Apresentamos a seguir o projeto selecionado como 1° Pré-Classificado no Concurso Nacional para a Moradia Estudantil da Unifesp em São José dos Campos, desenvolvido pelo escritório Arquitetos Associados. Veja na sequência algumas imagens e a descrição pelos autores da proposta.
Dos Arquitetos: A proposta para a nova Moradia Estudantil do Campus São José dos Campos da UNIFESP se define a partir da compreensão do edifício como um elemento estruturador da paisagem, editando a topografia original para abrigar os espaços coletivos e a ela sobrepondo duas barras, que se orientam a partir dos limites do terreno e se escalonam conforme a suave variação topográfica, enfatizando a linearidade das faixas de área verde de preservação permanente.
O partido adotado pressupõe, portanto, uma intervenção a um só tempo arquitetônica e paisagística, e procura constituir um recinto qualificado claramente delimitado pelos dois pavilhões de habitação. Assim, o projeto se define a partir da sobreposição de três elementos principais: um sistema modular regular, um vazio articulador e um redesenho da topografia. O projeto se realiza a partir de dois sistemas construtivos distintos: um sistema modular industrializado, de natureza tectônica, que organiza os espaços típicos que apresentam ordem e repetição, e uma construção pesada, estereotômica, em concreto armado, que redesenha o chão e reconstrói a paisagem, abrigando os espaços atípicos. A tensão e a diferenciação entre um desenho do chão e um desenho da construção é uma questão central que se procura explorar.
Construindo a paisagem: implantação e articulação territorial
O projeto parte de um sistema ambiental baseado em um módulo estrutural quadrado de 4,80 por 4,80 metros, sendo o núcleo de moradia e a circulação coletiva inseridos em um conjunto de quatro módulos (9,60 por 9,60 metros). Esse sistema organiza todos os espaços privados, de uso coletivo imediato e de uso coletivo intermediário a partir da rede modular que se sobrepõe à topografia suave e permite implantar os apartamentos familiares ao nível do chão, aproveitando as áreas livres e ajardinadas como extensão aberta das unidades. De um lado, a ordenação das malhas de cada um dos pavilhões é definida pela articulação territorial, assegurando, apesar da sutil angulação entre as barras, a abertura aproximada ao quadrante leste
de todos os espaços privativos. De outro lado, as áreas comuns redesenham o chão, estabelecendo uma diluição dos limites entre edifício e paisagem. Ambas as estratégias - do desenho do chão e do desenho da construção - objetivam ampliar a abertura visual para a paisagem circundante, tanto nas unidades habitacionaisquanto nos espaços coletivos. Além de ampliar a integração entre edifício e paisagem natural, esta proposta procura editar na organização do edifício um raciocínio que reforce a qualificação do intervalo entre as barras como um recinto com alta vitalidade, estimulando a integração e a continuidade espacial entre espaços internos, jardins e a paisagem.
Um acesso principal na cota elevada se desenvolve a partir de uma rampa suave que mergulha e acede à área de acolhimento e convívio, de onde partem os acessos às duas barras. De outro lado, na cota baixa, junto à área de convivência onde se propõe implantar a quadra esportiva, um acesso alternativo favorece a integração futura com a fase de expansão, e estimula o uso da área de convivência como extensão natural da moradia.
Usos: clara diferenciação entre público e privado
Os núcleos de moradia se organizam a partir de nós de circulação vertical que abrigam também os espaços de uso coletivo intermediário a cada pavimento. Esses nós de circulação vertical se interligam em diferentes cotas, por sob as lajes ajardinadas que abrigam os espaços de convívio, e também ao ar livre, propiciando o usufruto daqueles espaços abertos. A estrutura ambiental das circulações, que irradiam a partir das áreas de convívio ocultas sob o redesenho do chão e se
distribuem linearmente em cada uma das barras a partir desses dois pontos focais em cada barra, contribui para diferenciar claramente os espaços de convívio coletivo e equaciona o escalonamento das barras. Sempre que possível, as demarcações entre circulações e espaços de permanência são eliminadas ou reduzidas ao mínimo, de modo a reforçar um sentido de continuidade e integração que favoreça a interação entre os moradores. Uma rica justaposição de percursos de sol e sombra,
sob e sobre as lajes ajardinadas e com espelhos d’água, com desníveis aos modos de bancos, estimulam a apropriação das áreas livres como extensão dos espaços de convivência. Em todos os casos, o pleno atendimento à acessibilidade universal se coloca como princípio fundamental, tanto para os espaços de uso coletivo como para as áreas comuns e livres, e ainda para os espaços privados que pretendem acolher portadores de necessidades especiais.
