Apresentamos a seguir o projeto desenvolvido pelo escritório Hereñú + Ferroni Arquitetos e premiado com o primeiro lugar no concurso para o Museu da Diversidade Sexual no casarão da Avenida Paulista, promovido pelo programa de incentivo à cultura do Governo do Estado de São Paulo (ProAC).
Veja, a seguir, algumas imagens e o memorial do projeto.
Endereço
As novas instalações do Centro de Cultura, Memória e Estudos da Diversidade Sexual do Estado de São Paulo serão oportunamente implantadas junto a um eixo urbano amplamente consolidado do ponto de vista urbanístico e extremamente significativo nos âmbitos da política e da cultura brasileiras.
No mesmo endereço onde se concentra a Parada do Orgulho LGBT, um dos maiores eventos do gênero no mundo, o Centro deverá se inserir como um marco permanente de diálogo e desenvolvimento do conhecimento, da política e da cidadania.
O objetivo fundamental de reforçar a construção de uma sociedade pautada pelas noções de respeito e de tolerância à diversidade sexual deve se expressar também na concepção das novas instalações. Respeito pela história do lugar, pela edificação existente, pela significativa arborização, pelos elementos do entorno e pelo caráter público da avenida.
A proposta desenvolvida parte dessa conceituação e se organiza através de uma estratégia de recuperação e valorização da residência construída pela família Franco de Melo, da preservação da vegetação de grande porte existente e do desenho cuidadoso dos espaços públicos no nível térreo.
Vegetação
A observação de uma fotografia aérea atual da região da Avenida Paulista permite notar que o maciço arbóreo conformado pelo jardim da Residência Franco de Melo e pelo Parque Mario Covas se apresenta como o único espaço verde significativo além do Parque Tenente Siqueira Campos (Trianon).
A leitura atenta do processo de tombamento revela ainda que tão valiosa quanto a edificação propriamente dita é a relação desta com a vegetação que a circunda e desse conjunto com a avenida. A conservação e valorização do jardim são, portanto, tão fundamentais quanto a conservação e valorização do casarão.
Implantação
O desenho do chão foi pautado por um conjunto de ações que pretendem destacar o seu caráter público e reforçar sua dimensão simbólica. A retirada do muro junto à avenida objetiva resgatar o espaço frontal do casarão, perdido com o alargamento viário empreendido na década de 1970 e, simultaneamente, manifestar um gesto de abertura e convite à visitação.
Uma suave rampa, com 5% de inclinação, acomoda o desnível entre o térreo inferior e a Paulista e conduz o público ao acesso principal do conjunto, localizado no edifício anexo.
A entrada principal do casarão é recuperada como um acesso direto ao café, localizado no térreo superior, que pode assim ter um funcionamento independente e desfrutar das varandas voltadas para a Avenida Paulista.
Um jardim seco ao redor do casarão orienta os percursos, indica os acessos e minimiza a necessidade de utilização de elementos de cercamento.
Construções
A volumetria adotada para a edificação anexa se organiza de fora para dentro, a partir de elementos presentes no casarão e da localização das árvores significativas.
O volume principal da nova construção se concentra sobre a clareira existente junto ao fundo do lote e sua altura total não excede a da torre ornamental do casarão, próxima à avenida.
Um volume secundário, térreo, avança em diagonal até o limite do recuo frontal para conformar uma praça de acolhimento e sinalizar o acesso principal ao conjunto. Além disso, cria uma fachada lateral voltada para o Parque Mario Covas que permite uma eventual conexão. Sua materialidade incorpora os troncos das árvores não só para conservá-los, mas para inseri-los no espaço e valorizar sua presença.
A edificação anexa se posiciona como um pano de fundo relativamente neutro que destaca a construção existente restaurada e a presença urbana do jardim. Ela vai revelando aos poucos, à medida que se percorre a praça de acolhimento e a perspectiva das árvores vai se modificando.
Programa
As solicitações programáticas foram dimensionadas para atender às premissas de inserção e relação espacial do conjunto sem deixar de contemplar nenhuma das funções solicitadas. Em sua distribuição, procurou-se aproveitar da melhor maneira a espacialidade oferecida pelas construções.
No nível inferior do casarão, mais compartimentado e com amplitude espacial reduzida, o rebaixamento do piso permitiu localizar os setores administrativos e de serviços. No nível superior, situam-se os espaços de exposição permanente e um café que se relaciona diretamente com o fluxo de pedestres da Avenida Paulista.
Nas edificações novas, o programa se distribui da seguinte maneira: auditório e áreas técnicas no subsolo; acolhimento, eventos e parte das exposições temporárias no térreo inferior; exposições temporárias e terraço de eventos no térreo superior; biblioteca no primeiro pavimento; sala multiuso, gestão do acervo, reserva técnica, conservação e restauração e estúdio no segundo pavimento; bar na cobertura.
Os espaços de circulação foram otimizados no intuito de reduzir a área total construída de forma a estabelecer uma relação adequada entre as edificações novas e o casarão. A proposta desenvolvida atinge um total de 1740m2 de espaços cobertos e 425m2 descobertos.
Materialidade
Todas as decisões construtivas foram pautadas pela lógica de preservação dos elementos existentes.
A escavação do subsolo adota os afastamentos necessários para garantir a estabilidade do casarão e a conservação das raízes vegetais. A laje que cobre o espaço de eventos no térreo inferior possui apoios perimetrais associados à superfície de fechamento e possibilita a execução de aberturas para a passagem dos troncos das árvores. A partir do térreo superior, toda a construção é montada utilizando estruturas metálicas leves e painéis de vedação.
Uma delicada trama metálica cobre parcialmente as fachadas propiciando sombreamento e controle visual dos ambientes.
Representação
Um centro voltado para a construção do diálogo e do conhecimento deve de algum modo expressar esse caráter através de sua arquitetura, construindo espaços e signos que o representem nas mais diversas escalas de leitura.
O térreo público e convidativo pretende mostrar o centro como um lugar aberto à presença de todos.
A relação proposta do novo com as pré-existências busca representar conceitos como respeito e tolerância.
Como uma grande instalação cinética do artista Jesús Rafael Soto, a trama metálica externa que cobre parcialmente o edifício anexo busca evocar, de maneira sutil, o caráter plural, dinâmico e de resistência que marca o movimento LGBT. A localização do estúdio para coleta de testemunhos em posição destacada provoca uma abertura na trama de fechamento semelhante a um olho ou a um ouvido, abertos a ver e ouvir para conhecer e desconstruir as barreiras da ignorância e do preconceito.