Um grupo de estudantes da Universidade Federal do Paraná foi a única equipe brasileira premiada no concurso ''Pensar la Vivenda, Vivir la Ciudad'', promovido pela ONU HABITAT - Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. Com um projeto que discute como o morar, o produzir e o consumir podem conviver juntos desde a escala da cidade até a habitação, os alunos foram premiados com uma Menção Honrosa.
O concurso "se desenvolve no âmbito dos debates contemporâneos acerca das cidades e o problema central de hábitat, promovendo a busca de estratégias que incorporem modelos urbanos inovadores de moradia com maior densidade, sustentabilidade e qualidade de vida. Encoraja o intercâmbio e a promoção de projetos acadêmicos formulados por estudantes de universidades latino-americanas, que contribuam com ideais novas para a cidade e para as formas que adota seu desenvolvimento na região."
Apresentamos, a seguir, o projeto dos alunos Andre da Soler, Gustavo Cândido de Jesus Paris, Julia Brasil Queiroz, Leticia Domingos Vellozo, Luca De Rossi Fischer, Lucas de Carvalho Turmena e Mônica Alessandra Guerios, orientados por Mariana Bonadio.
VIVER UMA CIDADE DO FUTURO
O inchaço populacional nas cidades é, dentre outros fatores, propulsor da periferização das camadas sociais mais pobres. Esta característica, além de alienar parte da população urbana da infraestrutura e recursos básicos para sobrevivência, também impulsiona o aumento da demanda por alimentos e, consequentemente, por terras cultiváveis. Não há, no entanto, relação de complementariedade entre os meios rural e urbano, mas sim de dualidade competitiva. Assim, apesar da produção mundial de alimentos ultrapassar a demanda total, estes produtos não chegam à mesa das populações mais pobres. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013, 20,5% dos lares urbanos brasileiros convivem com algum tipo de insegurança alimentar. Para além do Brasil, calcula-se que, atualmente, 800 milhões de pessoas sofram de fome crônica. Esta situação expõe a incapacidade dos sistemas alimentares atuais em sanar os problemas de abastecimento.
Como resposta a estes problemas, propõe-se aqui um espaço urbano onde convivam o morar, o produzir e o consumir, e em que a relação entre comunidade, cidade e meio ambiente ocorra de maneira equilibrada.
A estratégia de enfrentamento às questões mencionadas é abordada em diferentes escalas: habitação, assentamento e município. O elemento articulador utilizado é a agricultura urbana, através do conceito de CPUL – Continuous Productive Urban Landscapes –, que propõe a utilização do desenho urbano como gerador de uma paisagem produtiva contínua, conectando espaços públicos e privados por meio da produção de alimentos e incentivando a criação de sistemas locais de economia circular.
Ao analisar a paisagem da cidade de Curitiba, escolhida para aplicação da proposta, foram identificados elementos que permitissem a criação de uma rede de áreas verdes produtivas, capaz de articular todo o município. Tais localidades são leitos de rios, faixas de domínio de vias férreas e rodovias, espaços sob linhas de alta tensão, etc. Ao propor uma cidade integrada por um sistema de áreas verdes, o meio urbano assume o caráter de um complexo ecossistema, onde os recursos retornam de maneira cíclica para o meio ambiente, revertendo a lógica das cidades atuais. Assim, se possibilita a descentralização de sistemas de abastecimento da vizinhança, apelando para seu atendimento local. Na escala da vizinhança, valoriza-se o senso de comunidade desta a partir de seu controle sobre a cadeia produtiva, o que lhes garante soberania sobre o espaço e sua alimentação. A aproximação da população com estes processos propicia um uso mais racional dos recursos, reduzindo deslocamentos e gastos bioenergéticos, resultando em uma cidade mais compacta, sustentável e acessível.
MASTERPLAN
O local escolhido para detalhamento da proposta foi a Vila Torres, situada às margens do Rio Belém e a apenas 3 Km do centro de Curitiba. O acesso físico aparentemente facilitado, porém, não ameniza a barreira social entre a comunidade e seu entorno, caracterizando sua situação de enclave urbano. A aplicação da proposta na região justifica-se no sentido de alcançar a melhoria da qualidade de vida das famílias que lá residem sem que haja um processo de remoção e de gentrificação, além de promover a recuperação ambiental do Rio Belém e entorno.
