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Arquitetos: Jirau Arquitetura
- Área: 505 m²
- Ano: 2022
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Fotografias:Walter Dias
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Fabricantes: Antônio Impermeabilizações, Bella Pedra, Carpintaria Caruaru, Casa Pronta, Inova Vidros, Júlio Ar-condicionado, Lama Bioarquitetura, Marcelo Gesso, Patrick Carpintaria, Serralharia Tudo é do Pai , Sierra Ambientes, Tapetah, Zeza Cortinas
Descrição enviada pela equipe de projeto. Muitos de nós arquitetos, passamos boa parte da carreira a procura de oportunidades ou chances de fazer projetos que permitam que o nosso jeito de pensar um determinado tema possa se soltar e alcançar a plenitude do que uma possível “liberdade projetual” venha nos permitir fazer.
Aqui no jirau, a gente sempre gostou de não ficar esperando essa tal “oportunidade” e, ao invés disso, entendemos que todos os projetos, cada um deles, sempre foi essa oportunidade. Dessa maneira construímos os nossos mais bem sucedidos experimentos com habitação social, edifícios de apartamentos e de residências.
Seguindo essa linha de pensamento, mesmo uma pequena casa com poucos metros quadrados, para um programa social, sempre precisou ter o bom desenho colocado entre as metas de projeto. Pela mesma linha a gente vem tentando desconstruir muitas das certezas localmente consolidadas pelo mercado imobiliário, quando vamos projetar edifícios de apartamentos. Ainda, no mesmo fio, entendendo a chance única que cada projeto nos oferece, vamos ensaiando casa após casa nossas ideias, técnicas construtivas, materiais, formas e acabamentos, que terminam por, de alguma forma, criar um traço que nos identifica e ao fazê-lo nos proporcionam encontros com certos clientes que nos entregam total confiança para projetar o seu lar.
A casa discreta foi um desses casos em que o terreno foi maravilhoso e os clientes vieram nos procurar por conhecerem nossos projetos, gostando e esperando nossa arquitetura. Digamos que todas as situações favoreceram o surgimento do projeto na sua plenitude.
Começamos pelo nome: Casa Discreta!
Sim, era isso, quando nos procuraram não queriam uma casa para ostentar ou demarcar posição social dentro de um grupo. Havia de ser uma casa pra dentro. Os clientes queriam uma casa para eles e não pra o condomínio. Não como uma posição de egoísmo, mas sim, de autoconhecimento e simplicidade. E foi disso que a gente correu atras. O projeto vibrava com alma e energia. Havia de ser uma casa para brincar, receber os amigos, descansar, cuidar das plantas, fazer uma fogueira, ler um bom livro, tomar um vinho ou deixar o tempo passar.
Começamos por usar o terreno de 2.400m² aceitando como posto tudo que lá já estava. As árvores, os arbustos, tudo ficou no seu canto, e a casa foi implantada de maneira a não suprimir nenhuma delas.
Resolvemos criar um recuo frontal de 17m afastando a casa da rua. Uma sequência de septos no acesso criou o percurso por patamares que vão conduzindo o visitante até a porta de entrada num promenade que desacelera o ritmo de quem vem da vida agitada da cidade e vai seguindo nessa transição de fora pra dentro.
A área social reflete o que acreditamos haver de melhor em uma casa. Os ambientes são integrados, amplos e iluminados. Os espaços são ricos com pés-direitos e materiais distintos definindo os limites entre as salas de ficar e a sala de comer. Um convidativo e sombreado alpendre contorna a sala por três lados, criando a sombra e intimidade necessárias à uma construção nordestina.
Entre a área social e a área dos quartos existe um canto muito especial que avista uma jabuticabeira, é o canto da leitura. De lá o trajeto segue pela circulação que leva até os quartos. É um corredor aberto, por um lado definido por uma imponente parede de taipa de pilão, pelo outro, indefinido e sem limites cartesianos, o que permite que o espaço flua pelo jardim até a sinuosa linha formada pelo muro de tijolos brancos. Nós quisemos fazer com que esse percurso fosse uma negação ao corredor enclausurado. Ele é uma experiencia de comunicação espacial entre o morador e o espaço que se mistura de fora para dentro.
Para o módulo dos quartos, a gente resgatou a figura da grande varanda da casa tradicional nordestina. Na frente de todos os quartos, há o lugar da rede, dos balanços e de onde se pode contemplar o jardim a partir de uma cota mais alta. O jardim, no coração da casa, no centro de tudo, tem seu espaço conformado de um lado pela casa, do outro, pela piscina natural de formato sinuoso, onde as árvores que já estavam lá quando chegamos, foram as definidoras dos desenhos.
A casa é uma construção muito simples, térrea, com pequenos desníveis entre alguns ambientes que proporcionam a ela um pouso suave sobre a cota levemente inclinada do lote. A sala e os quartos têm uma cobertura de madeira e telhas cerâmicas.
As mãos-de-força da estrutura de madeira, na sala, formam uma solução escultural onde cada peça tem o ângulo diferente e necessário para receber a inclinação da coberta. Também é válido observar o cuidadoso trabalho de detalhamento dos engates metálicos que articulam as interfaces entre as peças de madeira e os seus encontros com as alvenarias e pisos da casa.
A figura da taipa é um detalhe curioso, um experimento com essa técnica construtiva tão tradicional e pouco usada. Nos quartos usamos a taipa de pilão como parede e principal peça da estrutura desse bloco da casa. Já na sala foi usada a taipa de mão, uma técnica muito mais comum e recorrente nas mais simples casas sertanejas. O barro é tema recorrente, seja nas duas técnicas de taipa utilizadas, nas telhas cerâmicas, nos tijolos industriais usados nas vedações, nas tijoleiras que revestem alguns pisos, nos cobogós dos banheiros ou no tijolo manual pintado de branco na parede sinuosa.
Além disso, com relação a aspectos de sustentabilidade, a Discreta possui um inteligente sistema de calhas que fazem a captação, armazenamento e reuso de água pluvial. No trecho de laje plana, sobre as garagens, está a usina de geração de energia.
A iluminação é abundante em cada ambiente e a ventilação cruzada percorre todos os ambientes. A casa é uma fortaleza contra o calor dos trópicos e um convite à brisa do agreste. Lembro que Wandenkolk dizia que “arquitetura precisa ser escultura, por dentro e por fora” e isso me faz pensar que a Discreta traz em si essa qualidade. Estar na casa é como receber um abraço. A casa tem cor, sua arquitetura tem vida. E é nesse tipo de projeto que acreditamos.