A Matéria do Espaço Habitado *
Nenhuma parede, nenhum pilar, nenhum solo, nenhuma fronteira, nenhum limite…somente puro espaço e a infinidade de possibilidades que o homem da natureza unido à natureza do homem oferece ao mundo da experiência de habitar.
A Casa Global revela-se como um ser vivo, relacionando-se com o homem através da maneira mais fluida, onde nenhum deles é estranho ao outro e novas formas de relações espaciais são geradas: uma casa como uma interface que interage com as necessidades e os desejos – físicos/mentais – humanos e também por sua própria condição de organismo vivo.
Um espaço sem dimensões limitadas, contendo todas as possíveis magnitudes reduzidas a sua essência primária e aplicadas a uma arquitetura consciente de uma contemporaneidade e de uma relação contextual. Um espaço orientado a sua máxima potencialidade virtual, somente possível pela presença de vida. Assim, a Casa Global é uma “casa viva”, de modo que uma simples casa transforma-se em um completo habitat.
Isso tudo é fundamentado pela busca de uma universalidade. Devido a essa propriedade, a casa é primeiramente concebida para um único usuário – condição essencial de vida e situação cada vez mais habitual nas circunstancias contemporâneas – mas facilmente adaptável para outras diferentes estruturas. É capaz de adaptar-se a todos os tipos de contexto, primeiro por causa da versatilidade de sua superfície que pode ser acomodada em inúmeras condições de terreno ou qualquer outra situação atípica de assentamento, e também pela compacta área determinada pelas necessidades das atividades elementares. Outro importante elemento universal é a forma, concebida no seu desenho mais fundamental para ser facilmente identificada, reconhecida e compreendida por diferentes homens e culturas. É assim que forma e geometria se enlaçam em um único elemento síntese que não encerra nenhum simbolismo específico, mas sim uma agradável e viva expressividade.
Essa universalidade conduz a uma interpretação muito simples dos usos atuais e das áreas funcionais, baseados na multiplicidade de espaços e de formas de ocupação. O interior é dividido basicamente em três setores: “A” (Espaço Público) é o maior e o mais importante, contendo as áreas sociais, de lazer e de trabalho; “B” (Espaço Privado) contem as áreas de repouso; e “C” (Espaço Semi-Publico) contem as áreas operativas e de serviço. Todos os espaços são concebidos quase como setores não ocupados, indicando meramente onde cada ação pode ser tomada. Isto torna possível uma infinidade de formas de ocupação, em que o homem pode desenvolver qualquer tipo de atividade.
Por fim, a tecnologia é o componente mais expressivo da casa como instrumento construtivo e midiático. É esse “tecido” envolvente que define a forma, o espaço, a luz, a natureza e a matéria da Casa Global. Atuando como um tecido inteligente, pode assumir as características mais diversas: desde texturas e imagens até a transparência ou a opacidade absoluta. É ele a “vida” da casa, contendo todas as suas potencialidades. Três camadas compõem essa membrana viva virtual: a exterior funciona como um protetor contra o calor e consiste em dispositivos de milhões de partículas negras situadas entre dois painéis de vidro (suspended particle devices) que também absorvem energia solar transformando-a em energia elétrica (photochromic panels).
É também através dessa membrana que respira a casa, ventilando seu interior através de sua porosa textura. A camada intermediaria é a treliça metálica autoportante que sustenta as outras duas e também dá forma à casa, sendo o único elemento estrutural necessário. A camada interior é uma membrana digital de cristal líquido que, parecendo ser um simples vidro, carrega um potente instrumento midiático. A combinação desses três elementos dá ao exterior e ao interior infinitas possibilidades de aparência e funcionamento. A luz é levada a sua capacidade mais expressiva, durante o dia e a noite. É totalmente controlada pelo usuário, mas como um organismo reage automaticamente à luz do dia, protegendo áreas de maior incidência e adaptando-se assim aos dias e estações.
A Casa Global é assim a união mais harmoniosa entre homem e morada. O espaço habitável do homem torna-se vivo por suas duas naturezas: uma da qual ele é parte e outra que ele mesmo criou. É tão simples que é capaz de abrigar nada menos que todo o universo.
(*) O título original deste texto “The Matter Of (Living) Space” expressa um significado de difícil tradução pela variedade de interpretações que a palavra matter assume na língua inglesa. Neste caso específico, existe a intenção de expressar através dela primeiro seu sentido mais literal de matéria ou substância de qual um objeto físico é composto e que consiste o universo do que pode ser observado, mas também engloba os sentidos de assunto, questão em consideração, causa, e por fim, o de elemento que se submete à formação e à alteração, substrato amorfo de todas as coisas que existem somente em potencial e sobre o qual uma forma age para produzir realidades. De semelhante dificuldade é a tradução da expressão Living Space que no idioma original sintetiza tanto o espaço onde se vive como um espaço vivo por si só, idéia principal desta proposta.
Segundo Prêmio – Concurso Público Internacional (2005)
Autores: Daniel Corsi, André Biselli Sauaia, Daniel Fonseca, Reinaldo Nishimura, Victor Paixão