Reflexão comparativa e propositiva em habitação de interesse social: o caso do empreendimento Anayde Beiriz em João Pessoa-PB – Brasil
Desde o lançamento do Governo Federal do Programa Minha Casa, Minha Vida em 2009 (PMCMV), grandes conjuntos habitacionais estão sendo edificados em regiões periféricas, distantes das áreas centrais e com baixa qualidade urbanística e arquitetônica em várias cidades brasileiras, a exemplo da capital paraibana.
Neste contexto, o ensaio de desenho urbano discorre sobre um estudo de caso em torno de um problema nacional que é a falta de valorização da prática projetual no âmbito da habitação de interesse social. O trabalho apresenta uma reflexão comparativa e propositiva no mesmo terreno (8,7 ha) do empreendimento Anayde Beiriz, Zona oeste do município de João Pessoa-PB, no Bairro das Indústrias, a fim de evidenciar as discrepâncias entre o caso real, ora em construção, e o hipotético.
Entorno
O entorno da área de estudo é formado por habitações de baixa renda com gabarito de um a dois pavimentos a oeste e por galpões industriais do seguimento de cerâmica para construção civil e derivados com baixa densidade de ocupação a leste.
Para aprovação do projeto em área industrial, órgãos ambientais exigiram a criação de um cinturão verde para purificação do ar e a preservação de uma área de preservação dentro do lote (resquício de mata atlântica). Após o início das obras, casas geminadas começam a ser construídas pelo setor privado com valor do metro quadrado para venda acima de R$ 1000,00, preço considerado alto para o padrão construtivo de baixa renda no mercado local.
As motivações do estudo
As motivações para tal estudo foram: a) refletir sobre as conseqüências da falta de comprometimento em valorizar a prática do projeto no processo de planejamento urbano; b) pensar sobre os danos causados por dispersos conjuntos habitacionais de baixa densidade; c) conjecturar sobre a eficiência dos investimentos públicos e da infraestrutura; d) aferir a contribuição da intervenção na escala territorial e local; e) avaliar a qualidade da arquitetura e do urbanismo no plano de bairro; e f) analisar a contribuição da redução do déficit habitacional numa ótica sistêmica e não emergencial.
A concepção
Este ensaio de projetação entende o tema da habitação social, a partir da noção de bairro-cidade capaz de atender tanto a necessidade por moradia digna quanto a possibilidade de promover relações e transformações sociais no urbano.
Como prerrogativas projetuais o trabalho incorpora os seguintes aspectos: a) respeito à escala do pedestre; b) definição morfológica da quadra aberta; c) integração com o entorno; d) mistura equilibrada de usos; e) elementos indutores das relações de vizinhança; f) descentralização das áreas de lazer e estar; g) otimização do solo a partir da verticalização e h) dinâmica volumétrica a partir da combinação de diferentes tipologias arquitetônicas.
Mistura de usos: residencial, comercial, serviços e lazer
A mistura e inter-relação de usos promovem movimento nas calçadas, podendo contribuir à maior segurança nos espaços públicos pelo seu poder de vigilância ininterrupto. Nesse estudo essa premissa foi considerada na espacialidade proposta. Há quadras poliesportivas e praças de vizinhanças de forma descentralizadas, visando atender a população local e do entorno.
Além do mais, a polifuncionalidade atua como importante elemento de vitalidade urbana, visto que inúmeras relações de vizinhança são potencializadas nos heterogêneos espaços gerados.
Reflexões Críticas
Nesse estudo comparativo, ficou claro, no modelo oficial, a baixa densidade, o sub-aproveitamento do solo e a inadequação dos espaços públicos, desperdiçando, inclusive, estratégica área para futuros empreendimentos no seguimento da habitação de interesse social, uma vez que a ocupação na gleba foi total.
Além destes fatores, pela dificuldade de acesso a terra urbanizada e legalizada, o alto custo dos terrenos e a pouca oferta destes para habitação popular, o desperdício do potencial de ocupação do solo derivado do projeto equivocado se torna mais evidente e preocupante.
Para combater o déficit quantitativo de João Pessoa de 23 mil moradias essa reflexão pode e deve ser considerada nas tomadas de decisões. Neste sentido, eis o papel que a prática do projeto urbano e arquitetônico pode exercer para a construção de uma cidade mais justa, sustentável e democrática.