Três arquitetos foram originalmente convidados para elaborar planos para um pavilhão "nórdico": os finlandeses Reima e Raili Pietilä, Sverre Fehn da Noruega, e o sueco Klas Anshelm. Após a seleção da proposta de Fehn em 1959, Gotthard Johansson escreveu no Svenska Dagbladet sobre a "simplicidade impressionante do projeto [...], sem muitas insinuações arquitetônicas" [1] - uma proposta de um espaço capaz de unir um triunvirato de nações sob uma mesma cobertura (incrível).
Mais de cinco décadas depois, o 'Pavilhão Nórdico' (como seria conhecido mais tarde) tem refletido, consolidado e incorporado tradições arquitetônicas nórdicas. Observando mais profundamente, entretanto, torna-se claro que Fehn realmente procurou inverte-las totalmente. No lugar de vigas de madeira pesadas, Fehn escolheu lamelas delgadas de concreto, pigmentados para brilharem (refletindo, por uma metáfora comum, luz solar que cai em uma colcha de neve). No lugar de criar um espaço fechado para fechar os elementos fora - um vernáculo típico na Noruega - ele remove completamente duas das quatro paredes periféricas do edifício. Ao projetar a cobertura essencialmente aberta ao céu, Fehn foi capaz de controlar especificamente como a chuva cairia no espaço. Neste sentido, é um edifício que possui seu entorno - aceitando o contexto direto, enquanto tenta sugerir outro, de um mundo distante.
Fehn não procurou mimetizar um vernáculo Nórdico - o Pavilhão não é um ato de mimesis no sentido convencional. Ele procurou reescrever (em oposição a traduzir) algo até então indescritível: o sentido de uma arquitetura 'Nórdica' para o clima veneziano e situado em um contexto desabitado, unicamente fragmentado, do giardini da Biennale di Venezia. Assim como Walter Benjamin descreveu o ato de tradução como um "modo", em vez de um ato, [2] Fehn reconheceu que a orquestração de espaço em função do conjunto é diferente de enxertar contextualmente e, portanto, elaborar desde e para um novo ambiente. [3]
Destilando os gestos arquitetônicos de Fehn em uma coleção de elementos articulados - teto, chão, parede, escada e vigas - revela sua complexidade, como um gesto espacial consolidado. Assim como o Palazzo Ducale (a dez minutos de distância pela água) ele só deve ser lido como uma parte de uma "metamorfose" (nas palavras de Giulia Foscari [4]) entre a superfície, o objeto e o espaço que compreende a Piazza (e, por extensão, a Piazzetta) San Marco, o Pavilhão Nórdico é mais do que um conjunto de peças. É o culminar de uma orquestração de ideias espaciais e intenções atmosféricas entre parede, chão, degraus, cobertura, paisagem, luz, e 'interstícios' - tudo emoldurado por sua relação com a topografia do local.
A grade, que de outra forma poderia parecer monótona em sua rigidez, é interrompida por uma série de aberturas através das quais três árvores remanescentes [5] - das sete originais no terreno - irrompem do chão para pontuar verticalmente através, para cima e para fora do espaço.
Fehn indicou a compreensão desta abordagem para construção após uma viagem ao Marrocos:
De repente você sente que as paredes não servem simplesmente para suportar um telhado ou conformar uma casa, mas que em um momento servem para fornecer sombra ao sol, no outro para ser suporte para sua volta, no Outono um apoio para secar tâmaras e na primavera um quadro negro para as crianças desenharem. É o mesmo com o teto e o piso. As diferentes partes da casa são consideradas como mobiliários domésticos. [6]
Durante suas viagens através da Itália que se seguiram, Fehn tornou-se extremamente consciente das diferentes características que a luz pode tomar. Após o seu regresso à Noruega ele foi "capaz de reconhecer a natureza distinta da luz nórdica" como nunca antes. [7]
Como qualquer tradutor que merece respeito, Fehn empregou tanto materiais originais como aqueles específicos ao local - uma combinação concreta de cimento branco, areia branca, e mármore branco italiano esmagado - para esculpir uma qualidade de luz de incrível intensidade, tranquilidade e, o mais importante , homogeneidade constante. Ele queria fazer nada mais do que "construir uma cobertura para proteger as pinturas e esculturas da luz solar direta." [8]
Para a 'cobertura', que seria mais precisamente descrita como um conjunto de poços de luz, Fehn concebeu duas camadas de brises de concreto. Estas lamelas, cada uma de um metro de altura e seis centímetros de espessura, cobrem o espaço interno para criar um plano de dois metros de profundidade, por sua largura e altura, numa proporção de 1: 2. Eles esticam-se por toda a sala em um único vão, agrupando-se em intervalos de 52,3 centímetros. Juntos, eles destilam a luz mediterrânea inebriante e morna em sua variação 'Nórdica': ao mesmo tempo sem sombras, uniforme e brilhante. É uma luz que é "definida, mas familiar" [9] e, nas palavras de Marco Mulazzani, proporciona uma sensação de iluminação constante e homogênea. [10] Em outras palavras, um mundo sem sombras.
—Der Ister, Friederich Hölderlin (trad. Richard Sieburth)
Notas e Referências
[1] Marco Mullazzani, Guide to the Pavilions of the Venice Biennale since 1887 (Milan: Electa, 2014), p.122-126
[2] Walter Benjamin, Harry Zorn trans., The Task of the Translator in Illuminations (London: Pimlico, 1999), p.70-71
[3] Em outras palavras, somente porque madeira, tijolos, argamassa e concreto podem ser achados e fabricados em quase qualquer lugar, isso não quer dizer que são usados da mesma forma por toda parte.
[4] Guilia Foscari, Elements of Venice (Zürich: Lars Müller, 2014), p.12-27
[5] Segundo Ole Gaudernack as três árvores remanescentes dentro do pavilhão são Celtis Australis, also known as the Mediterranean hackberry, the European Nettle Tree, or the Honeyberry).
[6] Richard Kearney, On Stories (London: Routledge, 2002) p.140 (via Neveu, On Stories: Architecture and Identity)
[7] Mark J. Neveu, On Stories: Architecture and Identity (Oslo: Arkitektur N, 02, 2008), accessado em 28 de Fevereiro 28 de 2016, p.5
[8] Christian Norberg Schulz, Gennaro Postiglione, ed. Sverre Fehn: Samlede Arbeider, (Oslo: Orfeus Forlag, 1997) p.248 (via Neveu, On Stories: Architecture and Identity)
[9] Neveu, On Stories: Architecture and Identity
[10] Marco Mullazzani, Guide to the Pavilions of the Venice Biennale since 1887 (Milan: Electa, 2014), p.19
- Ano: 1962
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Fotografias:Åke E:son Lindman