- Área: 3127 m²
- Ano: 2005
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Fotografias:Octavio Cardoso, José Maria Coelho Bassalo
Do Arquiteto.
Justificação da inserção urbana da proposta
A escolha do local para a edificação da nova feira se constituiu em um dos pontos mais importantes do processo, já que, desde o início dos trabalhos, havia a consciência de que do acerto dessa decisão dependia o sucesso da intervenção como um todo. Os critérios para a seleção das alternativas possíveis concentraram-se nas necessidades e disponibilidades de espaço, e, sobretudo, na proximidade ao local anteriormente ocupado pela feira. O primeiro aspecto possui justificativa óbvia. Havia de se conseguir um lugar que coubessem todos integrantes do cadastro elaborado. O segundo aspecto era de grande relevância para sobrevivência da feira após seu remanejamento. Como já afirmamos, a espontânea constituição, expansão e consolidação da feira no local onde estava, revela a boa qualidade de sua antiga posição no contexto urbano, e afirma, também, sua natureza referencial para a cidade. A escolha de um lugar próximo ao atual era a garantia, portanto, da manutenção da localidade do conjunto, fato determinante para sua existência.
Entretanto a simples compreensão dos princípios acima referidos não seriam suficientes para, por si, condicionar e determinar a escolha do terreno para a futura feira. A Prefeitura Municipal de Ananindeua também ouviu a opinião dos feirantes quanto às alternativas para seus remanejamentos.
Vivenciado o processo de investigação e discussão, foi definido, como local para a nova feira, dois lotes lindeiros à Avenida Arterial 18, distantes cerca de 150 metros da antiga feira. O primeiro, de forma trapezoidal, com área de 3.070,47 m², conformado pelas vias Arterial 18, WE-59 e SN-23. e WE-58. Esse lote, de propriedade pública, abrigava uma edificação onde outrora funcionou uma delegacia de polícia, e, em sua área não construída, existiam poucas árvores de pequeno porte. Em uma de suas bordas existia um ponto de táxi, pertencente à Associação de Taxistas Y.Yamada, dotado uma baia com capacidade para 10 veículos. Os taxistas atendiam, fundamentalmente, a demanda de passageiros gerada pela loja Y. Yamada. O segundo lote, separado do primeiro por um pequeno trecho de uma via pública, possuía forma triangular com área de 124,52 m² delimitada pelas vias Arterial 18, SN-23 e WE-58, e sobre a qual estava erigido um pequeno bar irregularmente estabelecido.
Para abrigar a nova edificação, os lotes escolhidos tiveram suas geometrias redefinidas, suprimindo-se o trecho de 25 m da Travessa WE-58 que os separava, incorporando-o à área da futura feira. Suas bordas delimitadas pela Travessa SN-23 avançaram sobre essa, reduzindo sua caixa de 12 para 6 metros, modificando o tráfego do referido trecho o qual, com a implantação do projeto, transformou-se via de mão única. Ao final, o lote da nova feira ficou com área triangular de 3.444,27 m², limitado pelas vias Arterial 18, SN-23 e WE-59.
Características construtivas gerais da edificação
A construção que abriga a nova feira é, em linhas gerais, uma grande tensoestrutura, que conforma um pavilhão com área total coberta de 3.127,15 m². Sua planta possui forma de triângulo retângulo, com as edificações internas de maior porte, os boxes fechados, posicionados nos catetos (paralelos às travessas SN-23 e WE-59), ficando a hipotenusa livre, totalmente aberta à Avenida Arterial 18. Predominantemente isenta de edificações, portanto, a estrutura da cobertura tem grande visibilidade no complexo, constituindo-se no elemento de maior importância do conjunto arquitetônico como um todo.
A cobertura é uma estrutura independente das poucas partes edificadas do pavilhão, modulada a partir de uma trama hexagonal de 4,80 m de lado, escolhida por possibilitar seu ajuste à forma triangular do lote. Cada hexágono, repetido 48 vezes, marca a projeção, em planta, de um módulo da cobertura, a qual é constituída, fundamentalmente, por três tipos de elementos. O primeiro e mais freqüente no projeto (42 unidades), se constitui de um “cálice” auto-portante, composto por seis idênticos elementos em aço, com geometrias semelhantes às de bumerangues. Esses elementos, agrupados de forma radial a partir de um centro comum a todos, seguram, em suas extremidades superiores – a 5,40 m do piso, e em seus pontos de inflexão - a 3,50 m do piso, a membrana de sua cobertura. A drenagem de cada elemento se faz por um tubo em PVC de 100 mm, posicionado verticalmente no centro do conjunto, entre as peças estruturais metálicas.
O segundo tipo de elemento, utilizado 4 vezes na composição, é uma cobertura com estrutura metálica tubular, igualmente auto-portante, do tipo “umbrella”. O termo “umbrella”, oriundo da língua inglesa, em português, significa “guarda-chuva”, e é usado para identificar esse elemento já que sua constituição estrutural se assemelha ao referido objeto. A “umbrella”, em projeção, ocupa área maior que a do hexágono modular padrão, para que proporcione beirais de 1,65 m sobre os “cálices” a ele adjacentes, já que as bordas inferiores de sua membrana distam, em média, 0,55 m das bordas superiores das membranas que as rodeiam.
O terceiro tipo de elemento é a “tenda cônica”, de maior porte no conjunto edificado, mas utilizado em menor número – 2 vezes. Esse componente possui sua estrutura de sustentação externa à cobertura, composta por dez mastros monumentais em aço, com altura de 17,70 m, dispostos de maneira a encerrar duas cúpulas vazadas, que seguram as membranas. Cada cúpula tem sua forma delineada por seis arcos que, partindo e apoiando-se nos mastros de aço, seguem, em linhas meridianas, à coroa da cúpula onde está um anel que as recebe, sustenta a membrana, e apóia, ainda, um exaustor eólico. O referido anel também recebe cabos de aço que o atiranta na parte superior dos mastros monumentais, para auxiliar a estabilização do conjunto.
