Clássicos da Arquitetura: Proposta para um Hospital em Veneza / Le Corbusier

Le Corbusier deixou uma marca indelével na arquitetura modernista quando declarou que "une maison est une máquina-à-habiter" ("a casa é uma máquina para viver"). Sua crença de que a arquitetura deveria ser tão eficiente quanto uma máquina resultou em propostas como o Plano Voisin, que transformava os boulevares de Paris em uma série de arranha-céus cruciformes saindo de uma grade de rodovias e parques abertos. [1] Nem todos os conceitos de Le Corbusier, no entanto, foram voltados para transformações urbanas tão radicais. Sua proposta de 1965 para um hospital em Veneza, Itália, foi notável em sua tentativa de buscar harmonia estética com o seu entorno único: uma tentativa de não erradicar a história, mas traduzi-la.

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Sectional Model. Image © Fondation Le Corbusier (FLC/ADAGP)

Havia muita demanda pelo trabalho de Le Corbusier na Itália após o fim da Segunda Guerra Mundial. O país experimentou um crescimento econômico incrível nas décadas seguintes à guerra; o que era uma economia majoritariamente agrícola rapidamente transformou-se em uma nação sobretudo industrial. [2] O arquiteto já havia sido contratado para projetar uma nova sede para a empresa Olivetti nos arredores de Milão quando a prefeitura de Veneza se aproximou dele com a sua própria comissão para um novo hospital. O novo edifício, que seria implantado no bairro de San Giobbe, serviria como uma instalação para cuidado de doenças sérias e pacientes terminais. [3]

A proposta de Le Corbusier não se destacava do restante da cidade como um marco modernista descarado. Em vez disso, ele utilizou o vocabulário urbano existente para aparentar como uma continuação perfeita da cidade antiga. O hospital foi concebido como uma rede de módulos interconectados agrupados em torno de uma série de pátios quadrados, uma analogia clara ao tecido urbano tradicional de Veneza. Como acontece no restante dos edifícios da cidade, o novo hospital apoia-se sobre uma série de estacas cravadas no lodo veneziano. Entretanto, estas não eram típicos troncos de madeira; em referência aos seus próprios cânones de projeto, Le Corbusier preferiu pousar o hospital sobre uma grade de pilares de concreto, ou pilotis. A intenção geral era que o novo hospital estenderia o tecido urbano em vez de interrompê-lo. [4]

Plan
Long Section

Enquanto Le Corbusier escolheu emular a tipologia estrutural típica de Veneza, ele não sacrificou o funcionalismo ao fazê-lo. Os módulos que compunham o hospital seriam quase idênticos, apresentando 28 leitos de pacientes enfrentando três corredores; quatro destes quadrados, apelidadas de "unidades de terapia", foram dispostos em torno de uma pequena praça central, os cantos dos quais se ramificava em corredores que ligavam-se a outras praças. O sistema foi projetado para permitir que o hospital fosse expandido conforme necessário no futuro, garantindo que haveria espaço para novos leitos ou equipamentos médicos recém-inventados. O hospital também foi verticalmente estratificado programaticamente: administração e entrada de serviço foram localizados ao nível do solo, os quartos de pacientes no piso superior, e todos os outros programas hospitalares no nível intermediário [5].

Um aspecto curioso do projeto foi a falta de janelas convencionais nas unidades de terapia. A única luz adentrando os espaços vinha de lanternins ao longo das paredes dos corredores internos de cada quarto de hospital; um jornal americano considerou esta uma "descortesia", como é negado pacientes a oportunidade de olhar para fora, a Lagoa de Veneza durante a sua estadia. [6]

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Outro gesto projetual que suscitou preocupação foi o corredor para automóveis que conduzia da Estação Ferroviária de Santa Lucia diretamente à entrada do nível do solo do hospital. Ainda que uma via tenha sido construída ao lado da ponte ferroviária que liga o continente à estação, a proposta de Le Corbusier teria trazido carros em uma cidade que permaneceu em grande parte desprovida de sua presença. O mesmo jornal que questionou a falta de janelas convencionais considerava a provisão para automóveis "indesculpável", declarando que era a única característica que impedia o hospital de alcançar a mesma vitalidade arquitetônica das estruturas históricas circundantes. [7]

Dado o desprezo típico de Le Corbusier pelos tecidos urbanos pré-existentes, sua deferência à estética tradicional de Veneza parece anômala. No memorial de seu Plano Voisin, ele denunciou os edifícios da era Haussmaniana e as avenidas de Paris como uma mistura grotesca de edifícios incompatíveis e valas estreitas - uma relíquia que, insistiu, era nada menos do que repugnante [8]. Enquanto ele insultou Paris, ele desenvolveu um gosto peculiar por Veneza. Já em 1930, ele referenciou a cidade italiana como um modelo urbano ideal, louvando a sua rede de canais e a aceitação de múltiplas formas e estilos arquitetônicos, sem a necessidade de uma continuidade falsa, superficial. Enquanto Paris representaria seu desejo modernista para limpar a lousa e construir de novo, foi em Veneza que ele iria contraditoriamente defender os benefícios da preservação histórica. [9]

Model. Image © Fondation Le Corbusier (FLC/ADAGP)

O projeto do Hospital de Veneza surgiu muito tardiamente na vida de Le Corbusier; ele propôs o projeto final apenas alguns meses antes de sua morte em 1965. Devido a uma falta de financiamento, a cidade acabou por escolher um projeto diferente para um terreno no continente. [10] No entanto, a proposta de Le Corbusier representa a síntese de seus pontos de vista aparentemente contraditórios - uma espécie de historicismo funcionalista modernista. Foi oportuno, talvez, que o último projeto de Le Corbusier tenha sido para uma cidade que ele passou a admirar tão profundamente.

ArchDaily gostaria de reconhecer o Socks Studio como uma das principais fontes de material para este artigo. Outras informações relacionadas a este projeto podem ser encontradas aqui.

References
[1] Le Corbusier. "Plan Voisin, Paris, France, 1925." Fondation Le Corbusier. Acesso em 18 de Maio de 2016.
[2] Signoretta, Paola E. "Italy - The Economic Miracle." Encyclopedia Britannica. May 12, 2016. [link]
[3] Flint, Anthony. Modern Man: The Life of Le Corbusier, Architect of Tomorrow. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2014. p184.
[4] Verderber, Stephen, and David J. Fine. Healthcare Architecture in an Era of Radical Transformation. New Haven, CT: Yale University Press, 2000. p24.
[5] Fabrizi, Mariabruni. "The Building Is the City: Le Corbusier’s Unbuilt Hospital In..." Socks Studio. May 18, 2014. [link]
[6] Verderber, Stephen, and Fine, p24.
[7] Fabrizi.
[8] Le Corbusier, “Plan Voisin.”
[9] Corbusier, Le, Stanislaus Von. Moos, and Arthur Rüegg. Le Corbusier before Le Corbusier: Applied Arts, Architecture, Painting, Photography, 1907-1922. New Haven: Yale University Press, 2002. p153.
[10] Verderber, Stephen, and Fine, p24-25.

Veneza, Itália

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Sobre este escritório
Cita: Fiederer, Luke. "Clássicos da Arquitetura: Proposta para um Hospital em Veneza / Le Corbusier" [AD Classics: Proposal for a Hospital in Venice / Le Corbusier] 05 Out 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/796700/classicos-da-arquitetura-proposta-para-um-hospital-em-veneza-le-corbusier> ISSN 0719-8906

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