Nenhuma tipologia de edifício revela tanto sobre a cultura política de uma nação como a sede de seu governo. Estruturas parlamentares ou palacianas podem contar histórias de expansão burocrática, excesso autocrático, abertura democrática, e qualquer outra coisa relacionada. O Edifício da Assembleia Nacional do Kuwait, casa do legislativo eleito pelo voto popular, não é exceção. Muito parecido com o governo nomeadamente democrático que hospeda, o projeto projeta conflitantes mensagens de acessibilidade e modernidade regionalista, referenciando tradições que não necessariamente existem no país e, às vezes, terminam em contradição direta com ele mesmo. Como um emblema da cultura política, o edifício é, portanto, talvez muito preciso em sua leitura da história do Kuwait, produzindo uma visão reveladora no tecido político complexo do país através da sua própria bricolage eclética de ideias.
Projetado em 1972 pelo arquiteto dinamarquês Jørn Utzon, mais conhecido por seu desenho da Opera de Sydney, a narrativa política do Edifício da Assembleia Nacional iniciou controversa com a contratação de um arquiteto estrangeiro. Como foi o caso de outros edifícios legislativos, incluindo na Escócia, Dhaka, Chandigarh, e mais atualmente na Albânia, a decisão de importar tradições arquitetônicas estrangeiras para projetos culturais de alto nível pode ser interpretada como uma forte - e mesmo anti-nacionalista - declaração política. (Talvez o exemplo mais claro da importância deste gesto simbólico ocorreu no início de 2014, quando Zaha Hadid foi nomeada para projetar o edifício do Parlamento iraquiano por seu país natal à frente de uma empresa estrangeira que havia alegadamente vencido o concurso). No Kuwait, entretanto, mesmo o processo de tomada de decisão foi delegado a autoridades estrangeiras; seis participantes foram escolhidos para o concurso fechado por um júri internacional, supervisionado pelo modernista britânico Sir Leslie Martin, no qual Utzon foi selecionado para aprovar seu projeto.
O esquema mais proeminente de Utzon apresenta uma colunata pública de pilares altos e finos que suportam uma cobertura elegante de concreto sobre uma praça aberta. Suas curvas dramáticas, compostas por uma série de cascas semi-circulares assentados sobre cabos de aço, caem gestualmente para baixo a partir do topo das colunas do edifício sob a forma natural de uma catenária. Utzon afirmou que a sensação têxtil da cobertura referencia a construção das icônicas tendas do povo árabe beduíno. Erguendo-se em frente à Baía do Kuwait, a arquitetura é convidativa e voltada para o futuro, lançando seu olhar altivo em direção ao mar e mais além.
O aspecto mais surpreendente da praça é a inovadora e um pouco ilusória implantação material. Falou-se muito sobre a capacidade de Utzon para tornar as coberturas de concretos "onduladas" no vento, transmitindo a delicadeza de um tecido apesar de sua rigidez inerte. Sua textura é enriquecida por uma geometria dual-parabólica, em que seções individuais curvas sobem perpendicularmente à curva do todo. O resultado experimental desta forma complexa é inconfundível: apesar das vigas pesarem 600 toneladas, a cobertura parece ser muito leve.
A maior parte dos espaços governamentais estão contidos em um edifício mais convencional, retangular e de cobertura plana por trás da praça. Novamente apropriando-se de uma tipologia vernacular local, Utzon inspira-se nos bazares árabes e persas no desenho dos espaços de trabalho e corredores. Organizada dentro de um sistema simples de grades, os espaços são agrupados em torno de pátios centrais, que são por sua vez rodeados por espaços de circulação, criando unidades modulares que são então repetidas em toda a grade. Elementos desta parte do edifício são montados a partir de uma pequena seleção de formas pré-moldadas de concreto, pondo em foco claro uma justaposição de métodos de construção moderna e uma tênue ligação com a identidade histórica.
Além de esquemas conceituais, as tentativas bem intencionadas de Utzon para apelar a uma cultura local, às vezes transforma-se em uma imitação redutora das estruturas e ornamentos árabes. Seletivamente abstraindo e modernizando certos motivos históricos, como arcadas de arcos pontiagudos, ele sobrepõe a linguagem "local" em um conjunto moderno de formas que podem, na verdade, derivar mais continuidade do trabalho anterior do escritório de Utzon do que da arquitetura tradicional do Kuwait. As ornamentações árabes, com detalhes nas janelas da câmara de debates, foi usado livremente, mas muitas vezes captadas quase ao ponto da insignificância. No entanto, há um aspecto inegavelmente regional para a presença visual do edifício, indicando pelo menos uma medida de sucesso na reconciliação de Utzon para gerar objetivos de projeto um tanto incompatíveis.
Em sua crítica ao projeto, o professor do MIT Lawrence Vale estabelece uma distinção clara entre legítimas alusões vernáculas do edifício e o que pode elevar-se a pouco mais do que explicações convenientes para formas claramente importadas. [1] Pontuando que o caráter caótico do bazar árabe que Utzon referencia é necessariamente mal citado dentro das limitações de uma grade modernista, ele afirma que Utzon poderia ter apenas facilmente reivindicado inspiração de "planos de cidade romana antiga" dadas as origens ambíguas do esquema interno. Por outro lado, a cobertura "tenda" ondulada não possui nenhum sentido crucial dos protótipos beduínos de impermanência, assim como é incapaz de fornecer a proteção ambientalmente sensível proporcionada pelos invólucros de lona. Segundo Vale, a praça coberta referencia tanto com as velas do navio e uma tradição do comércio mercante marítimo, bem como a uma tradição nômade, uma ironicamente apropriado, se não intencional, homenagem a uma verdadeira fonte do sucesso cultural e econômica moderna do Kuwait.
Como um objeto político, o edifício funde várias narrativas reveladoras. Uma tensão entre o interno e o externo, uma preocupação constante em um país com uma população imigrante de longa data, está presente tanto no registro histórico do processo arquitetônico e nas elegantes formas modernas de seu produto. Um segundo, mas mais sutil conflito, existindo novamente em tanto estrutura arquitetônica como política, encontra-se no aparente desafio em navegar entre uma genuína tradição histórica e uma idealização fictícia da história do Kuwait, e uma filosofia ocidental importada de governança e projeto. Embora se possa argumentar que esta multiplicidade de mensagens não resolvidas represente uma fraqueza da arquitetura, também poderia ser o caso que a precisão da leitura textual do edifício em um contexto - deliberado ou não - simboliza a sincretização bem sucedida de arquitetura e significado político de forma singular.
[1] Vale, Lawrence. Architecture, Power, and National Identity. Yale University Press: New Haven, 1992.
- Ano: 1982