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Arquitetos: Estúdio HAA!
- Área: 153 m²
- Ano: 2023
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Fotografias:Julia Novoa
Descrição enviada pela equipe de projeto. Os projetos começam muito antes dos arquitetos entrarem no processo, são gestados pelos futuros clientes, alimentados até atingirem uma maturidade em que é possível se deslocar do plano dos sonhos para uma abstração da materialidade física, a qual chamamos de projeto de arquitetura. O processo deste projeto não foi diferente, mas o que é interessante contar é como essa gestação continha em si a essência do que o espaço criado se propõe a propagar. Após receber como herança de seus avós um pequeno terreno de esquina no município de Nova Granada, no interior do estado de São Paulo, terreno este que abrigava a antiga casa de seus avós, o futuro cliente, juntamente com sua família decide construir uma pequena igreja como homenagem aos seus avós que eram fiéis devotos, e após a construção, doar para a denominação cristã centenária que os avós seguiam.
Recebemos o convite para realizar este projeto que deveria ser a simbologia da devoção à memória dos antepassados, e um lembrete ao presente de que a lógica do capital se tornou uma religião dos ditos não-religiosos, desenvolver uma operação imobiliária privada sem a finalidade de um retorno financeiro seria uma blasfêmia nesta séquito. Durante o processo de projeto foi objeto de pesquisa os valores essenciais de um cristianismo primitivo. Conhecer as metáforas e alegorias bíblicas que utilizam de elementos materiais para explicar relações metafísicas ou espirituais e de alguma forma trazer estes símbolos materiais nas paredes, chão e teto, tornando o espaço um cenário narrativo. O programa de projeto era bastante sucinto; um salão para cerca de 70 pessoas, banheiros e um pequeno escritório. O desafio maior foi desenvolver uma implantação que desse conta espacialmente desta escala em um terreno de esquina de apenas 153m², medindo 8,5m por 18m de comprimento que fosse gentil urbanisticamente falando. Não apenas servindo aos membros da igreja , mas aos habitantes locais também, não queríamos inaugurar mais um paredão para a calçada, ou reduzir o cone visual da esquina.
Após alguns ensaios de formas possíveis para abrigar este público, ficou claro que a elipse com o eixo rotacionado em 16° era a nossa melhor opção, assim conseguimos eliminar os espaços ociosos que se formavam nas quinas do salão caso a forma fosse um retângulo, atingindo uma área comparativamente menor para o mesmo número de usuários, e ainda propiciar uma fluidez urbana de passeio para os pedestres, adotando as áreas livres deste terreno de esquina como continuação da calçada, com usos de uma pequena praça pública, sem portões ou muros, um convite à convivência. A forma da elipse no layout interno do salão resulta em uma circulação dupla por todo o perímetro, reduzindo o desconforto de entrar e sair por apenas uma extremidade dos bancos. Conceitualmente foi buscado o dualismo entre terra e céu, corpo e espírito, matéria e luz, opacidade e transparência separados por base e cobertura. Para a materialidade da base foi utilizado tijolos maciços de barro, que biblicamente representa o corpo em diversas passagens, citando duas delas, onde a primeira fala sobre a criação do homem, e a segunda sobre a figura de Deus como oleiro;
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.” Gênesis 2:7
“Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos nós a obra das tuas mãos.” Isaías 64:8
Nas escrituras bíblicas, deste encontro entre barro e sopro se forma a vida. Para a concepção da cobertura buscamos trazer leveza, luz e imaterialidade, para tanto utilizamos treliças e telhas isotérmicas metálicas, ambas com pintura branca. O telhado tem captação central de água por uma grande calha em aço corten, o contraste entre a cor escura da calha e a superfície branca da cobertura cria um destaque para este elemento longitudinal que se encontra transversalmente com as treliças, formando uma abstração da cruz, símbolo do evangelho, de uma forma sutil. A calha pluvial em corten deságua em um tanque circular de mesma materialidade, gerando uma queda d’água visível, audível e tocável, sendo a água também um elemento recorrente na bíblia. “aquele, porém, que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna.” João 4:14