Para o estabelecimento da habitação coletiva na região através dos princípios norteadores do projeto, foi desenvolvido um Masterplan para a Vila Torres, reorganizando a ocupação atual e propondo um novo modelo de habitação. O desenho da rede viária parte da malha existente nos bairros vizinhos, conectando-se com as principais ligações da cidade, criando integração física e abrindo eixos visuais. A verticalização dos blocos habitacionais libera o solo para produção de alimentos, realização de feiras, instalação de vias cicláveis e transporte coletivo sobre trilhos, bem como para implantação de wetlands para o tratamento e reutilização de águas e biodigestores para produção de energia a partir de material orgânico. Além disso, essa solução permite maior adensamento populacional na área, fazendo com que a infraestrutura proposta e existente seja plenamente utilizada. Ainda, a instalação desses novos edifícios deve acontecer em etapas, permitindo realocações das famílias dentro da própria região, evitando remoções.
Idealmente, a participação plena da comunidade desde o início do processo é premissa para o projeto. Para tanto, como primeiro passo, propõe-se a instalação de um Centro de Distribuição – equipamento multifuncional que assume papel fundamental para a integração comunitária, contemplando espaços para exposição do projeto, reuniões públicas para tomadas de decisão, oficinas para produção de alimento e a própria distribuição destes, sendo todas essas atividades de caráter permanente.
DA CIDADE À HABITAÇÃO, UM SÓ SISTEMA
Os mesmos princípios norteadores que conformam o desenho urbano são utilizados no projeto do edifício, o qual soma-se à paisagem através da lógica de fechamento de ciclos de produção e consumo.
A fim de garantir a continuidade da população original e o acolhimento de novos moradores para a região, foram desenvolvidos blocos habitacionais que comportassem a nova densidade pretendida. A redução de deslocamentos também é enfatizada pelo compartilhamento do espaço por diferentes usos: não há restrição para que as unidades do edifício também sejam total ou parcialmente convertidas em usos não habitacionais. A convivência de diferentes atividades se aproxima das relações sociais estabelecidas nos assentamentos informais ou irregulares, dando à comunidade a autonomia para definir as funções necessárias nesse espaço.
O princípio de soberania, além da definição de usos, também se expressa no restante do projeto. A planta é originada a partir de um módulo mínimo e de baixo custo, o qual pode ser dividido ou associado a outros módulos livremente, gerando uma vizinhança heterogênea em suas formas e conteúdo social. A cobertura e o térreo não têm funções previamente determinadas, mas seguem as necessidades e desejos da população do edifício. Desta forma, por exemplo, ao nível da rua, tanto podem ser estabelecidos espaços comerciais, recreativos e outros, assim como vagas de estacionamentos para aqueles que precisarem (idosos, pessoas com mobilidade reduzida etc).
Esses espaços oferecem a possibilidade da produção agrícola na escala individual e da família, através de hortas em varandas, na circulação compartilhada e principalmente na cobertura do edifício, onde são estabelecidas hortas comunitárias e estufas, tornando-se a extensão do espaço público e continuidade em menor escala das paisagens produtivas contínuas propostas na escala urbana.
Os espaços livres internos à quadra, além de estabelecer intermédio entre o público e privado, pressupõem a instalação de infraestrutura verde que alie a produção de alimentos, o manejo de águas de reuso e o uso recreativo.
O tratamento local de águas servidas se soma à captação de água da chuva, fornecendo a maior parte da água necessária às residências e também à produção de alimentos. Essa descentralização dos sistemas que alimentam o edifício também se expressa na produção local de energias renováveis (através do biogás e painéis solares), abastecimento de alimentos, coleta e tratamento de lixo orgânico. Dessa forma, o projeto prevê maior sustentabilidade à medida que considera todo o ciclo de produção e operação como partes integradas.
Na concepção do edifício foi considerada a redução da necessidade de iluminação artificial e de aquecimento através da orientação norte dos módulos habitacionais. Há também o aproveitamento de varandas como anteparos para bloquear o sol no verão, previsão de terraço verde para diminuição de cargas térmicas indesejáveis. A inércia térmica das paredes em alvenaria adequam-se ao clima curitibano. Por fim, painéis móveis instalados nas varandas proporcionam redução do ofuscamento solar em fins de tarde e no inverno.
O uso de materiais pré-fabricados torna a execução da obra mais rápida e com baixo índice de perda de materiais, além de poder utilizar os resíduos de demolição do assentamento prévio como agregado para calçadas e pisos. Essas características são essenciais para todo o projeto, que traz como base conceitual a sustentabilidade e a preocupação em apresentar soluções rápidas e viáveis para a questão da habitação. Para as vedações, o uso do tijolo ecológico proporciona facilidade no assentamento e dispensa uso de argamassa, sendo apenas encaixado.
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