Para aqueles que estão familiarizados com o trabalho mais icônico de Bernard Tschumi, a Sala de Concertos de Limoges pode parecer uma saída incrivelmente convencional dos projetos radicais e intensivamente teóricos que introduziram o arquiteto suíço. Nesse sentido, a clareza visual do projeto não provoca os mesmos discursos complexos sobre a violência arquitetônica e o erotismo que guiavam suas buscas iniciais e certamente é uma evolução mais funcional da sua polêmica quanto aos espaços não programáticos exibidos no Parc de la Villete. Por outro lado, o conceito e a forma de Limoges não são nenhuma novidade, emergindo quase que na totalidade de um protótipo de sala de concertos que Tschumi desenvolveu no final da década de 1990 para uma situação similar em Rouen. Mas Limoges é importante por outros motivos: além de suas escolhas materiais e espaciais, é uma das ilustrações mais articuladas das explorações de movimento e fechamentos de Tschumi - "vetores e envoltórias" - que informam muito do seu trabalho recente.
Embora as raízes conceituais da sala de concertos possam ser atribuídas a projetos anteriores, o envolvimento do arquiteto em Limoges começou quando ele recebeu o primeiro prêmio no concurso local em 2003. Como em Rouen, ele propôs um esquema em que o centro gerador do prédio e a maior parte de sua massa estivessem localizados em um espaço de performance circular, de anfiteatro. Um único e contínuo foyer emerge concentricamente desta forma, envolvendo-se em torno dos contornos de um lado do hall, tanto em planta quanto na suave curva de seu corte. Este diagrama simples, elegante em sua quase pureza, é quebrado ligeiramente por uma pequena protrusão de entrada na fachada externa e um volume anexo de bastidores diametralmente oposto a ele.
Orientando a concentricidade do projeto está a exploração conceitual de Tschumi da envoltória, uma segunda camada que cria um espaço intersticial entre o volume do auditório e a exposição do mundo exterior. Como seus projetos em Groningen e Tourcoing, o "intermediário" serve para mediar a transição entre condições discretas através de transformações graduais em forma, materiais, iluminação, texturas, expansividade e até temperatura. O fino abrigo externo, feito de finas costelas de madeira e painéis de policarbonato translúcidos, contrasta com a solidez pixelada do ambiente interno. A camada interna, mais proeminente, é experienciada como a saliência do auditório no foyer, empurrando o ângulo agudo de sua parte inferior no espaço criado pela curva suave da envoltória exterior. Os dois sistemas parecem se prolongar passivamente sem se unirem diretamente em confronto, em vez disso se envolvendo mutuamente em um diálogo dramático espacial que ilustra seus papéis independentes.
Os vetores, a correlação necessária ao envelopamento na postura teórica de Tschumi, são responsáveis por ativar os espaços criados pelas múltiplas camadas da fachada do edifício. Ao invés de conceituar os espaços de circulação como elementos estáticos do programa do edifício, Tschumi concentra-se no desenvolvimento de vetores de movimento, caminhos direcionais que definem o movimento em termos espaciais e temporais. Estes vetores são manifestados através de uma série de rampas e escadarias que negociam entre diferentes espaços e condições programáticas no interior do edifício. Em Limoges, além de criar ligações entre os níveis superiores do auditório e o térreo, tais vetores direcionam o movimento de dentro do recinto para a estrada e a floresta, dramatizando a interação do prédio com sua implantação.
A produção efetiva desses efeitos deve-se em parte à redução sistemática do ruído estrutural no interior do edifício. No auditório, a imensa pureza da forma circular não é interrompida por suportes visíveis. As cargas são, em vez disso, transportadas por treliças sob o telhado, que abrangem o auditório e eliminam obstruções das linhas de visão do público. No foyer, as cargas são empurradas para fora por meio de esbeltas colunas circulares que abrem o espaço na entrada central. [3] O envelopamento também é uma peça fina, cuidadosamente calibrada, auto-suportável que desfigura a distinção entre elementos estruturais e escultóricos, enfatizando a delicadeza da envoltória.
A inteligência do projeto não se limita às suas origens conceituais. Limoges é um dos edifícios mais sensíveis ambientalmente de Tschumi, incorporando estratégias sustentáveis na construção e performance. Durante o dia, os painéis translúcidos do envelope iluminam o foyer com luz natural, enquanto à noite, seu brilho cria uma forte sinalização visual ao edifício. A ventilação natural minimiza a necessidade de condicionamento climático e o duplo envelopamento adiciona isolamento térmico ao auditório aquecido durante o inverno por energia solar. A área de estacionamento que circunda o local é coberta por rochas vulcânicas que permitem que as gramíneas cresçam através delas, buscando novamente posicionar visualmente o edifício naturalmente ao entorno. Esta apropriação holística para o projeto sustentável foi explicada pela empresa em comunicado à imprensa: "A sala de concertos mostra que a sustentabilidade funciona melhor quando se trata de uma estratégia projetual totalmente integrada, ao invés de um adicional alcançado através de dispositivos elétricos eficientes e altos índices de isolamento." [1]
As diferenças entre as salas de concerto em Limoges e Rouen são principalmente encontradas em suas expressões de materialidade; enquanto o primeiro é construído de madeira natural que envolve as fachadas, o último é feito de concreto, aço, plástico e vidro. Em relação às vastas preocupações do projeto arquitetônico mais amplo, essas variações na paleta de materiais isoladamente podem não parecer resultar em uma enorme diferenciação entre os dois. No entanto, esta modificação faz referência a uma questão persistente colocada por Tschumi sobre a importância da materialização na viabilidade de um conceito: "Se o conceito é o mesmo em duas ocasiões, o edifício será o mesmo?" [2]
O descentramento intencional entre conceito e forma como os principais índices do trabalho arquitetônico propõe um novo caminho para o arquiteto, que incentiva a busca de soluções precisas para problemas específicos e não a busca incansável de novidades formais e esquemáticas. A duplicação, quando usada de forma tão pensativa e produtiva, torna-se um ato provocador em vez de uma reiteração sem inspiração.
Notas:
[1] “Zenith Concert Hall.” Woodworks. Acessado em 26 de 2014 em http://www.woodworks.org/wp-content/uploads/FPI-Case-Study-Zenith.pdf
[2] Aloi, Daniel. “Architect Bernard Tschumi presents his ‘clear and radical approach’ to design.” Cornell Chronicle, 26 April 2007. Acessado em 26 de 2014 em http://www.news.cornell.edu/stories/2007/04/architect-tschumi-presents-clear-radical-approach-design
[3] “Zenith Concert Hall.” Design Build Network. Acessado em 26 de 2014 em http://www.designbuild-network.com/projects/limoges/.
[4] "Limoges Concert Hall." Bernard Tschumi Architects. Acessado em 25 de Novembro de 2014 from http://www.tschumi.com/projects/10/.
[5] Photographs courtesy of Peter Mauss/Esto, Christian Richters TEAM, and Bernard Tschumi Architects. Usado com permissão.