Nas margens do rio Sena, a leste da Île de la Cité, centro de Paris, estão as quatro torres cintilantes da Biblioteca Nacional da França. Dobradas em torno do perímetro de uma esplanada pública, o projeto é a versão moderna de Dominique Perrault para a tradição parisiense milenar de arquiteturas públicas monumentais. O projeto é tanto volume como vazio, fechamento e exposição, uma justaposição de ideias contrastantes e que é, ao mesmo tempo, muito respeitoso do seu lugar, seu legado milenar, como também uma auto-crítica deliberada.
A biblioteca encabeçou uma série de projetos arquitetônicos - os Grands Projets - liderados pelo presidente François Mitterand nos anos 1980 e início dos 90. Juntamente com o Instituto do Mundo Árabe, o Parc de la Villette, e as famosa e polêmicas Pirâmides do Louvre, entre outros, estes projetos objetivavam criar um novo conjunto de monumentos modernos para uma cidade definida por sua arquitetura. [1] Em 1989 Mitterand lançou um grande concurso para projetar a nova biblioteca nacional, com inscrições de 244 arquitetos de todo o mundo. [2] Foi uma grande surpresa para muitos quando o jovem francês, Perrault, ganhou o concurso, com apenas 36 anos de idade.
O projeto de Perrault é um jogo provocativo sobre o papel tradicional da arquitetura pública em Paris. Carrega um sentido de monumentalidade e iconicidade visual que é familiar aos parisienses, mas sendo distintamente moderna em afeto e progressiva no ethos. Frivolidade e indulgência são rejeitadas em favor de uma linguagem minimalista. Arcadas clássicas, esculturas em pedra e expressões ornamentais de riqueza e poder são substituídas por vidro, aço e madeira, com uma paleta discreta e econômica das massas urbanas e um retrocesso para os ideais da metade do século. Nos interiores, carpetes vermelho, madeiras naturais e utensílios elegantes são imponentes, mas com bom gosto contido.
Para os visitantes e moradores do 13º arrondissement, a biblioteca é acessível e inclusiva, sem utilizar sua enorme presença para se apropriar, mas criando um espaço público liberado. Desde o rio, uma escada comprida dramática conduz os visitantes da calçada à esplanada pública e passarelas elevadas conectam as quatro torres. Entre seu projeto aberto e as suas funções educativas, a biblioteca é um monumento programático e simbólico aos ideais socialistas, uma qualidade do presidente esquerdista que entusiasticamente vendeu o projeto para o povo francês. [3]
No núcleo da esplanada elevada está um vasto pátio central. É escavado e preenchido por árvores, como se o ambiente urbano tivesse sido preenchido com vida. Duzentos e cinquenta carvalhos, pinheiros silvestres e bétulas foram plantados ali, um oásis emergindo das cinzas de um local industrial abandonado. [4] A mensagem do projeto é clara: no núcleo do projeto - e, talvez, no centro do conhecimento humano - está a natureza, e não o homem e seu urbanismo. Em contraste com outros modelos da arquitetura monumental em Paris, o edifício não funciona para glorificar a si mesmo, mas sim para trabalhar o drama de vazio.
As caixas circundantes, junto com as próprias torres, contêm uma sequência aparentemente interminável de instalações da biblioteca. Cerca de 3.600 estações de estudo enchem as salas de leitura, ao lado de diversos escritórios, galerias e salas de conferências. Com quatrocentos quilômetros de prateleiras, a coleção da biblioteca é capaz de abrigar o espantoso número de vinte milhões de volumes, tornando-se o maior repositório de livros na França e entre os maiores do mundo.
Embora estejam física e simbolicamente deslocadas do centro do projeto, as quatro torres estavam longe de preocupações periféricas para o arquiteto. Construída usando uma elaborada fachada dupla, são visualmente complexas e estratificadas, refratando uma tela prismática de luz natural e artificial que, por si só, é uma expressão artística e sinalização proposital. Perrault descreve sua inspiração: "Uma luz diáfana se levantará pelos interiores das torres de vidro, culminando em quatro pontos mais altos, que brilham como quatro faróis. Esta luz líquida irá se espalhar sobre a praça, enquanto as torres serão refletidas no Sena. " [5]
Após sua conclusão, em 1995, a biblioteca recebeu um conjunto de prestigiados prêmios internacionais, incluindo o Mies van der Rohe Award da União Europeia em 1996. Mas sua recepção crítica foi decididamente mista, especialmente para aqueles que tinham lutado para orientar a arquitetura para longe das linguagens descontextualizadas do modernismo do pós-guerra que a biblioteca parecia reencarnar. Anthony Vidler em particular advertiu contra as consequências urbanas das visões de Perrault do "asfalto desértico", argumentando que a biblioteca "nos leva de volta a um desprezo pela rua urbana não expressada com tamanha ferocidade desde as fulminações de Le Corbusier em L'Intransigeant, em 1929." [6] No entanto, para o jovem Perrault, o ambicioso concurso de Mitterand foi nada menos que o projeto que catapultou sua pro carreira prolífica internacional.
Nota: Em novembro de 2015, em comemoração do vigésimo aniversário da conclusão da biblioteca, DPA lançou um novo site que documenta a história do projeto (disponível aqui).
[1] Goldberger, Paul. “In Paris, A Face Lift in Grand Style.” The New York Times. Publicado 17 Maio de 1987. Acessado em 21 de Abril de 2015 em http://www.nytimes.com/1987/05/17/arts/in-paris-a-face-lift-in-grand-style.html?src=pm.
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Arquitetos: Dominique Perrault Architecture Dominique Perrault Architecture; Dominique Perrault Architecture Dominique Perrault Architecture
- Área: 365173 m²
- Ano: 1995
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Fotografias:Davide Galli, Yuri Palmin
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Fabricantes: Dow Building Solutions, GKD Metal Fabrics
[2] Rockwell, John. "French Culture Under Socialism: Egotism or a Sense of History?" Publicado 24 Março de 1993. Acessado em 24 de Abril de 2015 em http://www.nytimes.com/1993/03/24/arts/french-culture-under-socialism-egotism-or-a-sense-of-history.html.
[3, 4, 5] “French National Library.” Dominique Perrault Architecture. Acessado em 21 de Abril de 2015 em http://www.perraultarchitecte.com/en/projects/2465-french_national_library.html.
[6] Vidler, Anthony. "Books in Space: Tradition and Transparency in the Bibliotheque de France." Representations, No. 42, Special Issue: Future Libraries (Spring, 1993), p. 116.