Pequenos grupos de visitantes sobem uma escadaria enorme na base de um monumento esférico, mais alto que a Grande Pirâmide de Gizé. Um arco de luz solar decrescente toma uma pequena porção da esfera, deixando o portal de entrada escavado e grande parte da massa na sombra. Reunindo o afeto emocional do romantismo, a racionalidade severa do neoclassicismo e a grandeza da antiguidade, a visão sublime de Etienne-Louis Boullée para um mausoléu honrando Sir Isaac Newton é tanto emblemática do abismo histórico particular, como um feito artístico que prenunciou a concepção moderna do projeto arquitetônico. Representado através de uma série de desenhos em tinta e aquarela, o memorial foi um dos inúmeros desenhos provocativos que ele criou, no final do século XVIII e incluídos em seu tratado: Architecture, essai sur l’art. O cenotáfio é uma homenagem poética ao cientista Sir Isaac Newton, que 150 anos após sua morte tornou-se um símbolo reverenciado dos ideais iluministas.
Além de representar sua genialidade criativa individual, a abordagem de Boullée para o projeto sinalizou a separação da arquitetura como uma arte pura da ciência da edificação. Ele rejeitou a noção Vitruviana da arquitetura como a arte da construção, escrevendo que "Para executar, primeiro é necessário conceber... É esse produto da mente, esse processo de criação, que constitui a arquitetura..." [1]. O propósito do projeto é visionar, inspirar e manifestar uma ideia conceitual através de formas espaciais. A pesquisa de Boullée foi para uma arquitetura imutável e totalizante.
Durante a vida de Boullée (1728-1799), Paris era o centro cultural do mundo, bem como local de grandes transformações. As ruas antes de Haussmann eram terreno fértil dos conflitos de classe, enquanto colheitas fracas e custosas guerras levaram à crise financeira. Os ideais iluministas, particularmente as noções de soberania popular e de direitos inalienáveis, influenciou o aumento do descontentamento e a eventual revolução [2].
Embora Boullée tenha completado uma série de comissões de pequena escala construídas para clientes privados e religiosos durante sua vida, foi mais influente na área acadêmica, na École Nationale des Ponts et Chaussées e na Académie Royale d'Architecture. Boullée rejeitou a frivolidade percebida nos projetos suntuosos do rococó em favor das ordens rígidas dos gregos e romanos. Conduzido por sua busca de formas puras derivadas da natureza, ele olhou para trás na história para as formas monumentais de culturas que antecederam os gregos. Transcendendo mera adulação de precedentes históricos, Boullée remixou elementos clássicos em uma escala e nível de drama anteriormente inatingidos.
Para Boullée, a esfera representava perfeição e majestade, criando gradações suaves de luz em toda a sua superfície curva e tendo uma "preensão incomensurável sobre nossos sentidos" [3]. Para o mausoléu de Newton, uma esfera de 152 metros de diâmetro é incorporada dentro de uma base cilíndrica de três camadas, dando a impressão de um volume enterrado. Boullée inteligentemente completa a figura da esfera com um par de rampas curvas ladeadas.
Uma única grande escadaria leva a um pedestal circular. Os desenhos privilegiam o impacto e a atmosfera sobre a legibilidade da planta. Por exemplo, mostra-se uma pequena porta exterior no segundo andar acima de uma faixa de ameias, ainda que não seja ilustrado nenhum meio de acesso. Escadas estreitas ladeadas fornecem uma conexão exterior entre o segundo e mais alto terraço. Ciprestes, pouco espaçados, associados com o luto nas culturas grega e romana, circunscrevem cada nível. O portal de entrada esférico no nível mais baixo dá lugar a um longo túnel escuro, que corre abaixo do volume central. Elevando-se à medida que se aproxima do centro, um lance final de escadas leva os visitantes para um vazio cavernoso. Aqui, no centro de gravidade, está o sarcófago de Newton, a única indicação da escala humana no interior.
Boullée cria um mundo interior que inverte as condições de iluminação exteriores. À noite, a luz irradia de uma enorme luminária suspensa no ponto central da esfera. Vagamente celestial na sua forma, a luz derrama através dos longos túneis de entrada. Durante o dia, uma noite estrelada cobre o interior. Pontos de luz penetram a casca grossa, através de perfurações estreitas cuja disposição correspondem à localização dos planetas e constelações. Um corredor aparentemente inacessível, com uma seção de quarto de círculo, envolve o perímetro.
As seções começam a sugerir uma negociação de forças, enquanto a cúpula parece atenuar ou escavar no topo, os suportes são engrossados. As paredes nuas e a falta de ornamentação criam uma impressão sombria. Mudanças no tom e elementos enevoados reforçam a sensação de mistério.
Embora não construído, os desenhos de Boullée foram gravados e amplamente divulgados. Seu tratado, ficou como legado à Bibliotèque National de France, e não havia sido publicado até o século XX. Em The Art of Architectural Drawing: Imagination and Technique, Thomas Wells Schaller chama o cenotáfio de uma "peça surpreendente" que é "perfeitamente sintomático da época, tanto quanto é do homem" (4). Juntamente com Claude Nicholas Ledoux e Jean-Jaques Lequeu, o trabalho de Boullée e seus contemporâneos influenciou o trabalho na École des Beaux-Arts durante a metade e o final do século XIX. Suas obras ainda inspiram arquitetos. Por exemplo, em 1980 Lebbeus Woods concebeu um mausoléu para Einstein, inspirado no projeto.
Confira aqui uma tradução em inglês dos pensamentos de Boullée, em assuntos como arquitetura, arte, natureza, e seus projetos adicionais
Notas
- Etienne-Louis Boullée. Architecture, Essay on Art. Edited and annotated by Helen Rosenau. Traduzido por Sheila da Vallée. 82.
- http://www.history.com/topics/french-revolution
- Boullée, 86
- Schaller, 160
Referências
Kaufmann, Emil. “Three Revolutionary Architects, Boullée, Ledoux, and Lequeu,” Transactions of the American Philosophical Society, New Series, 42 No. 3 (1952), 431-564
Rosenau, Helen. Boullée’s Treatise on Architecture. London: Alec Tiranti Ltd., 1953.
Pérouse de Montclos, Jean-Marie. Etienne-Louis Boullée (1728-1799): Theoretician of Revolutionary Architecture. New York: George Braziller, 1974.
Boullée, Etienne-Louis. Architecture, Essay on Art. Edited and annotated by Helen Rosenau. Traduzido por Sheila da Vallée. Acessado em http://designspeculum.com/Historyweb/boulleetreatise.pdf
Schaller, Thomas Wells. The Art of Architectural Drawing: Imagination and Technique. New York: Van Nostrand Reinhold, 1997.