transmitem o significado de uma cidade que transita entre 18 milhões de habitantes que são, na verdade, a essência dessa concretude.
A São Paulo, de fato, aparece somente como cenário para as interações entre os que agregam significado a tal infinidade de massas e, portanto, seu traçado fluido é como um vulto atravessando uma cortina transparente: o cenário em constante mudança, sua aparência determinada por um fluxo, descortinado pela presença ou ausência dos que nela vivem, e que nela agregam significados.
Um edifício habitacional independe de suas portas para exercer sua função, necessita dos habitantes para abri-las. Uma biblioteca repleta de livros não suporta seu significado a não ser que tenha leitores suficientes para esvaziar suas estantes. Um monumento não é feio nem belo sem o olhar do que transita e faz a cidade significar. Assim, portanto, a cidade e o cidadão estão intrinsecamente conectados nesse diálogo entre existências dependentes.
Em sua essência, tal diálogo se estende em uma dinâmica de fluxos e contra fluxos, em uma relação entre a estática edificada e o movimento vivido. O cidadão enclausura-se aflito com as 26.085 vidas tiradas a cada ano em virtude do precário acesso a recursos básicos, desigualdade e conseqüente violência. O cidadão recusa viver a cidade que afugenta o cidadão de seus espaços públicos, jogando os logradouros, marquises, parques e praças no conseqüente ostracismo e seu esvaziamento de público – e de significado.
Como cidadãos, convivemos com a necessidade de conectar os pontos que preenchem as necessidades de nossas vidas frugais. Escola. Trabalho. Faculdade. Mercado. Shoppings. Igreja. Casa. Hospital. As vidas passam a ser um retalho de pontos dispostos no plano da cidade e conectados simplesmente pelo traçado mais curto e eficaz, despido de significado, assim como se figura todo o resto da cidade. A cidade dos fluxos. Noticia-se a congestão da cidade, dia após dia atingindo níveis de crescente quilometragem e criando permanências forçadas na cidade, estáticas desinteressantes para o cidadão. O contra fluxo tampouco interessa a cidade.
Vazias, às praças resta o descaso da administração pública de uma cidade focada na pavimentação de suas vias. O centro abriga como representante dessa congestão a Praça da República. A bas font paulistana, a praça adquiriu no passado formalidade, significados e programas que a conformavam como um “espaço de paz”, assim como uma praça deve ser. Em meio à congestão surge o vazio que suporta a vivência na cidade. Seu programa contava com o Teatro de Alumínio, e passeios ajardinados. Deste, restaram suas autopistas coletoras que conectam e integram os ônibus que passeiam entre as avenidas 23 de Maio e 9 de Julho, pontos de ônibus acobertados pelo Teatro da Congestão. Da praça, só resta a Bandeira.
A sombra da praça que ali existiu, permanece como fumaça em um plano elevado ao importante Terminal Bandeira. A fumaça se confunde com o rastro dos que chegam que ficam e que vão. E a intervenção na Praça da Bandeira propõe concretizar uma permanência a partir da memória deixada por esses caminhos que se cruzam.
A existência torna-se a passagem entre o plano que flui e o que permanece. A memória retomada pode ser sempre razão que condensa e transforma um obstáculo em espetáculo. A intersecção em diversos níveis e o movimento continuo nas camadas agora dispostas sobre as guias do terminal confluem em um nível elevado que traduz justamente os encontros,e permite, que de fato eles se tornem possíveis.