INTRODUÇÃO
Mundaú é uma aldeia de pescadores numa praia imensa do Ceará, no nordeste do Brasil. 3º 10’ 42.51” a sul do Equador, os anos dividem-se em estação húmida e estação seca, com temperaturas entre 22ºc e 33ºc. A chuva intensa de janeiro a junho garante um solo fértil, onde a vegetação floresce e frutifica até dezembro.
Os clientes queriam uma casa de férias com 3 quartos, que oferecesse amplas possibilidades de contacto com a natureza. Substituímos a solução convencional em arquitectura doméstica – um volume compacto com circulação interior – por uma galeria perimetral que envolve os 3 pisos da casa, e que corresponde a 50% da área total. Criámos formas abertas para que a terra, o sol e a sombra, os coqueiros e outras árvores, as dunas e o mar, completassem o desenho da casa, sugerindo uma experiência condensada e sensual da natureza próxima e distante.
3 PISOS: 3 PAISAGENS
Os 3 pisos da casa são totalmente distintos no uso e na abordagem à natureza.
1: O pódio, ao nível da rua, fica sobranceiro ao terreno. dois volumes que abrigam funções auxiliares deixam um vazio de permanência, com amplas vistas sobre o jardim, sob a sombra da casa em cima. a frescura é sublinhada pelo cimento polido do pavimento e do tecto.
2: Os quartos são acedidos pela galeria, envolvida numa pele de ripas de madeira que negoceia privacidade, vistas, ventilação e sombra, que é tratada como um ornamento vivo. as paredes têm a rugosidade da alvenaria artesanal, pintadas a branco-gelo.
3: A sala é uma casa nas árvores, uma casa de madeira sobre a casa de betão. a abertura do telhado cria vãos envidraçados de 3,20 M de altura, diluindo os coqueiros, as dunas e o mar no interior de planta livre.
CONSTRUÇÃO
No lugar desta casa existia outra, de construção débil, mas com uma estrutura racional. A nova casa partiu deste esqueleto, que foi reforçado para suportar a casa de madeira em cima.
Garantimos a consistência do discurso arquitectónico desenhando tudo, desde portas a candeeiros. A dificuldade de acesso a Mundaú levou-nos além da arquitectura: desenhámos estrutura, infra-estruturas, e assumimos a empreitada geral da obra, com 490 M2 de área coberta, que concluímos em 7 meses.
Afora trabalhos especializados como a montagem dos vidros ou a instalação das cozinhas, a construção foi realizada por pedreiros e carpinteiros locais, com experiência de várias gerações nos materiais e técnicas autóctones, e com auxílio de poucas ferramentas mecânicas: é uma construção feita com as mãos. A sobreposição de estruturas independentes, o telhado invertido em suspensão, a dimensão dos panos de vidro, são características inéditas na tipologia doméstica da região.
JARDIM TROPICAL
Operações paisagísticas elementares transformaram um terreno agrícola num jardim tropical. Seleccionámos árvores e limpámos o terreno, deixando a areia branca à superfície. Os canais de rega paralelos, que compartimentavam o terreno, foram redesenhados como grandes diagonais cruzando o jardim. Modelámos o terreno e assentámos lajetas de granito em tentáculos desde a casa a pontos notáveis do jardim: uma latada de maracujá para refeições ao ar livre, um acesso à rua sob um cajueiro velho que estende uma sombra generosa nas tardes quentes, um recanto verdejante escondido da casa.
Para o muro, produzimos painéis perfurados de betão pré-moldado que criam texturas de luz e sombra a partir da folhagem próxima, e deixam entrever o jardim de uma forma diáfana e circunscrita. O vento atravessa o muro e agita a água dos canais e as folhas das árvores, criando um microclima confortável durante a estação seca.
ESTRATÉGIA ENERGÉTICA
A galeria é um dispositivo de arrefecimento passivo: protege os interiores do sol tropical deixando-os permeáveis ao vento da serra. A pele de madeira que envolve os quartos filtra o sol rasante, protege a intimidade e enquadra vistas particulares.
Geramos electricidade a partir do sol e do vento, intensos na região. a água potável, escassa, é captada pelo telhado ou pelo furo artesiano, é filtrada, armazenada e pressurizada mecanicamente até à torneira. As redes eléctrica, hidráulica, de gás e de telecomunicações circulam em dois núcleos verticais que partem de uma galeria técnica e são acessíveis desde os espaços servidos – 5 casas de banho e 2 cozinhas – para manutenção. Na ausência de rede de esgotos municipal, concebemos uma fossa séptica com filtro anaeróbio super-eficiente, com capacidade de depuração de 90% do efluente. A estratégia energética e a racionalidade infra-estrutural da casa não têm precedentes na região.
Texto: CAMARIM ARQUITECTOS - Portugal