O próprio desafio se colocou (se afirmou). Um casal de professores adquiriu dois pequenos lotes no centro da cidade onde eles pensavam em construir uma casa. Suas intenções eram ousadas. Um pequeno lugar onde eles pudessem ter tudo e estivessem perto de tudo e todos. A primeira opção foi juntar os dois lotes, mas a burocracia eliminou a ideia desde o início. Nestes casos, as regulamentações urbanas vigentes no momento impunham tão baixos índices de construção que apenas um pavimento poderia ser construído. Algo, de certa forma, equivocado se for considerar que os lotes estão cercados por edifícios de sete pavimentos ou mais na avenida adjacente, a mais importante da cidade.
Por esse motivo, a premissa do projeto foi manter os dois lotes autônomos para permitir a construção de duas casas que se complementam, cada uma com dois pavimentos e um terceiro de transição que confronta os edifícios vizinhos e que se mantém em conformidade com as regulamentações vigentes. Logo, o lote maior abrigaria a casa de fato enquanto que do outro bloco, muito menor, proveriam áreas complementares para a habitação principal, incluindo um ambiente de trabalho para aulas de um pequeno grupo de estudantes, atentando que todas as demandas necessárias para uma casa independente deveriam ser garantidas.
Portanto, a ideia surgiu de duas casas unidas por um espaço aberto interno, sem qualquer barreira física, contendo um pátio calmo e uma churrasqueira. As amplas fachadas de vidro do fundo transmitem a luz, criando reflexões que se movem por entre as fachadas, animando o espaço e minimizando o impacto do volume ao sul que faz limite com ambos os lotes, parecendo querer reprimi-los. Foi necessário criar espaços que fossem habitáveis e ventilados. A luz deveria invadir os ambientes naturalmente.
Na casa principal, o pátio da entrada que forma a garagem foi a chave para resolver todas as restrições e as demandas impostas. Desta forma é camuflado, não é visível a partir da rua e serve várias funções: como um espaço de estacionamento, um ponto de acesso para o interior da casa e até mesmo como um pátio que possibilita a extensão da cozinha para a área externa. O alpendre, criado pelo corpo do primeiro pavimento, com uma elevação semelhante a dois pavimentos, cria uma área isolada dentro do pátio, possibilitando seu uso em dias de chuva. E deste modo, temos a experiência multifacetada e internalizada do pátio/garagem/área de acesso, separado da rua apenas pelo portão da garagem do qual a superfície é parte da fachada. No interior, cada ambiente é reduzido para o mínimo possível para continuar sendo funcional. Em termos de volume, a casa desenvolve-se no equivalente a dois pavimentos, sobre o qual está o volume que configura o terceiro pavimento, que se estabelece como um contêiner/TV, que se destaca devido ao seu exterior negro.
A segunda casa apresentou um desafio maior. Começou pela suposição de que esta construção, como uma entidade separada ainda que complementar ao primeiro bloco, deveria apenas abrir-se para o pátio do fundo e comunicar-se com a casa principal e seu jardim, voltando suas costas para a rua e para a torre de apartamentos que quase “devora” seu entorno. Porém, o fato de se voltar para o interior do lote buscava ser um gesto amigável, revestido em negro e, de forma um pouco irônica, reproduziria pelo jogo de cerâmicas e chapas de aço inoxidável a árvore que se mantinha no lote vazio ao lado. Para a rua a seu lado, apenas uma conexão necessária como uma porta de entrada foi criada, camuflada em meio à geometria da fachada. Por sua vez, a elevação do fundo é completamente vedada por vidro e todos os ambientes desfrutam da orientação oeste, a única possibilidade de entrada de luz. Internamente, a configuração da casa surge da resolução da localização e disposição da caixa de escada.
A casa, consequência da combinação de duas moradias, aproveita ao máximo os pátios e suas capacidades funcionais. São atribuídos diversos usos às áreas externas. São espaços sobre espaços a serem usados de acordo com a ocasião do momento, a fim de que algo muito pequeno seja convertido em algo muito maior. E, de repente, nós temos tudo, a solução é simples, tudo funciona, tudo está lá. O mínimo reduzido par ao mínimo pode, apesar de tudo, ser imenso! Para reunir toda esta diversidade temos a linguagem da arquitetura, a casa cinza com uma mochila preta complementada por uma casa preta de vidro com uma árvore esculpida em seu fundo.