A Empresa Portuaria Austral (EPA) convocou o Concurso para o Terminal Internacional de Passageiros de Punta Arenas, Chile, na busca de uma proposta que intervisse de maneira integral no polígono funcional do porto, permitindo "acolher, desenvolver e potencializar essas novas demandas de serviços", segundo explicam as bases do concurso.
A seguir, apresentamos o memorial do projeto realizado pela equipe formada por Estudio America e Mario do Val. Já apresentamos o projeto que recebeu o primeiro lugar e neste link é possível conhecer todos os outros premiados.
OBJETIVOS
Transformar o porto em um lugar da cidade, que permita a experiência de caminhar ao longo da margem costeira e a contemplação de seu movimento e funcionamento; unir a frente marítima e a frente urbana, convertendo-os em uma rede de espaços públicos agradáveis e atrativos; fazer possível a coexistência de usos aparentemente incompatíveis como o porto e a cidade, através da criação de uma nova forma de centro que seja motor da regeneração urbana e do turismo de Punta Arenas, fator importante de crescimento para a economia local.
Aproximar as pessoas ao Estreito de Magalhães, sua paisagem e história, que faz referencia a um dos grandes logros da humanidade, que se aproxima de completar 500 anos. Em 11 de novembro de 1520, uma passagem abrigada que liga o Atlântico ao Pacífico foi descoberta pela flotilha liderada por Fernão de Magalhães, durante a viagem pioneira de circunavegação do planeta terra. Durante os séculos seguintes, o Estreito foi a passagem mais segura entre os dois oceanos, estabelecendo Punta Arenas como um importante ponto comercial do hemisfério sul. Entretanto, com a abertura do Canal do Panamá em 1914, a cidade e seu porto tiveram suas vidas radicalmente alteradas. Ao longo do século XX, o píer deixou de ser um ponto de passagem de grandes rotas marítimas para se converter em parada obrigatória para embarcações que operam ao sul da Convergência Antártica.
Logo, o desafio colocado pelo concurso é de contemplar os objetivos urbanos e simbólicos ao mesmo tempo que promova melhorias no porto, seja organizando seus fluxos, ampliando suas funções de apoio a expedições comerciais, científicas e turísticas. Em especial, promover infraestrutura urbana adequada para um volume anual de 100.000 passageiros e para os habitantes da cidade em épocas de baixa temporada.
Estes são os desafios contemplados para o projeto do novo Terminal Internacional de Passageiros – TIP, um edifício emblemático para Punta Arenas e a Região de Magalhães, porta de entrada de um território geográfico extremo e único.
ESTRATÉGIA
A primeira escala de projeto é a Envoltória Urbana, onde se propõe um extenso caminho sul-norte, uma linha entre o mar e a cidade que se estabeleça como um parque costeiro. Nele, uma rede de espaços que promovam a integração e a acessibilidade da zona portuária com a trama urbana.
Para isso, em uma escala mais específica, são desenhados novos passeios no setor sul [av. 21 de mayo], dotando-o de melhorias urbanas como ciclovias, árvores, play-grounds, mobiliário e equipamentos urbanos e de apoio náutico. Pequenas praças, alargamentos, mirantes e píers são complementados por serviços como café, serviços sanitários e outros apoios ao ócio. Esse sistema de pequenos espaços públicos é focado no encontro das vias com a avenida principal, onde cada esquina da cidade com o mar vire um ponto de atração urbana.
Na zona portuária, segunda escala de intervenção, o gradil que separa o porto da cidade é substituído por uma generosa calçada que configura toda sua frente urbana. Em complemento ao novo edifício do TIP, os antigos galpões do porto voltados para a rua se convertem em um equipamento urbano multiuso com auditório, área de exposição, áreas de alimentação e lojas. O conjunto que faz frente à cidade configura-se em uma rede de equipamentos urbanos que atendem não apenas ao turista, mas também ao cidadão local durante todo o ano. Dessa forma, procura-se a viabilidade econômica de todo o empreendimento assim como a consolidação das transformações urbanas iniciadas na década de 1990.
Como estratégia geral de desenho, é proposta uma manipulação da topografia plana da cidade e do porto, com a criação de novas cotas urbanas. Dessa maneira procura-se dar forma e escala ao grande vazio e diminuir a necessidade de grandes barreiras físicas entre as áreas livres e a zona restrita do porto. O passeio elevado se articula a partir da Plaza del Reloj, na chegada da Av. Independencia, destacando a transição entre o tecido urbano e o portuário até alcançar uma plataforma elevada que permite a visualização das atividades no cais. Logo ao lado, outra pré-existência – o edifício administrativo – ganha um volume elevado e um anexo subterrâneo com estacionamentos restritos e áreas de apoio operacional.
