Por João Luís Carrilho da Graça.
VIRA-SE NO CAFÉ DO BICHO MAU.
Passa-se entre o pórtico da igrejinha e as duas cadeirinhas da senhora. Desce-se pela rua do muro, chega-se a casa.
A casa é muito simples. Nela se plasmam as mais básicas sensações arquetípicas de uma casa mediterrânica. Uma casa com um pátio aberto a uma vista quase a sul, com água e uma árvore. Constrói-se num ressalto do terreno em que a suave pendente se intensifica um pouco.
Nós arquitectos gostamos de referir-nos à linguagem da arquitectura como se ela existisse. “Da Linguagem? Apenas o que Novalis queria da palavra: ‘atingir diversas ideias com um só golpe’ “[1] As casas que se vêem pelo caminho até aqui, têm telhados e telhas. Esta tem uma cobertura plana. Plana mas não horizontal.
Chegámos ao fim da tarde, na meia estação. Todos os vãos da casa estão abertos e as portadas de vidro e as de madeira escamoteadas no interior das paredes. Passa-se livremente do exterior para o exterior através da casa. A casa é um enorme alpendre, um coberto. O espaço de cada compartimento está suspenso, dilatado, perturbado pela inclinação do tecto.
Todo o espaço da casa se vive de uma forma automática: como se conduzíssemos um carro que não conhecíamos mas parecido com os que conduzimos anteriormente. De uma forma automática e intensa como se reconhecêssemos – descompostos ? curiosos ? apaixonados ? – um corpo desconhecido.
Tudo pode ser previsível. Excepto talvez a flutuação do tecto (uma penthouse, uma mansarda ?). “…; foi aqui que descobri Hegel, repetia ele sem parar, foi aqui que realmente me ocupei de Schopenhauer pela primeira vez, com o espírito claro e sem ser incomodado, as Afinidades electivas e A Viagem sentimental, foi aqui, na mansarda Höller, que subitamente tive acesso às ideias que me tinham estado vedadas durante todas as dezenas de anos antes da mansarda e efectivamente, como ele escreveu, as ideias mais essenciais, as mais importantes e as mais necessárias à minha vida; …”[2]
Atenção, esta casa não é a mansarda Höller. É a casa da minha irmã mais nova. Da tica.
[1] TAVARES, Gonçalo M.; INVESTIGAÇÕES . NOVALIS; DIFEL Difusão Editorial S.A.; Oeiras, 2002, p. 64.
[2] tradução livre de João Luis Carrilho da Graça; BERNHARD, Thomas; CORRECTIONS; Editions Gallimard; Paris, 1978; p. 11.
Informação Complementar:
- Fundações e Estrutura: AFA CONSULTORES, Pedro Morujão, engenheiro
- Instalações Hidráulicas, Gás: AFA CONSULTORES, Paulo Silva, engenheiro
- Física dos Edifícios: NATURAL WORKS, Guilherme Carrilho da Graça, engenheiro
- Instalações Elétricas, Telecomunicações e Segurança: Ruben Sobral, engenheiro
- Texto original por: João Luís Carrilho da Graça
- Custo: 300.000€
- Proprietário: António Grande Candeias