O cenário é marcado por uma arquitectura voluntariamente minimal: no palco vazio apenas um praticável, não um pavimento, mas algo que trabalha com o chão. Explora-se a ideia do plano horizontal e a sua intersecção tensional e direccional com os corpos dos bailarinos, desenvolvendo uma relação forte com o solo, tendo atenção a uma hierarquia de níveis e de materiais.
Um praticável novo, de planta quadrada, elevado do palco e delimitado; um meio onde as criações existem colectivamente sem, no entanto, perderem a sua qualidade de territórios de intensidade e de representações autónomas.
Esta noção de plano horizontal, de extensão, confere-lhe também uma ideia de tempo. Mais do que delimitar o espaço para a dança, procura-se uma relação do corpo com o espaço, com o tempo e com a matéria. Perpetua-se o desejo dos bailarinos dilatarem o tempo e dominarem o espaço. Pretende-se assim questionar o espaço e as reacções que o cenário/praticável, em particular, produz.
De maneira paradoxal, transforma-se um espaço exterior – a Fonte dos Amores da Quinta das Lágrimas – para dentro do palco, limitando-o.
A cenografia apresenta a fisionomia de um contexto vivo e concreto, como a imagem ou geografia de um mundo recriado. No entanto, por muito que queiramos estabelecer uma ligação entre o cenário e a realidade física externa, o que permanece é uma ideia conceptual do mundo exterior, que se trouxe para dentro do palco para se tomar uma outra realidade. A projecção de imagens fragmentadas na parede do fundo do palco ampliam a ilusória ligação ao ambiente da Quinta das Lágrimas – as raízes fortes de uma árvore, um canavial, os reflexos da água, as rosas vermelhas.
O espaço em si transmite uma interpretação da realidade onde a ilusão é ainda maior pelo uso de materiais verdadeiros – a água e terra – fora de contexto. Estes materiais perdem as suas definições de substâncias rígidas para produzirem, ao longo de toda a peça, fragmentos únicos de dança – materiais pretexto para uma ideia de corpo.
É no tanque que os corpos em contacto com a água se tornam mais expressivos nos seus deslocamentos e o espaço revela-se também mais intenso. É o espaço de Pedro e Inês: um ambiente de sensualidade e de sonho que se transforma em peso da dor real.
A existência do movimento contínuo da água, ao longo de todo o espectáculo, entra no ritmo da dança e marca o tempo do espectáculo. A água a correr sublinha a dinâmica do pavimento, as linhas horizontais e direcções que se cruzam e as tensões que se produzem.
A dimensão que a luz ganha no tanque é muito intensa, um chão de luz reflectido na água em movimento que nos contamina e nos conduz na forma de ler o espaço cénico.
O espaço tido como vazio enche-se. Revela-se e ganha vida pelo contacto dos corpos em movimento, evocando lugares e memórias, numa recriação do amor trágico de Pedro e Inês.