Apresentamos a seguir o projeto desenvolvido pelo escritório DMDV arquitetos e premiado com o segundo lugar no concurso para o Museu da Diversidade Sexual no casarão da Avenida Paulista, promovido pelo programa de incentivo à cultura do Governo do Estado de São Paulo (ProAC).
Veja, a seguir, algumas imagens e o memorial do projeto.
O casarão
Inaugurada em 1891, durante o período arquitetônico batizado como Ecletismo, a Avenida Paulista atraiu a elite paulistana da época. Grupo que, com seus arquitetos e engenheiros, construiu casas utilizando inúmeras combinações de ornamentos. “A Avenida Paulista acabou sendo o maior mostruário de arquitetura eclética historicista, de imigrantes desejosos de reproduzir aqui a arquitetura de seus distantes países. Ali, lado a lado, podíamos encontrar residências arabizantes, otomanas, românicas, góticas de várias nuances, etc”. (LEMOS, 1987, p.70).
Neste contexto foi construído o Casarão 1919, “talvez dos melhores exemplos de Arquitetura Eclética”. (CONDEPHAAT, 1982). Um dos poucos remanescentes desta época, pois São Paulo é uma cidade “capaz de criar uma Avenida Paulista, única por sua posição na cidade e insubstituível em sua elegância, para aos poucos destruí-la minuciosa e repassadamente. E sem remorso.” (TOLEDO, 2004, p.77).
Graças ao órgão de preservação estadual, que sabiamente tombou o casarão em 1992, o imóvel resistiu até hoje, como testemunho da história paulistana. Seguindo as orientações das Cartas de Restauro, com respeito àqueles que o construíram e o habitaram no passado, apreço pela sociedade contemporânea e consideração às gerações futuras propõe-se um projeto de intervenção, objetivando adaptá-lo ao novo uso, e restauração, com a finalidade de restabelecer um momento histórico e estético do edifício. Todos os procedimentos de restauro são descritos na proposta técnica. O diagnóstico preliminar não detectou grandes patologias, concluiu-se que o atual estado de conservação da residência é fruto do mau uso e falta de manutenção preventiva.
Entende-se o casarão como expressão da cultura material de um período específico da história da arquitetura, deste princípio, concluiu-se através de um juízo de valores que a importância estética não se revela na autonomia de suas partes, mas sim no conjunto de todas estas que formam a obra a ser restaurada. Portanto, o caminho vislumbrado para a restauração considera a reconstituição do todo baseado nas partes existentes.
O casarão restaurado revela-se novamente para a avenida e toma para si o papel de protagonista do projeto, sendo exibido em primeiro plano e atuando como porta de entrada para o complexo. Sua varanda elevada recebe os convivas que podem apreciar tanto a Paulista como o jardim antes de entrar na área de acolhimento que contem a bilheteria e o guarda volumes. Daí o usuário visita a área de exposição permanente, primeiramente o trecho dedicado ao casarão e seu contexto histórico, para depois seguir pela exposição relacionada ao tema da diversidade sexual. Neste trecho a proposta evita intervenções mais ousadas e se apoia nas aberturas já existente entre os cômodos para promover o percurso dos visitantes. Na porção posterior da edificação propõe-se a reconversão dos ambientes originais em sanitários para os usuários. E a adaptação para a inserção da conexão com o anexo do museu.
O acesso lateral da antiga residência foi reservado exclusivamente aos funcionários da instituição, os quais cruzam a varanda e se distribuem pela área de trabalho. Mantendo a ordem pré-estabelecida, as áreas de serviço ficam no pavimento inferior da construção. Para tanto a proposta considera o rebaixamento do piso existente a fim de garantir condições de uso desses espaços.
Evidentemente, tecnologias concernentes ao novo uso são incorporadas à edificação da maneira mais respeitosa possível. Os sistemas exigidos pelo programa museológico serão distribuídos ora pelo entre-forro, ora pelo porão, sendo revelados nos ambientes da maneira mais discreta possível.
Inserção Urbana do Complexo
Os palacetes em São Paulo, por influência francesa, ocupavam grandes lotes, volumes afastados com recuos, soltos no jardim (SERAPIÃO, 2004). O da Família Franco de Mello não fugiu à regra e sua propriedade estendia-se da Avenida Paulista à Alameda Santos.
Com o passar dos anos o terreno não resistiu às pressões do mercado imobiliário e foi dividido. Felizmente, o proprietário desta área e os arquitetos envolvidos no projeto de ocupação do terreno foram generosos com a cidade e implantaram uma torre com o térreo aberto, acessível.
Da mesma forma o museu ora projetado não se reclui e além de acesso livre pela Paulista deseja reconectar-se à Alameda Santos, através da supressão do muro que o segrega de sua antiga porção. Ademais, se propõe a eliminação completa das barreiras perimetrais de modo a conectar o conjunto também ao parque vizinho, proposta desta quadra aberta foi previamente vislumbrada pela Professora Miranda Magnoli. Essa postura já é adotada na região como, por exemplo, o ícone moderno Conjunto Nacional, ou como o conjunto Cetenco Plaza localizado defronte.
