

"Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que talvez nunca existiu em nenhum momento." Eugène Viollet-le-Duc. Construir sobre o construído. As cidades e os edifícios têm muitas vidas. Durante décadas, a ausência de sensibilidade em relação aos restos do passado como depósitos de memória coletiva contribuiu para a destruição do patrimônio.


Uma erosão da história construída que deu origem a uma reação pendular e que resultou na sacralização do patrimônio e na cristalização do objeto no tempo, às vezes sem o rigor que tal trabalho merece. Casa Castelar é um exercício de reflexão ideológica e estética sobre como incorporar a memória e a entropia do existente — aproveitando o capital termodinâmico e informativo — ao projeto contemporâneo a partir de uma visão distante da conservação dogmática.


Recuperação tipológica. Projetada no final do século XIX nos arredores da capital, a colônia Madrid Moderno era composta por noventa e seis habitações baseadas nas ideias higienistas da cidade-jardim, das quais hoje restam apenas quatorze unidades, em grande parte devido à pressão imobiliária exercida desde os anos 70. O requerimento consistiu na reabilitação de uma delas, cujo estado precário obrigava a intervenção na estrutura atrás de sua fachada protegida.

Consciente de que o valor patrimonial vai além dos elementos neomudéjares e do distintivo mirante, o projeto aposta na restituição do esquema original da casa. Graças à uma série de intervenções e demolições estratégicas, as quais eliminaram os acréscimos que preenchiam o terreno, conseguiu-se recuperar a tipologia de 1890 em "L" em torno de um pátio ao qual se distribui o programa. A nível espacial, o interior se caracteriza pela harmonização de ambientes conectados com a caixa da escada por grandes aberturas, resultando em uma série de vistas cruzadas que acompanham a ascensão sem perder a referência visual constante tanto entre eles quanto com o pátio.


Artesanato vs tecnologia. Enquanto a fachada exterior foi reabilitada seguindo modelos clássicos de restauração, onde a elaboração de moldes, a carpintaria artesanal e a recuperação de ofícios tradicionais se desenvolveram em um ritmo lento; na fachada posterior, grandes aberturas foram recortadas e revestidas com uma pele de alumínio reciclado, perfurada e cortada por controle numérico. Este sistema construtivo leve facilitou a instalação, assim como o possível desmantelamento, reutilização e manutenção no futuro. A dualidade entre tradição e inovação, artesanato e industrialização aplicadas em ambas as fachadas, conferem à habitação duas frentes contrastantes. Um Jano com rosto de tempo antigo atrás do qual se esconde outro, fixo no futuro.


Ética ecológica. Os edifícios do passado são valiosos depósitos que acumulam materiais, energia e esforço humano, portanto, sua transformação se ergue como um imperativo ecológico que, sem dúvida, moldará nossa paisagem construída. Além da conservação de elementos existentes, foram implantadas estratégias e sistemas bioclimáticos — isolamento térmico, novas carpintarias, instalação de aerotermia e a otimização da ventilação cruzada — que permitiram reduzir o consumo energético em mais de 70%.