Os núcleos de moradia: isonomia, qualidade ambiental, privacidade, flexibilidade
Um princípio fundamental que orienta o desenho dos núcleos de moradia é a oferta de condições rigorosamente iguais quanto à área disponível e à qualidade ambiental para todos os moradores, constituindo um sentido de isonomia que evita privilegiar uns em detrimento de outros. O rigoroso dimensionamento das unidades e a abertura de todos os quartos aproximadamente para leste, gerando a possibilidade de ventilação cruzada em todos os apartamentos e assegurando a privacidade em relação às circulações de acesso, constitui um núcleo duro, sob o ponto de vista conceitual, dessa isonomia. Reforça esse sentido a padronização de elementos como mobiliário e o núcleo sanitário com uso independente das peças sanitárias nos apartamentos de quartos simples e duplos. A esse núcleo duro, que iguala a oferta, se sobrepõe a diversidade ambiental do sistema de circulações, que assegura variedade espacial e ambiental nas áreas de convívio e evita a constituição de espaços excessivamente funcionalizados.
A clara diferenciação entre os elementos permanentes e de natureza infraestrutural - a concentração dos equipamentos e instalações prediais - favorece o rearranjo interno das unidades a longo prazo.
Nos apartamentos para PMR e PCR, o mesmo núcleo de infraestruturas se redesenha com sanitário totalmente adaptado e equipado, e o mobiliário e as portas internas se dimensionam para assegurar a plena mobilidade sem barreiras.
Áreas de serviço e áreas para preparo e alimentação abrem-se generosamente para a face oeste, com vedações translúcidas que equilibram a farta iluminação e ventilação com a necessária privacidade dos espaços internos. A qualidade ambiental desses recintos voltados para a face oeste é assegurada pelo intervalo da circulação e pelo brise vertical que caracteriza os extensos pavilhões, atuando em conjunto com a circulação como um buffer que reduz a insolação e a transmissão de calor para o espaço interno da moradia.
Construção: industrialização e sustentabilidade
A construção da Moradia Estudantil foi inteiramente pensada a partir da racionalização construtiva e da industrialização, objetivando a redução de custo e tempo de implantação, a redução de custo de manutenção e a redução do esforço do trabalhador no canteiro de obras e na operação do edifício ao longo de toda a sua vida útil.
Para tanto, adotam-se os seguintes materiais, técnicas e processos construtivos:
- todo o agenciamento do chão se faz com concreto armado moldado in loco nas contenções e nas lajes protendidas, sempre que possível deixado aparente;
- estrutura principal do sistema modular em perfis metálicos leves como pequenos vãos, compatíveis com a escala dos espaços internos, permitindo uma montagem econômica e rápida, com baixo impacto;
- nos pavilhões, lajes treliçadas pré-fabricadas de fácil montagem e execução, com nivelamento a laser, polimento e acabamento contínuo com pintura de base epóxi, reduzindo o peso total da construção, o transporte de materiais e o esforço do trabalhador em todo o processo de montagem;
- módulos hidráulicos industrializados, produzidos com todas as instalações prediais e acabamentos, com dimensões que permitem o transporte de 3 módulos por carreta. Para sua instalação, bem como para a montagem de todos os elementos da estrutura metálica, prevê-se a utilização de mini-gruas com lanças de 15 metros e capacidade de içamento de até 1,5 toneladas, dispensando a utilização de guindastes, cujo acesso ao canteiro de obras seria dificultado pelo agenciamento da topografia em platôs, e cuja circulação periférica aos pavilhões minimizar impacto nas áreas de preservação permanente;
- vedações e caixilhos modulados, integrados a armários externos em concreto pré-moldado, cujo içamento e montagem pode se realizar concomitantemente à instalação dos núcleos sanitários;
- divisões internas das unidades em gesso acartonado e marcenaria integrada, a permitir reorganizações internas das unidades e integração entre unidades;
- escadas metálicas padronizadas, cuja montagem se faria com o mesmo equipamento;
- brises industrializados leves, de fácil instalação, com fixação direta na estrutura metálica, de piso a piso;
- reservatórios industrializados para água potável, água quente - aquecimento solar - e água de reuso e reserva de incêndio.
