Mostramos a seguir a proposta premiada com o Segundo Lugar no Concurso Nacional Parque do Mirante de Piracicaba, concebida pelo escritório Davis Brody Bond Architects and Planners. O júri ressaltou no projeto a presença de um conjunto de estruturas capaz de propiciar uma boa articulação dos fluxos internos e externos, com destaque para a conexão com o Engenho Central, a criação de um calçadão com implantação de estruturas de apoio e voltadas à gastronomia.
Dos arquitetos: Com linda situação geográfica e vegetação exuberante, hoje tombada pela Lei 149 de 15.08.1969 e do Decreto Estadual 13.426 de 16.06.1979, o Parque do Mirante é também um marco importante na memória da cidade, onde o antigo mirante e restaurante eram destino de passeio das famílias piracicabanas. Sua localização na bacia do Rio Piracicaba o coloca em uma situação ambiental importante, já ressaltada pelos inúmeros projetos feitos pela área e, principalmente, pelo Projeto Beira Rio (PAE – Plano de Ação Estruturador) de 2001 estuda e coordena a vida da bacia.
No nosso entender, sua localização na encosta do rio também o coloca numa posição simbólica importante, representando a área de maior riqueza ambiental do nosso planeta, o ecotone. O ecotone se caracteriza como uma área onde dois biomas, dois sistemas ecológicos, se encontram, gerando grande diversidade e riqueza ambiental.
Apesar de tudo isso, o parque é, hoje, pouco usado e embora seja “equipado”, não parece atrair mais os piracicabanos como já o fez um dia. Também entendemos que sua ocupação e desenho estão longe de respeitar a delicadeza e a beleza natural da área, com uma linguagem mais propícia a uma situação urbana consolidada e densa, que não privilegia a natureza tão rica ao redor.
Assim, nosso projeto começa com dois objetivos principais:
- ATIVAR: Aumentar o uso, trazendo as pessoas para o parque;
- FAZER DA NATUREZA A PROTAGONISTA: Mudar a relação daquilo que é desenhado (construído) com o que é natural, integrando arquitetura com natureza de modo mais evidente e estreito;
- INTERVIR SEM DESTRUIR: Transformar e renovar o parque através de ações (“costuras”) especificas e intervenções de baixo impacto, aproveitando a estrutura existente como suporte para a transformação;
- APROXIMAR O USUÁRIO DA ÁGUA: Criar pontos de proximidade e acesso à água do rio, do canal e também dos sistemas naturais propostos de retenção e filtragem da água pluvial
Para isso, lançamos mãos de algumas estratégias:
MUDAR ACESSOS E FLUXOS DE PESSOAS
Na análise do contexto maior observamos que o principal acesso ao parque para quem está na margem esquerda do rio, onde o centro (físico e simbólico) da cidade se encontra, é feito pela travessia da Ponte do Mirante, concebida para o fluxo expresso de veículos e sem acesso direto ao parque. Assim, propusemos um esquema de circulação que faça uso da passarela existente à oeste, reimaginando a praça de chegada na margem norte como um nó de circulação que daria acesso ao engenho, mas também ao parque através de elevador, escadas e rampas.
Isso daria ao parque duas portas de entrada. A primeira, a nordeste, daria privilégio ao veículo através da Ponte do Mirante, e a segunda, a sudoeste, privilegiaria o pedestre, dando acesso fácil àquele que vem da Rua do Porto, ou dos bairros mais densos da margem sul pela passarela. Para enfatizar o uso pedestre, alocamos possíveis áreas para o estacionamento de veículos à margem sul.
No que toca à acessibilidade, propusemos um novo sistema de rampas que se adequa melhor aos caminhos existentes, propiciando desníveis e ângulos para o cadeirante conforme Normais e Leis vigentes, num passeio que começa na entrada nordeste do parque, até o mirante central.