As “tendas cônicas” desempenham, além da função primeira de proteção ao espaço que cobrem, papel de elemento diferencial na composição arquitetônica da feira, e, por isso, elevam-se do nível geral das coberturas do pavilhão. Internamente, esses elementos marcam o cruzamento dos dois grandes eixos de circulação, compondo, com o alto pé direito que proporcionam, a ambiência de uma pequena praça para descanso no interior do complexo.
Na periferia do conjunto, há membranas de fechamento as quais possuem nível mais baixo em relação ao todo, de forma a possibilitar proteção, do sol e das chuvas, para os pontos de vendas posicionados próximos ao limite externo do pavilhão.
A composição da cobertura da feira, como um todo, conforme acima descrito, possui variados níveis. Em alguns pontos, com nos espaços entre os “cálices” e as “umbrellas” e as “tendas cônicas”, há aberturas que possibilitam ventilação. Ainda assim, para potencializar a renovação do ar, foram instalados 36 exaustores eólicos distribuídos nos pontos mais elevados da estrutura, o que eleva a qualidade das condições de conforto ambiental no interior da edificação.
Justificação da solução compositiva adotada
A forma de agrupamento e distribuição dos pontos de vendas e serviços na feira foi concebida para possibilitar livre circulação e acesso igualitário a todos os boxes e bancas. Existem duas grandes circulações cruzando a feira, as quais cumprem papel de acessos principais a essa, ligando seu lado paralelo à Avenida Arterial 18 às suas interfaces com as travessas SN-23 e WE-59. Seus percursos estruturam os posicionamentos dos locais de comércio, e, ao se encontrarem no meio do pavilhão, conformam a já mencionada praça para descanso, dotada de bancos em concreto.
Os boxes fechados foram locados de forma periférica, paralelos às travessas WE-59 e SN-23, abertos tanto para dentro da feira quanto para fora desta, possibilitando acesso por dentro do pavilhão ou diretamente das vias para onde também se voltam. Os boxes abertos, sobretudo os de vendas de peixes, localizam-se no centro da feira para fazer com que a grande circulação de compradores gerada pelas tradicionais altas vendas desse tipo de alimento, beneficiem a comercialização dos demais produtos. As demais bancas distribuem-se em ilhas, agrupadas de forma setorizada, considerando-se a afinidade entre as naturezas dos produtos negociados.
Quanto à opção pela tensoestrutura para a cobertura da feira, idealizada em módulos hexagonais independentes, há razões geométricas, construtivas e conceituais fundamentando tal escolha. A geometria do módulo, como já foi dito, deveu-se à possibilidade de cobrir a área triangular do lote com o mínimo de perdas de espaço possíveis. A fragmentação da estrutura em elementos modulares, por sua vez, permitiu que as peças fossem fabricadas e montadas com maior rapidez e facilidade. Já no que se refere à questão conceitual, que fundamenta a pertinência da cobertura têxtil ao caso, embora o pavilhão proposto seja uma construção permanente, a feira é de natureza essencialmente efêmera. Segundo Flávio Ferreira, em seu memorial justificativo do projeto da Feira do Ver-o-Peso, na qual ele também usa cobertura em tensoestruturas, a lona é um elemento consagradamente utilizado em abrigos temporários, em estabelecimentos provisórios de naturezas diversas. A feira, portanto, sendo, por definição, um evento não permanente, pode expressar a efemeridade de seu caráter por meio do tipo do material que a cobre.
Outros Fatores
Outros fatores também concorreram para a adoção da tensoestrutura na nova feira, como a exigüidade do prazo de execução da obra e a limitação dos recursos disponíveis para construir e manter o equipamento. A forma projetada e o material utilizado proporcionaram que a maior parte da edificação, a cobertura e sua estrutura, fosse fabricada e montada em 60 dias de trabalho. Quanto ao valor do investimento, a tensoestrutura, a qual utiliza uma membrana em fibra de poliéster revestida com PVC, com 10 anos de garantia de fábrica, custou aos cofres municipais 70% do que custaria sua alternativa exclusivamente metálica. Além disso, a translucidez de seu material (foram empregadas membranas brancas com detalhes azuis) permite o funcionamento diurno do pavilhão sem iluminação artificial, economizando-se energia elétrica, portanto.
A iniciativa da Prefeitura Municipal de Ananindeua em remanejar a “Feira do Quatro”, não objetivou, apenas, proporcionar a desobstrução das ruas, contribuir para a redução do mercado informal e dotar a cidade de um equipamento urbano de eficiente funcionamento instalado em uma edificação bem estruturada ao fim que se destina. Mais que isso, o poder público desejava que a execução da obra estabelecesse um referencial superior de qualidade para as construções oficiais e servisse como exemplo para futuras práticas de apropriação do solo urbano. A intervenção na “Feira do Quatro” faz parte, juntamente com outras ações, como a elaboração do Plano Diretor Urbano, de um conjunto de medidas que visam ao reordenamento da cidade, a qual, até pouco tempo, era havida, apenas, como uma cidade-dormitório onde “tudo pode” na produção do espaço.
O termo “Feira da Cidade”, escolhido para designar o espaço para o qual a “Feira do Quatro” foi transferida e saneada, é, portanto, um nome emblemático, que evidencia não apenas a dimensão do equipamento como um todo, mas, sobretudo, a importância e o significado do processo de sua implantação para o município de Ananindeua.