A sustentabilidade na construção de edificações de instituições públicas é exigência legal, como determina a Instrução Normativa No 01, de 19 de Janeiro de 2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Nesta proposta, suas determinações orientam as seguintes ações de projeto:
- correta orientação das aberturas e previsão de atenuadores solares conforme a orientação solar, e planejamento de pavilhões com larguras compatíveis com a iluminação natural e a ventilação natural cruzada, em atendimento à alínea I do Art. 4O da IN01;
- previsão de elementos tecnológicos para redução do consumo de energia, tanto na eficientização dos elementos de iluminação – adoção de lâmpadas de baixo consumo e menor vida útil – como nos elementos de acionamento – sensores de presença e de nível de iluminação, em atendimento às alíneas II e III do Art. 4O da IN01;
- uso de energia solar para aquecimento de água, em atendimento à alínea IV do Art. 4O da IN01;
- previsão em projeto de medição individualizada, por edificação ou unidade, do consumo de energia e água, em atendimento à alínea V do Art. 4O da IN01;
- previsão em projeto de captação, tratamento e reuso de água de esgoto cinza para abastecimento das descargas de vasos sanitários, em atendimento à alínea VI da IN01;
- instalação de sistema de reuso de águas pluviais, captadas nas coberturas das edificações, composto de coletores, filtros, bombas e reservatórios para coleta, tratamento e reservação para abastecimento de descargas de vasos sanitários e irrigação de coberturas verdes, em atendimento à alínea VII do Art. 4O da IN01; a fim de viabilizar o sistema com máxima economia, menor tempo e menor impacto, prevê-se a instalação de conjunto de reservatórios industrializados modulares na central de utilidades em subsolo junto aos espaços coletivos;
- utilização de materiais com máxima industrialização e que impliquem em mínima manutenção, com preferência, sempre que possível, aos recicláveis e biodegradáveis, inclusive assegurando sua eventual desmontagem e reutilização, como nos casos de estruturas e divisórias, de modo a reduzir a geração de resíduos e a ampliar a vida útil das instalações físicas e por consequência a eficácia do investimento público, em atendimento à alínea VIII do Art. 4O da IN01; a exigência de redução de manutenção orienta ainda a previsão de recuos dos planos de vedação em relação à face externa das estruturas, de modo a afastar as chuvas das áreas de abertura e consequentemente reduzir os desgastes que geram manutenção;
- comprovação de origem das madeiras utilizadas, quando for o caso, em atendimento à alínea IX do Art. 4O da IN01 e, principalmente, redução do uso de madeiras na construção, através da adoção de elementos industrializados e de procedimentos semi-industrializados, como no caso das lajes treliçadas pré-fabricadas, que dispensam formas e reduzem cimbramentos;
- preferência para materiais e mão-de-obra locais, sempre que disponíveis e economicamente vantajosos, em atendimento ao Parágrafo 1o do Art.4o da IN01.
Além do atendimento às exigências da Instrução Normativa, esta proposta inclui ainda os seguintes elementos e princípios relacionados diretamente à sustentabilidade:
- a possibilidade de geração de energia elétrica através de captação de energia solar por painéis fotovoltaicos, a serem implantados se verificada sua viabilidade econômica;
- a redução da absorção térmica da envoltória da edificação, tanto pelo uso de atenuadores solares dispostos no plano externo, como na instalação de cobertura verde composta por elementos modulares leves dispostos sobre laje impermeabilizada, que promovem absorção térmica no plano de incidência solar crítica, reduzindo a transmissão de calor para os espaços internos e contribuindo para a qualificação ambiental do entorno ao reduzir a refletância das coberturas.
- a flexibilidade, à escala do edifício e suas infraestruturas. Se o arranjo interno das unidades permite ampliar a flexibilidade à escala da moradia, os sistemas adotados buscam ampliar a flexibilidade à escala do edifício, permitindo inclusive imaginar uma eventual alteração no uso de partes ou do todo. Ao constituir um suporte perene, tecnologicamente concebido para abrigar este e outros usos imprevistos, amplia-se a vida útil da edificação, o que em última instância constitui um significativo aporte à sustentabilidade ambiental, econômica e social.
Trata-se, em última instância, de ampliar a vida útil das infraestruturas edificadas com vistas à economia de recursos em um sentido amplo, e de integrá-las fisicamente reforçando seu caráter público, de modo a contribuir tanto para a constituição de um patamar superior de qualidade ambiental, paisagística, urbanística e arquitetônica, como para o pleno desenvolvimento das pessoas e saberes que fazem a instituição, nesta e nas gerações futuras.