PROGRAMAR
Sentimos que o parque perdeu sua força atrativa com o fechamento do antigo mirante e do restaurante e que novos programas e atividades poderiam voltar a atrair as pessoas, ajudando, principalmente num primeiro momento, a reconfigurar a percepção do parque através da própria experiência do seu uso. Esses novos programas poderiam também gerar renda para a manutenção e melhora do próprio parque ao longo do tempo. Alguns programas propostos:
- Transformação da Av. Dr. Maurice Allain em um calçadão, com comércio de comes e bebes em quiosques fixos propiciados pelo parque;
- Aluguel de caiaques para canoagem;
- Transformação do espaço inferior do Mirante 03 em espaço de aluguel para eventos e festas;
- Curadoria de intervenções artísticas com o uso de leis de incentivo à cultura;
- Construção de pequenas piscinas, decks e bancos junto ao canal para que as pessoas possam sentar junto à água para brincar com ela, ou molhar os pés;
- Recuperação do restaurante à sua função original, com salão aberto para o rio;
- Retirada da cobertura metálica do aquário fora do perímetro do mirante colocada posteriormente e extensão da “parede de aquários”, transformando-a em um objeto, uma escultura a ser visitada;
- Transformação das galerias do antigo dique em espaços ocupáveis, com possibilidade de aluguel para restaurante, bar e festas (baladas);
- Criação de sistemas de reciclagem de água como demonstração ao público através de sua visualização e de painéis explicativos.
DESCONSTRUIR
Para dar à natureza a importância e o protagonismo que acreditamos merecer, e propiciar àquele que passeia uma experiência mais próxima ao contexto natural, propusemos o redesenho da estrutura existente através da desconstrução da mesma, tirando o peso e o excesso do concreto e do construído, numa releitura que aproveita o que lá está para reconfigurar a experiência do usuário. Assim, propusemos:
- “Rasgos” no piso de concreto para que a vegetação cresça poderão ajudar a tirar o peso visual dos passeios, mesclando os limites entre natural e construído e também propiciando mais área de permeabilidade. Essa ação, embora simples, tem peso visual e simbólico fortes, revelando a tensão entre construído e natural e nos lembrando que precisamos balancear o equilíbrio entre nossas manufaturas e o substrato natural que nos sustenta;
- Retirada de trechos do balaustre para o encaixe de novos equipamentos como decks e bancos, assim como para a construção de novas passagens e acessos, ou para sua substituição por guarda-corpos mais leves e transparentes, que deixem ver melhor o canal;
- Retirada de balaustres e guarda-corpos que isolam os canteiros dos passeios, onde não há desníveis perigosos;
- Troca dos postes de iluminação existentes por postes mais leves e discretos.
FAZER USO DE SISTEMAS DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
Enfatizando a importância do rio e das águas, além da importância simbólica do ecotone, optamos por fazer uso de alguns sistemas de reuso d´água, que além de efetivos, poderiam ser demonstrados à população, numa curadoria que poderia também falar da vegetação existente através de painéis explicativos ao longo do percurso do parque. Assim, criamos alguns sistemas alternativos de drenagem e reuso de água, de modo a suscitar a consciência e a discussão para o tema:
- Sistema de captação e filtragem natural para às águas pluviais e captura da poluição difusa, com o uso de canaletas abertas, piscinas naturais de retenção e piso drenante na parte superior do parque, ao longo do novo calçadão da Av. Allain;
- Sistema de pequenas piscinas espalhadas ao longo do cala para receber e filtrar novamente agua vinda do sistema superior, despejando as águas pluviais mais limpas no rio;
- Sistema de ilhas flotantes ao longo do canal. Essas ilhas são compostas por material orgânico, funcionando como esponjas para a retenção de poluição difusa e resíduos sólidos;
- Sistema de filtros naturais com o a criação de área de bioswale (área de retenção de água através do uso de solo e vegetação pantanosas)que se interligará ao espelho d’água existente, agora transformado em filtro orgânico, com o uso de plantas e peixes. Como alternativa, esse sistema poderá ser acrescido de uma unidade de tratamento artificial, provavelmente por flotação, para o tratamento primário da água do canal.
- Novo vertedor de água para o véu da noiva.