Do outro lado do edifício TIP, na porção sul do cais, uma grande praça multiuso serve a propósitos urbanos e operacionais. Sua parte central tem escala para grandes eventos ao ar livre, ao mesmo tempo que suas dimensões são projetadas para o estacionamento e manobra de ônibus turísticos que façam o transbordo de passageiros em dias de operações com cruzeiros. Entre a praça multiuso e a avenida, uma outra plataforma de madeira cria uma arquibancada em direção a praça e ao Estreito de Magalhães, ao mesmo tempo que abriga um estacionamento com 80 vagas de automóveis. Ao redor dessa área, um deck elevado organiza o passeio público e permite uma infinidade de percursos a beira mar. Junto com o TIP, este deck de ajuda a organizar uma zona híbrida de transição: em dias sem operação de cruzeiros tem acesso livre a partir de duas entradas. Em situações com passageiros, estes acessos são fechados e esta zona se configura em uma praça de acesso de turistas até as embarcações.
A topografia artificial penetra no edifício do TIP, a terceira escala de projeto. Nele, a superfície dobrada do piso é interrompida apenas por uma pele de vidro duplo que garante abrigo ao mesmo tempo que preserva absoluta transparência. A cota elevada organiza a transição entre os dois grandes espaços do TIP: o salão de passageiros e o salão de eventos. Programas que podem ser unidos ou segregados com a simples manipulação de painéis móveis de vidro. Como um grande manto, uma cobertura composta apoiada sobre uma estrutura de madeira laminada proporciona variações de alturas internas e de ambientações. As áreas comerciais do TIP voltadas para a rua, junto com os programas de apoio, estão condensadas em um edifício interno de concreto armado, que configura a fachada urbana do edifício. E sobre parte do salão de eventos, repousa um volume independente que cria um mirante em direção ao Estreito e abriga o restaurante. Um jogo de espaços, fenestrações e cenas oferecem aos usuários um rico cardápio de visuais, ambientes e sensações distintas dentro do mesmo edifício.
O projeto busca uma conciliação entre simplicidade e expressividade e entende que a escala urbana é preponderante, embora o edifício cumpra um papel fundamental na reformulação daquele ambiente. Plasticamente foi desenhado tendo em mente a mirada a partir das embarcações que chegam ao cais e tem sua primeira impressão da paisagem de Punta Arenas.
DESEMPENHO DO EDIFÍCIO E CONFORTO AMBIENTAL
São propostas soluções que harmonizem a utilização dos espaços com as condições climáticas rigorosas daquela região da Patagonia: massas construídas, barreiras de vidro, vegetação, móveis e os próprios desníveis da topografia artificial.
O edifício do TIP incorpora as técnicas mais avançadas do uso racional de recursos naturais e eficiência energética. São propostas estratégias de retenção de calor pela cobertura composta e pelas fachadas de vidro duplo. O revestimento externo do telhado é feito de placas de cobre e sob ele são previstas camadas de isolamento térmico, com acabamento liso branco na parte interna, de forma que reflita ao máximo a luminosidade artificial. Esta cobertura é estruturada com peças de madeira laminada colada organizadas em pórticos e ancorada no volume de concreto armado, que oferece a resistência não só aos esforços verticais da própria estrutura e do eventual acúmulo de neve, mas especialmente a vetores horizontais oriundos especialmente dos fortes ventos da região e de alguma atividade sísmica que possa incidir sobre a estrutura. A fachada de vidro duplo possui uma estrutura metálica própria, travada na cobertura. Tanto a cobertura quanto o piso elevado próximo ao salão de eventos permitem a instalação dos mais diversos tipos de dutos para instalações elétricas, hidráulicas e de climatização.
O edifício todo foi projetado pensando na sua construção racional, rápida e com baixa emissão de resíduos. As peças estruturais de madeira laminada da cobertura, assim como todos os componentes de aço são fabricados remotamente e apenas montados no canteiro de obras. Em geral, se buscou especificar materiais e soluções duráveis, de baixa manutenção e que estejam plenamente disponíveis no mercado de construção chileno.
Equipe
Estudio America + Mario do ValAutores
Guilherme Motta, Lucas Fehr, Mario do Val e Roberto IbietaColaboradores
Gabriela Torres, Gustavo Wierman, Kirsten Larson, Lucas Dalcim, Natalia Campilongo, Pedro Giunti, Pedro Lindenberg, Pedro Wendling PontesConsultoria em Estruturas
Ricardo DiasFotografias
Cortesia de ESTUDIO AMERICA + MARIO DO VAL