- Área: 264 m²
- Ano: 2012
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Fotografias:Giorgio Bordino
O Lugar
A localidade onde esta intervenção teve lugar foi em Sintra, na Vila da Azóia, o povoado mais ocidental do Continente Europeu. Situa-se numa zona bem privilegiada, entre a Serra e as imponentes falésias sobre o Oceano Atlântico, onde se ergue o majestoso farol do Cabo da Roca. Este descrito pelo escritor Luís Vaz de Camões como o lugar “onde a terra acaba e o mar começa” e também eleito como “um lugar inspirador para a Humanidade construir um Mundo em Paz e Harmonia”, pela Peace Blossom.
É no topo da pitoresca Rua do Bêco que está localizada a casa em questão, outrora assemelhando-se a uma velha muralha de pedras abandonadas, física e visualmente intransponível, cujos anos de esquecimento permitiram que a densa vegetação de silvas ocupasse a totalidade do seu espaço.
A Intenção
Movido pelo desejo de dar novos sentidos e utilidades às velhas coisas valorizando-as, o Arquiteto crê que tem no seu olhar mais atento o Dom de transformar aquilo em que toca e, nesse sentido, a recuperação / reconstrução desta ruína não foi a exceção.
Acredita que uma evolução estruturada não está na pontual mudança radical e por vezes egocêntrica de quem nela intervém, mas sim numa humilde e sábia transformação holística do que já existe, respeitando toda a sua história.
O Conceito
Trata-se de um entendimento da Arquitetura como um processo de evolução que, tal como na natureza, respeita três fases principais: adaptação (exploração com respostas imediatas ao lugar), transformação (reflexão) e cristalização (criação). Desta forma pretende-se que resulte uma intervenção coerente, da qual resultam lugares harmoniosos não só com o seu contexto, mas também com as intenções/ pretensões dos que o criaram. Só passando por este processo, considera uma obra ser autêntica respeitando assim "O Espírito do Lugar".
O Método de trabalho
O seu método de trabalho é, garante-nos, intuitivo. Os seus verdadeiros clientes são as próprias obras. É com elas que passa a maior parte do seu tempo, “escutando-as” com atenção. São elas que lhe “sussurram” e lhe dizem como querem ser reconstruídas. Como se de um “porta-voz” se tratasse, assume por isso, que a sua função é sobretudo “saber ouvir” e ajudar a criar naquele lugar em particular, o que este lhe pede que seja feito.
O exterior
Devido às severas características climáticas do lugar e à proximidade das casas circundantes, optou-se por “abrir a casa” para Poente. Além de lhe conferir proteção ao desagradável vento e chuvas de norte, conferiu-lhe a privacidade desejada. Possibilitou ainda uma vista privilegiada sobre a pitoresca Rua do Bêco e também para o Oceano Atlântico como fundo, até à linha de horizonte, onde se pode contemplar o por de sol.
A limitada área do lote, levou a criatividade do Arquiteto mais além, que conseguiu criar prazerosos espaços exteriores em todos os pisos, surpreendendo e deliciando todos os que desta casa hoje usufruem.
Privacidade e muita luz natural
A abertura pontual de vãos é descoberta conforme se vai conhecendo a casa. Ao entrar, embora não se veja nenhuma janela, sente-se a magia da luz natural indireta a fluir pelos espaços. Rasgos pontuais e claraboias estrategicamente colocadas permitem varrer de luz as paredes, harmonizando o ambiente através de degrades de luz e sombras resultantes das formas orgânicas das paredes e seus acabamentos suaves, sem ângulos retos, “que convidam a entrar”. Através destas aberturas, a ligação visual ao exterior de quem vive o espaço é inevitável. Autênticas molduras para um céu em constante mutação.
A iluminação
O Arquiteto considera a iluminação como uma habitual fonte de poluição, não física ou visual, mas sim sensitiva, pelo que lhe dá especial atenção. A luz “aparece” através de floreiras, nichos, prateleiras, degraus e muito habitualmente “escondida” através das próprias vigas, funcionando como “cascatas de luz” homogêneas que, tanto como iluminar, parecem ter a função de aquecer o lugar.
O vidro também é muito utilizado como separação física mas não visual, assim como os jogos de espelhos que funcionam também como reflexos de luz e amplitude espacial.
Os materiais
O Arquiteto acredita que a simplicidade dos materiais ressalta a essência da sua Arquitetura, que pretende genuína e não “mascarada”. Acredita que a beleza da Arquitetura, tal como a do ser humano, está na sua simplicidade.
O conhecimento e familiaridade com os materiais expande as suas capacidades e aplicações construtivas e, desde o momento que estes se passam a chamar “por tu”, a ilimitada criatividade “brinca” com os materiais das mais diversas maneiras. Um material experimentado à sua exaustão pode trazer-nos infinitas maneiras de ser usado, sendo assim desnecessário o uso de outros materiais, possibilitando desta maneira uma maior harmonia no espaço assim como um preço mais baixo na construção. Nesta casa podemos ver vários materiais, originalmente ásperos e duros, recriados em formas suaves e maleáveis.
Inspirado nas praias das proximidades, o Arquiteto concebe o revestimento interior e exterior da casa a partir do reboco à costa da colher. Para o efeito utiliza a cor natural das areias misturadas com cimento branco e finaliza com um banho de verniz transparente, que confere impermeabilização e um tacto acetinado à casa. A suave, luminosa e quente cor pretendida baseou-se também na cor reminiscente das casas de pedra originais assim como da ligação à Terra que, completa os outros três elementos tão presentes neste lugar: o Céu, o Mar e o Fogo.
A decoração
Conforme a casa se ia desenvolvendo, em paralelo, acontecia o mesmo com a decoração. O conceito Holístico do Arquiteto perante a Arquitetura passa também por este ponto. O entendimento do que é que os espaços da casa estão a pedir, foi o último passo a dar antes da conclusão.
Objetos, estrategicamente colocados com sentido, fazem parte dos lugares onde estão, completando um entendimento espacial desenvolvido desde o início da obra. Enfim, uma nova vida redesenhada e transformada para pertencer a esta casa tal como esta voltou a pertencer ao lugar.
Conclusão
Através de seu conceito Holístico, aqui trabalharam-se as energias desorganizadas, utilizando-as, assimilando-as e organizando-as formando uma estrutura específica com identidade, criando beleza, verdade e valor.
Esta intervenção tratou de ir mais além do que construir uma casa com as lembranças nostálgicas do passado, de apreciações estandardizadas do lugar definidas pela presença imediata.
Tratou-se de entender o lugar através das suas qualidades intangíveis, seus mitos, suas lendas, suas politicas e humanidade. O desafio do Arquiteto foi de infundir esta intervenção com a morfologia do lugar.