Amanhã, dia 10 de Novembro, acontece o lançamento do livro São Casas de Luiza Balda e debate da artista e do curador para celebrar o fim de sua exposição.A exposição da artista, que tem curadoria de Guilherme Bueno, reúne 20 fotografias e uma videoinstalação de projetos de residências realizados entre 2009 e 2011 como Natal no Minhocão; Pinturinhas; De murunduns e fronteiras; Insulares; Marginais; Serrinha eBeira. Nos projetos de residências Luiza Baldan seleciona áreas urbanas transfiguradas por construções arquitetônicas para viver durante um mês e trabalhar através da experiência do habitar. Foi assim que a artista viveu por um período no Conjunto Habitacional Pedregulho, em Benfica; no condomínio de luxo Península, na Barra da Tijuca e no Conjunto Residencial Rapozo Tavares, o Rapozão, em Santa Teresa.
Sobre As Casas
Guilherme Bueno
…E então o metrô para. Nesse instante, alguém se vira e olha de passagem em direção à câmera. E mais outro, todos provavelmente alimentados pela curiosidade de saber o que ela fazia ali, o que pretendia registrar. Mas também ansiosos por, ao colocar-se fortuitamente na sua mira, passar a pertencer àquele filme, sabendo que, se um dia o vissem, se reconheceriam ali espelhados, ingressando assim em outro tempo; tornando-se parte do que talvez fosse uma das últimas possibilidades legítimas de monumento na modernidade – o cinema. Essa descrição da cena final de um pequeno filme de 1905, feito no metrô de Nova Iorque por Billy Bitzer, nos ajuda a pensar nos trabalhos de Luiza Baldan aqui apresentados. Se deixarmos de lado diferenças tanto substanciais (o deslumbre anterior com o ato de registro como gesto simultaneamente de perenidade e afirmação do presente) quanto contingentes (a presença humana no primeiro, contrastada com a eventual ausência em alguns trabalhos da artista), duas questões ressoam comuns: a vivência urbana patente e, sobretudo, o que se poderia chamar de um protagonismo da temporalidade da imagem. Explicando isso melhor, trata-se daquilo que parece inerente às imagens de estabelecer para si um tempo próprio, que, para usar um termo hoje de domínio (e lugar) comum, congela tudo: a luz, a paisagem, o mundo. Daí o sentimento ambíguo de imprecisão em seus trabalhos – a nitidez flagrante, ora deslumbrante visualmente, ora seca em sua austeridade formal, acentua nossa incapacidade de determinar o quando, onde, como e por que normalmente exigidos de uma fotografia ou de um filme. Aqui, portanto, ousaria dizer que tanto faz se as fotos são desabitadas ou não, pois, em todos os casos, o que se explicita é o limiar da autonomia da imagem.
Falar em autonomia da imagem diante de trabalhos que nos defrontam com o universo urbano soa, no mínimo, contraditório. Mas talvez seja este o ponto que nos leva a acentuar tal condição limiar. Afinal, por um lado, há, independente do tema abordado, uma espécie de “encenação”, melhor dizendo, de dissecação de todos os códigos componentes da imagem: o cálculo de um determinado gesto daquele (ou daquilo) que posa, oferecendo e repetindo certo modo segundo o qual deseja ser registrado; a argúcia em perceber como a captação da luz, além de comentar a “atmosfera” de um lugar, preenche-a de volume e espaço. Por outro, o de nos deixar claro que, se tudo pode parecer igual, se todo lugar ou todo tema se igualam, isto só se dá até certo ponto, pois mesmo emoldurados em várias constantes e até pasteurizações detectadas pela artista, todos almejam uma singularidade, ou, se quisermos, uma identidade. Ademais, torna-se impossível permanecermos indiferentes a esses lugares supostamente indeterminados que, na verdade, são onde vivemos e convivemos, apercebamo-nos disso ou não. Quando deparamos com suas videoinstalações, a alternância entre autonomia plena e “encenação” acentua a fluência da linha divisória que as separa apenas circunstancialmente. Afinal de contas, a ideia mesma de encenação implica a presença de alguém que seja o destinatário dela. O espectador habita as imagens (o espectador como um “ator involuntário”), que, por sua vez, também se autoencenam onde se projetam. Em outras palavras, elas conferem outra identidade, mesmo que provisória, fundam um lugar efêmero, transpõem-se de um local (de origem) para outro (a sala onde são exibidas), instituindo neste último uma outra configuração para além daquela original. O espaço – categoria abstrata – é transformado em lugar, ou seja, dotado de uma significação.
Para finalizar a questão da temporalidade da imagem, volto à comparação do filme de 1905 com uma das várias fotos feitas pela artista no Conjunto do Pedregulho em 2009. Na cena final do metrô, em meio à suposta indiferença dos “personagens”, quando percebida a câmera, alguns se corrigem ou controlam suas atitudes, pois sentem o quanto lhes custaria ser condenados à eternidade de forma inapropriada. Nas fotos do Pedregulho, o fotografado calcula seu gesto, escolhe a roupa que melhor lhe corresponde, melhor lhe traduz, assim como os objetos de que se circunda. Para além da lógica do retrato, com sua tarefa de querer dizer de quem se trata e como pretende ser visto, coloca-se na imagem tudo o que o tempo poderia devorar, mas que sentiria salvaguardado sob o manto protetor da imagem. Antecipando-se a uma futura arqueologia do século XXI, entende-se aquela imagem como um statement para a posteridade e um antídoto para a amnésia. Arcádia de bites.
Patrocínio:
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Secretaria de Cultura
Fundo de Apoio às artes visuais
Edital Pró Artes Visuais
Apoio:
Studio-X Rio
Produção:
Automatica e Noise
Local: Studio-X Rio
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