A livre circulação permite ao transeunte da região o desfrute da área arborizada e agradável. A finalidade da proposta é estimular a apropriação do espaço por parte do público local além daqueles que visitam o museu.
O anexo
A edificação complementar do museu foi posicionada no fundo do lote, com um prisma de 8,5 metros por 30 metros com 36,5 metros de altura, determinado a não competir visualmente com o casarão tombado, ademais seu formato monolítico atesta a requerida discrição. Para a implantação do prédio no referido local faz-se necessário o transplante de três árvores de grande porte, condicionante viável com a utilização da grua necessária à construção do prédio.
O anexo acopla-se à edificação principal através de uma passarela envidraçada a partir do hall dos elevadores. O núcleo de circulação vertical permite que o público continue o percurso de visitação a partir da cota do piso superior do casarão. Através desse trajeto, as pessoas são levadas ao quarto pavimento batizado de praça elevada, pois é uma laje destinada a recepcionar os usuários. Deste pavimento é possível contemplar a copa das árvores existentes no entorno do prédio, antes de mergulhar no espaço expositivo fechado.
O acervo do museu é apreciado por um percurso descendente através da escadaria envidraçada, de maneira que o convidado sempre chega por um vértice do pavimento aprecia o conteúdo por um caminho que o direcionará para o próximo lance de degraus. O ritual é repetido sucessivamente do terceiro ao primeiro pavimento. Deste, o visitante desce mais um lance de escada e atinge o mezanino, o qual abriga a loja do complexo.
No quinto pavimento o centro de documentação e biblioteca aguarda pelos pesquisadores. Neste mesmo andar posicionou-se a sala de treinamento. Acima de todos, a vista para a cidade é contemplada através das janelas do restaurante do museu.
O térreo é livre. Um vão de vinte metros separa os elementos estruturais deste pavimento. Sob a torre fica a cafeteria, que atende tanto aos usuários do museu quanto aos transeuntes da Paulista. O subsolo foi reservado ao ambiente de apresentações, o teatro multiuso, que tem capacidade para duzentas pessoas. Todas as áreas técnicas circundam o núcleo de circulação vertical do térreo para baixo.
Em alusão à singular cobertura da torre e aos rufos de cobre verde do casarão, o volume monolítico supracitado foi revestido com chapas do mesmo material. Sua cor também promove a mimetização visual de sua massa à vegetação existente. A porção inferior do prédio recebe a chapa natural, em oposição os três últimos pavimentos e o ático que são revestidos pelo mesmo material perfurado, característica que permite a entrada de certa quantidade de luz. A transição dos elementos é marcada por um trecho livre, que na vertical ilumina diretamente o hall dos elevadores e na horizontal destaca o pavimento praça.
Todo trecho cego da fachada é classificado como ventilado, pois o sistema de fixação das chapas de cobre permite a entrada de ar por pequenas frestas. Esta condição contribui para evitar o aquecimento dos ambientes internos, consequentemente reduzindo o consumo de energia do equipamento de condicionamento de ar. O efeito chaminé formado pela fachada ventilada é aproveitado para geração de energia elétrica através do sistema de “Wind-belt” que é capaz de transformar a energia do ar em movimento em eletricidade.
O sistema estrutural adotado é misto baseado no concreto armado e no aço. De um lado um grande pilar laminar de concreto, de outro, a vinte metros de distância, o rígido núcleo de elevadores, também de betão armado, são conectados por vigas metálicas do tipo vierendeel que suportam o sistema de lajes em “steeldeck”.
Os preceitos de sustentabilidade nortearam o projeto, buscando soluções que reduzem o esforço energético para construção, operação e manutenção do edifício.
Propomos um sistema de reuso de águas pluviais, para limpeza, descargas e irrigação das áreas externas, através da adoção de cisternas localizadas no subsolo.
O sistema de ar condicionado, além de possibilitar à menor interferência arquitetônica ao casarão, visa à economia de energia pela adoção da tecnologia Multi-Split VRF com fluxo de refrigeração variável. Esse sistema permite a locação das condensadoras em pontos determinados e a distribuição das evaporadoras segundo a necessidade do programa, permitindo o funcionamento modular e autônomo dos equipamentos, seja para economia de energia seja para manutenção.
<p, n° 1.919 – Capital”, 1982.
LEMOS, Carlos. “Considerações sobre o Ecletismo em São Paulo” In: FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira, São Paulo, Nobel e Edusp, 1987.
SERAPIÃO, Fernando. “Paralelos (e transversais) na história da casa paulista.” São Paulo, Revista Projeto Design, 2004.
TOLEDO, Benedito Lima de. “São Paulo: três cidades em um século” São Paulo, Cosac Naify, 2004.