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Arquitetos: Atelier AAVV
- Área: 300 m²
- Ano: 2024
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Fotografias:Lourenço Teixeira de Abreu, Pedro Galvão Lucas

Descrição enviada pela equipe de projeto. Como acontece nas outras coisas importantes da vida, é difícil definir regras para a reabilitação de um edifício. Também como nessas outras coisas importantes, preferimos seguir o desejo e arriscar o percurso, o processo misterioso mas comprometido, impossível mas inevitável, de procura da forma justa. Na Casa do Cura, as memórias históricas e imaginadas de um gaveto entre os bairros da Lapa e da Madragoa misturaram-se com as possibilidades espaciais do encontro de uma nova estrutura em madeira, vestígio desenhado da natureza da antiga construção, com a estreiteza do lugar deste edifício na cidade, para descobrir uma constelação livre de espaços aberta a novas histórias.


A reabilitação de um edifício é, na essência, um problema de identidade. Se a presença arruinada do passado é uma memória difusa, às vezes querida, do que já fomos, a oportunidade de reconstrução é uma janela aberta para um futuro incerto, às vezes esperado, que ainda não pudemos ser. Perante a profundidade da pergunta sobre o que um edifício abandonado quer ser, não bastam ideias feitas sobre como fazer, sejam motivadas por um espírito nostálgico ou por um impulso contemporâneo. O que parece certo é que se põe, de maneira completa, o desafio do projecto de arquitectura. Não largar o velho nem o novo, ouvir as pedras que restam e o vento que as leva, pôr tudo ao mesmo tempo em cima da mesa e procurar entre eles, no barulho e no silêncio, o desenho de uma construção que tenha a sua ordem própria e que, nessa ordem, encontre uma forma que ainda não conhecíamos.



Na Casa do Cura, foram a ruína de um sistema construtivo tradicional e o espaço estreito do edifício na cidade que nos mostraram como construir. Uma estrutura nova, em que a mesma madeira de pinho, abrindo o vão na profundidade total do edifício, define a possibilidade de um interior em construção leve que, entre as paredes maciças herdadas, pode desenhar o espaço com liberdade.


Assim, para além da madeira pintada e das paredes leves que se ligam às maciças num reboco contínuo, trouxemos o barro, que está sempre nas coberturas, também para o seu lugar no chão, a pedra familiar para a resistência e a estrangeira para a distinção, e usámos restos para marcar a entrada, o número da porta feito com a terra da obra e uma cantaria velha como primeiro degrau.

Neste caminho, procurámos uma casa que pudesse continuar a ser várias casas, em que o rés-do-chão e o sótão fossem o que os seus nomes nos dizem na memória, e que fosse, mais do que um conjunto funcionalmente organizado, uma constelação de espaços que, abertos pela liberdade encontrada no vão da estrutura, guardassem lugar para as histórias que o tempo trouxer.”
