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Arquitetos: Tiago do Vale Arquitectos
- Área: 42 m²
- Ano: 2017
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Fotografias:João Morgado
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Fabricantes: Galpão, Vintage Alternative Store
Descrição enviada pela equipe de projeto. O Espigueiro-Pombal do Cruzeiro é um lugar de serenidade e de introspeção, de forte ligação com a natureza e conosco próprios. Sem uma função convencional, o espaço -uma fusão de casa na árvore e refúgio contemplativo- é o seu próprio propósito. As suas raízes são modestas, embora inesperadamente pragmáticas, criativas e sofisticadas no seu desenho e soluções: é uma pequena joia da arquitetura vernacular minhota. Construída originalmente no final do século XIX, o seu ponto de partida foram dois espigueiros tradicionais sobre bases graníticas. Uma cobertura comum reuniu-os, debaixo da qual se deu forma a um pombal. Finalmente, o espaço entre ambos os espigueiros usou-se para a secagem de cereais, com dois grandes painéis basculantes controlando a ventilação.
Este desenho notável resulta da combinação invulgar mas inteligente de três tipologias vernaculares bastante comuns (espigueiro, pombal, coberto de secagem) que fazem ainda parte do nosso imaginário coletivo. A sua execução, no entanto, não foi isenta de problemas. Construído em madeira de carvalho, a estrutura foi subdimensionada para as necessidades da construção e, sem manutenção adequada durante grande parte da sua vida, a madeira rapidamente decaiu: embora mantida em pé por cabos de aço esticados a partir de árvores vizinhas era já irrecuperável. As peças de madeira apodrecida, mesmo assim, permitiram a documentação integral do desenho e das técnicas construtivas do edifício tal como era até perder o seu uso, abrindo portas para uma reconstrução peça a peça, tal como o Ise Jingu se reconstrói a cada 20 anos no Japão, mas aqui à escala do norte rural português, preservando um interessante documento construído vernacular e, no processo, alimentando e alimentando-se do conhecimento tradicional dos artesãos locais.
No entanto os tempos mudaram: já não há atividade agrícola na propriedade e não se prevê que o Espigueiro-Pombal reconstruído cumpra com as suas funções originais. Não terá, também, nenhum uso específico: o uso será aquele a que o espaço naturalmente se prestar. Estas circunstâncias implicaram, portanto, não só reconstrução, mas também transformação, dando forma ao tema do projeto. O resultado é uma reposição elemento a elemento do Espigueiro-Pombal, com um minucioso redesenho de todos os detalhes de carpintaria e um conjunto muito limitado de intervenções cirúrgicas que permitirão a sua renovada e segura utilização. Para corrigir a fragilidade estrutural original inseriu-se um número controlado de elementos de travamento diagonais em localizações estratégicas, refletindo soluções encontradas em construções de idade, técnicas construtivas e tipologia similares.
Duas novas escadas escamoteáveis encaminham-nos para o interior de ambos os espigueiros e uma escada interior ergue-se até ao espaço do pombal, finalmente tornando esse espaço mágico acessível. A matriz deste projeto conformou-se numa reconstrução estrita a que se somou o requisito da intervenção mais ínfima que o tornasse utilizável, permitindo as ligações mínimas necessárias dentro e fora. O Espigueiro-Pombal do Cruzeiro é agora um santuário entre as copas das árvores, uma forma icônica na paisagem rural minhota, e a experiência das sombras bruxuleantes das ramas, da brisa suave que o cruza e dos chilreares nos finais de tarde estivais define, por inteiro, o seu novo propósito, função e uso.